Don’t be evil

[dropcap style≠’circle’]”D[/dropcap]Don’t be evil” foi o moto oficial do Google desde o ano 2000 até ser substituído, em 2015, por “Do the right thing”. A ideia, originalmente, era a de separar a Google das outras empresas tecnológicas que incorriam em práticas, por vezes pouco transparentes, através das quais acabavam por retirar do contrato com o consumidor muito mais do que aquilo que tinha sido acordado. Era possível, segundo o Google de então, fazer dinheiro sem se ser desonesto. Mais: era possível fazer dinheiro sendo ético.

A maioridade trouxe ao Google, para além de lucros incontáveis e de um monopólio no domínio dos motores de busca, alguns percalços e dores de crescimento. Tendo em conta que os proveitos da empresa advêm quase inteiramente da publicidade online, não parece difícil perceber a tentação a que ao Google sucumbiu: a de guardar todos os dados possíveis relativos aos utilizadores para lhes poder devolver o anúncio mais personalizado. O “don’t be evil” tornou-se muito depressa um fardo para a empresa e um motivo de chacota para os internautas, cada vez mais preocupados com a privacidade.

Há cerca de uma semana, um empregado do Google escreveu um memo através da qual tenta explicar a razão pela qual há poucas mulheres nas áreas tecnológicas. Diz ele, grosso modo, que tal se deve à diferença de competências inerentes a cada um dos géneros. Os homens, mais assertivos, menos sociais e mais resistentes à ansiedade que subjaz aos confrontos, têm características inatas que jogam a favor deles. As mulheres, evidentemente, o contrário. Ao que parece, no Google existe um espaço assaz vasto para a discussão política: como em qualquer empresa de vanguarda, é fomentada a troca aberta de ideias entre trabalhadores, seja por mail, bulletin board ou chat. Se no século passado, o da linha de montagem, a ideia de empresa era a de um mecanismo perfeitamente oleado para o qual cada empregado concorria sob a forma de engrenagem, no séc. XXI, sobretudo na área da tecnologia e dos serviços, os trabalhadores tendem a ser vistos como células neuronais cuja criatividade converge na formulação de uma ideia inovadora. Daí dar-lhes liberdade de pensamento e voz para se exprimirem.

E, no entanto, este empregado, foi despedido. Não sei das suas intenções na escrita do memorando supracitado. Não sei sequer se estava fundado sobre argumentos sólidos e coerentes. Sei que era uma pessoa com uma ideia muito pouco original, radical ou mesmo nociva sobre um assunto que está longe de ser consensual ou de estar decidido: as diferenças entre homens e mulheres. Não negou o holocausto, não defendeu a criminalização da apostasia, não contraiu matrimónio com uma iguana indefesa. Limitou-se a tentar explicar a razão pela qual as mulheres não têm a representatividade que os homens têm nas indústrias tecnológicas. Podia não ter razão ou estar apenas mal informado. Tal não evitou ter sido liminarmente afastado da empresa. E o despedimento deveu-se, em grande parte, à pressão que muitos dos trabalhadores do Google, que pensam de forma distinta, exerceram sobre a empresa por via da comunicação social.

Ora se há alguma lição a tirar das últimas décadas de desenvolvimento das ciências sociais, esta prende-se precisamente com a natureza volátil das suas conclusões. Não há posições “científicas”, i.e., objectivamente mensuráveis, sobre as questões da identidade sexual ou de género. Há aproximações, tentativas e erros, orientações políticas, sociais e, em última análise, morais. Ora transformar uma posição política numa evidência científica, para além de conduzir inevitavelmente ao silenciamento de quem poderia acrescentar algum valor à discussão, é, sobretudo, impor uma forma muito selectiva e estreita de pluralidade de opinião: a nossa.

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