Macau Visto de Hong Kong VozesLiberdade de expressão David Chan - 24 Out 2017 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4 o Tribunal de Apelação de Hong Kong (COFA) rejeitou por unanimidade o caso apresentado por Christine Fong Kwok Shan. A história conta-se em poucas palavras. Christine combatia o projecto de expansão dos aterros de resíduos tóxicos da South-East New Territories. Integrou um grupo que se manifestou durante as duas sessões do Conselho Legislativo abertas ao público, nas quais o sub-comité das Obras Públicas apresentou o projecto à discussão. Durante os protestos, Christine despiu o casaco revelando uma t-shirt que tinha escrito “Defendam Tseung Kwan O”. A seguir entregou um cartaz a um companheiro, que tinha desenhada uma suástica e onde se podia ler “Aterro – Campo de Concentração de Gases Venenosos”. O homem, na galeria pública que encima o recinto, exibiu o cartaz. A manifestação foi interrompida pela intervenção dos seguranças que de imediato lhe tentaram arrancar o cartaz, acabando um deles ferido num pulso. O incidente provocou a suspensão antecipada da sessão. Após a retoma da reunião Christine e os companheiros entoaram vários slogans. Na altura foram avisados pelo presidente do sub-comité das Obras Públicas que seriam expulsos da sala se não se calassem. Como ignoraram o aviso e deram os braços para resistir à expulsão, a sessão voltou a ser suspensa. Os trabalhos prosseguiram passado uma hora, noutra sala de conferências, mas desta vez sem a presença do público. Christine foi mais tarde condenada por infracção da secção 12(1) das Directrizes Administrativas do Regulamento de Admissão e Conduta Pessoal, que estipula o seguinte, “Não é permitido a exibição de cartazes e faixas com símbolos ou mensagens, em galerias reservadas ao público ou à imprensa”. Foi também condenada por infracção da secção 11 que determina que, quem der entrada no recinto do Conselho Legislativo, terá de o fazer de forma ordeira. Christine foi sentenciada, após julgamento do Tribunal de Magistrados, ao pagamento de uma multa de 1.000 Hong Kong Dólares por cada acusação. Mas Christine apresentou recurso da sentença, na convicção de que o princípio da liberdade de expressão, consignado no artigo 27 da Lei Básica de Hong e no artigo 16 da lei que regula a “Declaração dos Direitos Humanos”, tornam as secções 11 e 12 anticonstitucionais, na medida em que estas disposições violam a liberdade de expressão, ao proibirem a exibição pública de símbolos e mensagens. O COFA reiterou as decisões dos dois tribunais de instância inferior. Para tal recorreu ao artigo 39 da Lei Básica de Hong Kong e ao artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos, concluindo que se pode proibir manifestações de protesto nas galerias do Conselho Legislativo, desde que exista o risco de criarem desordem e interferência com os direitos dos outros observadores. As restrições impostas pela lei são necessárias para proteger a ordem pública e fazer respeitar os direitos dos outros cidadãos. O COFA adiantou ainda que os limites da liberdade de expressão nas galerias do Conselho Legislativo são “claramente proporcionados e justificados” permitindo que a legislatura prossiga com o cumprimento das suas funções legais. Esta argumentação demonstra o equilíbrio que é necessário entre liberdade de expressão e respeito pelos demais. Pelos motivos apontados o recurso de Christine foi rejeitado. Não poderá haver mais recursos na medida em que a decisão foi tomada pelo Tribunal da mais alta instância. Com a implementação do Direito Comum em Hong Kong, o precedente jurídico desempenhará um papel muito importante no sistema legal. O precedente jurídico aberto pelo COFA fará parte das leis de Hong Kong. Todos os tribunais da cidade estarão obrigados a seguir a decisão. Nesta deliberação o COFA decidiu uma vez mais que a Lei Básica de Hong Kong garante vários tipos de liberdade aos seus residentes. Estes direitos serão garantidos de futuro. No entanto, deveremos ser razoáveis no exercício destes direitos. Foi declarado que “comportamentos desordeiros e exibição de cartazes de protesto” são comportamentos não aceitáveis nas galerias do Conselho Legislativo. Portanto, futuramente, se alguém tiver uma atitude semelhante, será certamente condenado em tribunal. Os limites da liberdade de expressão foram outro dos argumentos apresentados pelo Tribunal. Estes limites têm de ser estipulados pela lei, de forma a proteger a segurança dos cidadãos, mas também a liberdade de expressão. Será sempre uma tentativa de ajuste entre estes dois direitos básicos. No Conselho Legislativo o público tem de se comportar de forma ordeira e não é permitida a exibição de cartazes de protesto, logo não é permitida qualquer manifestação. O Conselho Legislativo é um local destinado à criação de legislação, abrigo da Lei Básica da cidade. As manifestações podem originar desordem pública, e podem interferir com os deveres dos deputados. Os protestos podem ainda afectar os outros observadores da sessão. No entanto, será necessário que a lei defina o que representa exactamente transgressão a estes regulamentos. O Conselho Legislativo destina-se aos legisladores, não é local para manifestações e protestos. Ninguém gosta de viver perto de lixeiras, sobretudo se se tratar de um aterro de resíduos tóxicos. Os sentimentos dos manifestantes são compreensíveis. Mas do ponto de vista social, expressar opiniões de forma leviana não é aceitável. Seremos todos afectados. Esperamos sinceramente que não existam mais manifestações de protestos insensatas. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau