h | Artes, Letras e IdeiasMosteiro de Santa Maria de Pombeiro Michel Reis - 4 Jul 2017 Órgão de tubos do volta a fazer-se ouvir após mais de 200 anos de silêncio [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 25 de Maio de 2017, após mais de 200 anos de inactividade, o órgão de tubos do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, em Felgueiras, no distrito do Porto, em Portugal, voltou a fazer-se ouvir, ecoando os sons celestiais da Avé Maria de Bach/ Gounod, dando início ao 4.o Fórum Internacional do Património Arquitectónico Portugal/ Brasil. O restauro do instrumento representou um investimento de 255.000 euros, co-financiado em 80% pelo ON.2 – O Novo Norte (Programa Operacional Regional do Norte) e pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, e em 20% pelo Município de Felgueiras. A obra de restauro foi executada pelo consórcio luso-espanhol Acitores-Samthiago, constituído pelas empresas Atelier Samthiago Conservação e Restauro (Viana do Castelo) e Taller de Organería Acitores de Torquemada (Palencia), também responsável pela recuperação recente dos dois órgãos da Igreja dos Clérigos, no Porto, um dos mais importantes conjuntos de órgãos gémeos da Península Ibérica, e do órgão de tubos da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo. Destaca-se a cooperação que este consórcio vem desenvolvendo deste 2010 no âmbito da restauração patrimonial e em concreto na protecção e conservação de órgãos de tubos, que para além dos citados, incluem ainda os restauros do órgão da igreja de San Martín de Valdeiglesias em Madrid e do órgão da ermida de Nuestra Señora en Tiedra (Valladolid), e ainda do órgão do Convento de San Quirce de Valladolid, em Espanha. O órgão de tubos do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, datado de 1766, é obra do organeiro galego radicado em Portugal, Dom Francisco António Solla, facto comprovado por uma inscrição existente no interior do instrumento. Este organeiro representa a ligação mais paradigmática da vinculação da organeria galaico-portuguesa, que se integra na definição genérica de “órgão ibérico”. O autor das caixas – em talha dourada e fundos policromados imitando mármores, de estilo barroco ibérico com elementos das escolas galega, castelhana e portuguesa – encontra-se por determinar mas, possivelmente, será o escultor beneditino Frei José de Santo António Ferreira Vilaça, artista polifacetado e autor de numerosas obras de arquitectura, escultura, talha, mobiliário, pintura, estuque e ferro forjado, incluindo a decoração da igreja do Mosteiro de Pombeiros. O instrumento está localizado no coro alto da igreja, do lado do Evangelho. Do lado da Epístola, na procura de simetria e por razões estéticas, foi colocado um outro semelhante, mas falso ou mudo. O órgão, após mais de dois séculos de inactividade, apresentava-se em muito mau estado de conservação, para o qual contribuíram, em grande parte, as Invasões Francesas em Portugal e, logo a seguir, a extinção das ordens religiosas, em 1834, na sequência da qual o coro alto e o respectivo espólio integrado entraram, progressivamente, em ruína. Em 1930 deu-se o roubo da canaria dos órgãos. Em 1994, no contexto da recuperação do Mosteiro, o órgão foi alvo de uma intervenção ao nível do suporte e do revestimento cromático. Posteriormente, todas as peças constituintes da máquina, bem como alguns elementos com talha pertencentes à caixa, foram desmontados por uma empresa da especialidade, tendo então sido feito um inventário e um levantamento rigoroso das existências. No âmbito da presente recuperação, o estudo dos elementos do instrumento, cuja construção está documentada nos Estados de Pombeiro, relatórios trienais elaborados pelos respectivos Abades, relativos ao triénio de 1764-1767, permitiu conhecer a autoria e a composição de registos e comprovar que, apesar da deterioração, se conservavam elementos mecânicos. Procedeu-se ao estudo minucioso de outros órgãos do autor para replicar a tubagem segundo os mesmos parâmetros de construção, e procedeu-se a uma análise exaustiva do material dos escassos tubos preservados. Tudo isto, em conjunto com a harmonização posterior, permitiu recuperar não apenas a sua materialidade mas também a sua particular sonoridade, que em última instância é o elemento patrimonial mais importante a conservar no restauro de um órgão. O Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro está incluído no projecto turístico-cultural Rota do Românico, gerido pela Associação de Municípios do Vale do Sousa (VALSOUSA). Este projecto está ancorado num conjunto de 58 monumentos de grande valor e de excepcionais particularidades. Esta Rota pretende assumir um papel de excelência no âmbito do turismo cultural e paisagístico, capaz de posicionar a região como um destino de referência do românico, estilo arquitectónico que perdurou entre os séculos XI e XIV. A Direcção-Geral de Cultura do Norte, organismo que tutela o Mosteiro de Pombeiro, considera que as igrejas podem também desempenhar um papel cada vez mais reforçado no domínio da activação cultural da região, estando-se a fazer, por toda a região norte, um grande esforço e revitalização de órgãos de tubos em várias estruturas patrimoniais, desde Trás-os-Montes ao Minho, passando pelo Douro Litoral. Este esforço vai permitir criar pequenos ou grandes circuitos de concertos mediante as especificidades de cada tipo de órgão, sendo possível, desta maneira, uma rentabilização de recursos financeiros e de um conjunto de músicos que possam vir, por exemplo, de Itália, França, Alemanha, ou mesmo portugueses, e um enriquecimento cultural da oferta de toda a região. Este importante restauro, um anseio antigo dos felgueirenses, vem ainda valorizar a magnífica igreja monástica do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, sem dúvida, um dos mais importantes edifícios religiosos de Portugal, testemunha de desvairados gostos e variados estilos desde o período medieval, românico-gótico ao barroco. A igreja de Pombeiro pode mesmo classificar-se como a jóia da arte de Fr. José de Santo António Ferreira Vilaça – “das obras que tenho feito, a milhor” – como ele próprio diz. A inauguração da recuperação do órgão de tubos do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro marca o culminar de uma importante etapa de projectos de recuperação patrimonial e colaboração institucional realizados entre a Associação de Municípios de Vale do Sousa e a Direcção Regional de Cultura do Norte. Com este investimento foi possível devolver à região uma peça sem igual no panorama cultural e patrimonial, que irá permitir ao Mosteiro desenvolver com regularidade a organização de concertos e até integrar ciclos de música sacra da grande região do Porto. O projecto de recuperação do órgão de tubos do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro foi um dos oito finalistas do Prémio Internacional AR&PA (Bienal de Restauração e Gestão do Património) de Intervenção no Património Cultural, em Espanha, em Novembro de 2016.