Trump e a Minha Ida à Lua

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]rump anunciou que voltaremos à lua. E, como dá sempre uma no cravo e outra na ferradura, selou o anúncio assinando uma declaração, a Directiva 1 de Política Espacial, algo ambígua e na qual não se especifica nem como vai fazer-se isso, nem com que orçamento dotará o projecto nem quando está previsto que se enviem essas missões tripuladas à Lua.

O que importava era anunciar a gesta, o mito de que os EUA também governarão o céu. Isso apaziguará os críticos, pois quem quer alhear-se da grandeza?

Trump é o terceiro presidente republicano consecutivo que promete ir à lua. Os Bush, pai e filho, propuseram-se ao mesmo. Os democratas, com menos visão, nunca prometem a lua.

Não se consegue resolver o problema coreano? Viremos o foco para a lua. Se Calígula queria a lua, porque não ele?

Embora na verdade ele não queira ir à lua. E eu sei porquê. EU SEI.

Uma vez tive acesso às Clavículas de Salomão (não interessa agora como), o tratado de magia que permite pôr todos os diabretes ao nosso mando, e o que a seguir relato é ipsis verbis o que se passou:

«Quem chamou?

Asmodeu tinha dois metros de altura e uma cabeça de carneiro envolta num turbante de crepe vermelho. De resto, apresentava-se nu. Ou antes, um tufo de penas de galo e de pavão coroava o púbis, donde pendia uma larga faixa de pergaminho virgem – o seu sexo. A sua pele, encarniçada, mudava de cor, consoante o seu ânimo, como fomos verificando.

Pensei, Nunca pensei ver um diabo nu. E ele, mostrando que me lia a mente, respondeu:

Para quê encobrir o vício?

Não ousei pensar mais.

Asmodeu… tenho sérios pedidos a fazer-te. Posso formular o primeiro? Desejo que… – Asmodeu lançou-me um olhar de viés que me roeu as tripas – o sr. Asmodeu converta a minha mulher – apontei-a – na Ofélia de John Milius.

Hum… – resmungou o monstro, observando-a – esta tarefa equivale a dois pedidos…

E estendeu a mão sobre o corpo adormecido dela. Da sua palma emanou um fumo verde, espesso, que a cobriu como uma nuvem. Durante dois minutos raios e coriscos sulcaram por dentro aquela nuvem, que tornava a metamorfose invisível. Após o que, gradualmente, se dissipou.

A visão de Ofélia adormecida na cama da minha suite golpeou-me num vómito: não estava preparado para tanta beleza.

Algum reparo a fazer ao meu trabalho?

Perdoe, sim… É de alegria. Mas diga-me, ela não me vai rejeitar?

Manterá a memória durante 72 horas, depois depende de si… – informou o diabo – e não pode ser tocada nas próximas 24 horas, sob risco de se desfazer a metamorfose. Despachamos o terceiro pedido?

Quero ir com ela à lua, em lua-de-mel? – Asmodeu entreolhou-me incrédulo. Tive de me justificar:

Sou um leitor de Ariosto.

Como o mafarrico tinha prometido acordámos na Lua. Estávamos no centro de uma enorme cratera cujos bordos divisávamos pela explosão súbita de astros que a circundavam e que sobre nós ramificavam, em abóbada. Era fabulosa a profundidade de campo e a miríade de pontos luminosos. Estaríamos por dentro da pele de Deus, a sinalizar a luz exterior que lhe entra pelos poros?

Ela, envolta num roupão de seda chinês, dormia ainda. Bela e intensa como nunca. Suspirei, ciente dos maus lençóis freáticos em que andava metido. Respirava tão brandamente que decidi deixá-la acordar ao seu ritmo.

Pus-me em pé, para experimentar o solo e ambientar-me. O simples acto de esticar o braço direito para impulsionar o corpo à sua posição erecta atirou-me para quatro metros de distância. Era a falta de gravidade. Dei aos saltos duas voltas à cratera, que devia ter uns trezentos e cinquenta metros de diâmetro. Depois sentei-me, contemplando a amada, e o globo terrestre, de um azul lancinante.

Ofélia semi-abriu uma das sobrancelhas, depois a outra, lânguida, tremenda. O espaço sideral deixou-a muda, mas rapidamente sorria. Levantou-se e descobriu o seu corpo leve como nunca. Foi uma euforia.

Entregámo-nos a um jogo de gato e rato, pés furtivos e dedos enclavinhados, assobios, num ziguezaguear que soltava um bichanar inocente, inocente… e logo lúbrico. Até o brilho dos dentes constelava naquela luz espectral. Eu sentia-me um carvalho em toda a sua floração e potência.

Não demorou que nos desnudássemos. Doidos por contacto, por nos beijarmos e fundir-nos numa sutura. Contudo, o menor movimento dos músculos separava-nos. A princípio foi motivo de risada a dificuldade em manter os quadris enquadrados, e por várias vezes ela se agarrou ao meu comprido apêndice nasal, o último recurso. Depois o movimento do membro na sua vagina aliviada de adstringência constituiu uma agonia de altíssimo grau, dada a quase impossível sintonia de movimentos para o casal que esgrime pela primeira vez. Após uma hora de combate com a microgravidade o riso converteu-se em rogo: o mais leve batimento das virilhas projectava-nos a dois metros de distância e havia que recomeçar tudo.

Para além disso, fui assaltado por náuseas, pelo enjoo espacial que em terra se designa «labirintite» e resulta das informações contraditórias que o cérebro recebe dos olhos e dos órgãos vestibulares (no ouvido). Um desequilíbrio vulgar quando se aterra na Lua, soube depois.

O encantamento pusera-nos a respirar na Lua mas não nos libertara das leis da gravidade. E de repente, ao olhar o extenso firmamento e a solidão da Terra senti-me atingido por uma punhalada pascaliana e brutalmente trespassado pelo abismo de tudo o que não sabia e não podia saber. Diante do infinito espaço sideral, não consola adivinharmo-nos uma gota de orvalho na borda de um balde.

Odiava-me. Estava na Lua com a mais bela mulher, a mais disposta a resgatar a lendária lascívia de Lillith, e pensava em Pascal.»

Compreendem? Na lua o assédio pode acontecer mas é mais incerto que as promessas da carne não se tornem tumultuosas. Para quem como Trump gosta de as agarrar pelo triângulo das Bermudas ir à lua é uma tremenda perda de tempo.

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