Chan Iek Lap, médico e deputado: “Não somos Deus”

Admite que os médicos ainda têm um caminho a percorrer, mas pede a compreensão da população. Chen Iek Lap, médico, deputado à Assembleia Legislativa eleito pela via indirecta, deixa um diagnóstico das necessidades do sector da saúde, que se depara com falta de especialistas. É preciso subir salários e alterar as carreiras, a pensar já no novo hospital das ilhas. Quanto à participação política, recusa fazer uma auto-avaliação e não diz se é candidato em Setembro

 

É deputado eleito pela via indirecta desde 2013. Está quase a chegar ao final do seu primeiro mandato. Que balanço faz do trabalho desenvolvido na Assembleia Legislativa (AL)?

Sou novo na AL. É a primeira vez que desempenho um papel na área política. Por isso, no início, devido à falta de experiência, cometi alguns erros. Dependia da ajuda dos meus colegas. É difícil fazer um balanço em apenas algumas palavras. Só posso dizer que senti progressos de ano para ano. Os deputados são porta-vozes dos cidadãos. Sou deputado eleito por sufrágio indirecto e represento o sector médico. Felizmente, tenho a oportunidade de fazer parte do Conselho para os Assuntos Médicos, que tem carácter consultivo, através do qual consigo obter mais informações e opiniões sobre esta área, que posso ter como referência para usar na AL. Quando são expostos assuntos na AL, também posso levá-los ao conselho para que se encontre uma solução. Por outro lado, por ser um canal de comunicação com o Governo, faz parte do meu trabalho mostrar as opiniões do sector e tentar fazer com que o Executivo preste atenção aos assuntos. Por exemplo, nos últimos anos tenho mencionado questões ligadas aos médicos do sector privado. É um facto que o Governo dá assistência à sociedade mas, nalgumas áreas, precisa de reforçar esse apoio. Dou como exemplo os vales de saúde. A inflação cresce entre três a cinco por cento por ano. Nos oitos anos de vigência desta medida, houve um aumento de 500 para 600 patacas. O montante não é ajustado há cinco anos. No entanto, o número de médicos cresceu e surgiram mais clínicas novas. Por que é que o Governo não teve em consideração esta situação? Os vales de saúde são muito importantes, mas basta a medida, sem que seja feito qualquer ajustamento? Mas, voltando ao trabalho na AL, errei nalguns aspectos, sobretudo aquando da discussão sobre a lei de controlo do tabagismo. Se calhar, fiz demasiados comentários. Houve alguns mal-entendidos. Preciso de aprender com a lição. Pedi desculpa em directo na TDM.

Sente que conseguiu representar o sector dos profissionais de saúde?

Não me pode perguntar se estou satisfeito com o trabalho feito. Deve entrevistar o sector da saúde e perguntar aos profissionais desta área se estão satisfeitos comigo. Não faz qualquer sentido dizer se estou satisfeito com o meu trabalho. No entanto, devo agradecer os apoios do sector. Sinto que muitos dos profissionais da área de saúde me apoiam, dizendo que os representei e que consegui mais benefícios para o sector. É claro que, do ponto de vista dos cidadãos, falei de mais e lutei por demasiados benefícios. Mas, na verdade, cada representante tem a sua posição e espero que todos compreendam isso. Nalguns incidentes que envolvem o bem-estar da população, como a gripe das aves, considero que tenho de apoiar a proposta do Governo, para que não haja contacto humano. As aves congeladas são menos saborosas, mas precisamos de fazer isto. No caso do edifício de doenças transmissíveis, há pessoas que acham que é possível que afecte os residentes próximos do local. Mas o Governo garantiu padrões de qualidade para o edifício. Não é preciso haver preocupações em torno deste assunto. Em contrapartida, os equipamentos para prevenção de doenças contagiosas do Centro Hospitalar Conde de São Januário vão apenas ao encontro de padrões mínimos, têm muito menor qualidade do que aqueles que são usados na China. Por isso, quero que o edifício de doenças transmissíveis seja construído o mais rapidamente possível e com qualidade. Não quero que aconteça o que ocorreu em Hong Kong com a pneumonia atípica, em que morreu pessoal dos serviços médicos por causa do vírus. No entanto, os cidadãos não compreendem o meu ponto de vista. Analisei a situação com base no meu conhecimento profissional. Não sou o tipo de pessoa que está apenas ao lado do Governo.

Ficou satisfeito com as soluções encontradas na Lei do Erro Médico ou entende que poderia ter sido feito mais e melhor?

A Lei do Erro Médico foi abordada no Conselho para os Assuntos Médicos durante vários anos. Participei nas discussões sobre a lei desde a comissão preparatória. Considero que é preciso um período de um ou dois anos para observar a eficácia da lei. Apesar disso, ouvi algumas pessoas dizerem que a legislação é injusta, mesmo tendo entrado em vigor há poucos meses. Não sei o que é que estas pessoas querem realmente. Para que serve o nosso trabalho, feito durante anos? A Lei do Erro Médico preenche uma lacuna jurídica. Antigamente, se as pessoas queriam processar médicos, em primeiro lugar tinham de pedir ajuda a um advogado, gastar 50 mil patacas, e esperar por uma data nos tribunais. O processo podia demorar três ou até cinco anos. Mesmo assim, não tinham garantias do resultado da justiça. Por isso, não havia muita gente a acusar médicos, porque o processo era muito complicado e aborrecido. E nem toda a gente tinha capacidade para pagar 50 mil patacas. Com a entrada em vigor da Lei do Erro Médico, através da Comissão de Perícia Médica, são necessários apenas três meses ou meio ano para que se saiba se o médico envolvido cometeu algum erro, e quem reclama tem de pagar apenas quatro mil patacas. Não acha que é uma boa medida para os cidadãos? Mas os médicos não gostam disso, porque sentem que os cidadãos têm agora mais facilidade de os acusar. Tive tanto stress por causa disso. Os cidadãos também acham a lei injusta. Para já, não há ainda qualquer caso em que se tenha recorrido à Lei do Erro Médico. Não é possível sabermos da verdadeira eficácia da lei sem que seja colocada em prática.

Acredita que o novo hospital, o Centro Hospitalar das Ilhas, terá capacidade para resolver os principais problemas da área da saúde? Será fácil garantir o número suficiente de trabalhadores?

O Governo é capaz de contratar mais profissionais. Pode contratar médicos privados, apoio fortemente esta proposta, que permite garantir o número necessário de profissionais. Macau tem mais de 1500 médicos de medicina ocidental, o número é suficiente. Segundo um estudo feito por mim há alguns anos, em Macau só era necessário um médico por cada 450 doentes. Hoje em dia, há vários médicos que não podem trabalhar no Governo. Têm vidas muito duras porque precisam de garantir o funcionamento das suas clínicas e a falta de doentes. A Administração pode contratar todos esses médicos. No entanto, faltam médicos especialistas, pelo que devem ser abertas mais vagas. Por outro lado, o Executivo deve fazer um balanço entre os serviços médicos públicos e o mercado privado, sobretudo em relação aos serviços mais caros. Imagine que são disponibilizados escritórios públicos de advogados, de contabilidade e de arquitectura em cada freguesia de Macau, e os cidadãos podem recorrer aos serviços desses escritórios gratuitamente. Apoio a ideia se o Governo puder realizar esta proposta. Mas a sociedade actual não é justa. Por que é que só os serviços médicos podem ser gratuitos? Isso afecta as nossas receitas.

Como disse, Macau tem falta de médicos especialistas. É preciso aumentar os salários para atrair mais médicos especialistas de fora?

Apoio a ideia. Os professores universitários de Hong Kong recebem cerca de 300 mil dólares de Hong Kong por mês, sem contar com outros subsídios. Recentemente, Macau tem querido contratar professores de Hong Kong. Mas quando se percebe que a função pública oferece menos de 100 mil patacas a um director de serviços, como é que se contratam profissionais com estas condições? Se o Governo quer aumentar a qualidade dos serviços médicos, pode contratar profissionais para virem cá transmitir conhecimentos. Mas o mais importante é oferecer condições para atrair profissionais. Antigamente, era mais fácil contratar um médico da China Continental. Hoje em dia, não há muitos médicos que queiram vir. Em primeiro lugar, o nível salarial de Macau é semelhante ao do Continente. Em segundo, os médicos de fora ficam longe da sua terra e da família. Por último, os médicos mais novos que são de cá ultrapassam a posição que eles ocupam. É claro que se devem aumentar os salários e os benefícios, deve também ser alterado o regime de carreiras, para que seja possível contratar mais profissionais. Com o novo hospital não é preciso fazer trabalho de preparação e actualizar as leis? É difícil contratar médicos com menos de 100 mil patacas por mês.

Quais são as prioridades que define, neste momento, para a melhoria do sector da saúde?

Não há mais aspectos para serem melhorados. Já temos muito stress dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), nem consigo respirar. Os SSM fiscalizam de forma muito exigente. Se conseguirmos satisfazer os requisitos dos SSM, já ficamos satisfeitos. Acredito que a maioria dos profissionais de saúde de Macau trabalha com todo o esforço e serve os cidadãos com os conhecimentos que tem. Espero que nesta ou na próxima geração possa aumentar a qualidade dos serviços médicos de Macau. No entanto, queremos também a compreensão dos cidadãos, uma vez que a medicina não é uma ciência exacta. Por vezes, talvez não consigamos corresponder às expectativas dos cidadãos e, se calhar, alguns médicos também têm aspectos para serem melhorados. No entanto, esperamos que, através da criação de um regime de formação e a autodisciplina do sector, os cidadãos fiquem satisfeitos. Queremos que os cidadãos compreendam a nossa situação. Não somos Deus. Não conseguimos conhecer todos os vírus e doenças. É possível que haja mais doentes a serem sacrificados. Por isso, queremos a compreensão de toda a gente e acredito que vamos conseguir um serviço melhor.

Está interessado em continuar na Assembleia Legislativa? Já começou a trabalhar no sentido de ser reeleito?

O meu desejo é continuar a servir os cidadãos e o sector da saúde. Mas ainda não consigo dar-lhe uma resposta.

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