Toque

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual é o maior órgão do corpo responsável pelo prazer? A pele. Acho que esta pergunta já foi usada em tom de anedota – não tenho muito jeito para anedotas – mas as palavras ‘prazer’ e ‘grande’ leva a pensarmos em formas fálicas, muito naturalmente.

Temos a pele como a estrutura que nos protege do mundo exterior e a que conduz as mais variadas sensações, sejam elas de dor ou de prazer. No sexo, este prazer do toque é central para uma união sexual mais inteira, mas todos estão convidados a discordar. Desde cedo que aprendemos que os órgãos genitais estão no centro do prazer sexual sem reflectir acerca das periferias do corpo e o seu contributo. Quem tem fetiches particulares provavelmente terá uma noção mais alargada do sexo – para além dos seus genitais. A pele tem um papel importante nisto, ou por outra, o toque subtil ou violento estimula os nossos centros de prazer de forma mais integrada para quiçá, um bom preliminar ou um bom orgasmo.

Temos o toque tão garantidamente presente. Quando nos privamos do toque enlouquecemos. Não me refiro somente ao contexto sexual, mas em tudo das nossas vidas. Quando é que sentiram que um abraço com o toque de um corpo com o outro poderia fortalecer o sentido de ser, um sentido de ligação quando estamos particularmente sozinhos na nossa experiência. Seres intelectuais que somos vivemos preocupados com a nossa mente, preocupamo-nos em viver com a ‘cabeça’, com racionalidade. Esquecemo-nos das sensações do corpo e da pele que a acompanha em formatos mais ou menos do nosso agrado – quem é que se sente totalmente confortável na sua pele? Vão-se perdendo sentidos porque vivemos demasiado agarrados ao passado ou no futuro, nunca no presente.

O sexo vive disso também, de uma sensação de presença temporal que deveria ser obrigatória, e facilitadora pela pele. Prendemo-nos no(s) outro(s) à espera de percebermos mais sobre nós próprios, sobre o nosso corpo e a nossa sensação. Nada de pensar na lista de compras, nas tarefas ainda por fazer, nos problemas familiares ou num outro qualquer macaquinho na cabeça. Não – deixem-se ir.

Se esta fosse a normal perspectiva do sexo, teríamos pessoas mais felizes? É provável que sim. Não que seja a solução perfeita para a doença mental, mas ajuda – nascemos sensíveis em todas as pontas do corpo para nos protegermos do perigo, para nos mantermos vivos, para nos sentirmos. Quantas vezes já se queimaram com água a ferver e tiveram a perfeita sensação de alívio por só ser uma pequena área do dedo? O contrário do prazer é a dor, e por mais que nos confundamos com a linha ténue de diferença, o prazer – mais ou menos intenso – ensinou-nos como é que nos tratamos bem. Mas é isso, somos tanto pelo hedonismo simplificado – da mesma forma que se criam robôs hedonistas sensíveis à aprendizagem pelo prazer  – que bem podíamos dar complexidade ao prazer e à sensação, para nos deixarmos de prazer básico, e de consumo rápido.

Queremos o prazer certeiro de roçar de genitais, ou será que queremos perder mais tempo (eu sei, ninguém tem tempo estes dias) a procurar formas de prazer mais sofisticadas, pele com pele, corpo com corpo e mente? Não quero complicar a vida de ninguém, mas se somos seres conscientes com potencial de prazer imenso, porque é que nos acomodamos? Procurem o prazer, conscientemente, lentamente. Compliquem o prazer para descomplicar tudo outra vez.

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