Em modo de perguntar h | Artes, Letras e IdeiasEstelle Valente: “Gosto de fotografar aquilo que não existe” Paulo José Miranda - 1 Fev 2017 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceste em França, onde cresceste e estudaste economia, mas acabaste por vir para Portugal, terra dos teus pais, e tornaste-te fotógrafa. Hoje és mais conhecida por ser a fotógrafa oficial da cantora de fado Gisela João. Que te levou a vir para Portugal e deixar a economia para te tornares fotógrafa? Porque é que larguei tudo em França para vir viver para Lisboa? Essa deve ser a pergunta que mais me fizeram até hoje e, como muita coisa na minha vida, não tem uma resposta racional. É algo que sentia em mim há muitos anos. Sabia que o meu destino, o meu « fado», era aqui. É difícil explicar. Precisei de quase dez anos para tomar essa decisão. Temos várias vidas na nossa vida e eu já tive muitas. Não tenho medo da mudança, de mudar de área. Gosto sempre de experimentar coisas novas. A fotografia nasceu um pouco dessa mudança. Quando cheguei a Lisboa não conhecia quase ninguém e tinha uma sede de descoberta. Comecei a sair sozinha, a eventos culturais, à noite, e a máquina fotográfica foi naquela altura a minha companhia. Deu-me uma segurança e foi fundamental para o meu crescimento, eu que sou uma pessoa bastante tímida. E dessa companhia nasceu uma paixão. Comecei a fotografar muito. Depois aconteceu um daqueles encontros que mudam a vida de uma pessoa: e o meu encontro com a Gisela João foi um deles. Ela não era conhecida na altura e comecei a fotografá-la. Depois saiu o primeiro álbum dela e foi o impacto que foi. Desde então crescemos juntas. No panorama actual da música existem poucos casos assim e, por isso, tudo isto me parece único. Ela é a minha Musa, ela é a minha principal fonte de inspiração. Eu vejo nela todas as musas de Gainsbourg. Fotografas sempre a preto e branco, e especialmente pessoas. Isso deve-se apenas a compromissos profissionais ou é esse o modo como entendes a fotografia? A arte, e aqui a fotografia, é um pouco o reflexo daquilo que somos e muito das nossas imperfeições. E por isso as minhas fotos são frequentemente melancólicas, sombrias, misteriosas, poéticas, paradas no tempo. Isso deve ser um pouco aquilo que sou. E só o preto e branco me permite isso. Também poderá ter a ver com a noite que eu associo muito aos tons pretos e brancos. O que me fascina na noite é que tudo parece possível, como se não existissem limites. E também vejo isso no meu preto e branco. Com o preto e branco consigo transmitir exactamente aquilo que quero, a história que quero contar. É algo mais forte, com mais contraste e impacto. Gosto de brincar com as sombras, ao fim ao cabo com a minha própria sombra, com o meu lado escuro. O facto de fotografar pessoas deve-se ao meu percurso profissional, foi assim que as coisas foram acontecendo ao trabalhar muito com a Gisela e no Teatro São Luiz, onde tenho feito imensos retratos. Mas confesso que o que me interessa mais na fotografia é a ausência, é justamente poder contar a história de alguém sem ele estar presente fisicamente. Gosto de fotografar aquilo que não existe, eu sei que pode parecer estranho. A minha liberdade de imaginação é muito maior nesse caso. O que é que mais te fascina na fotografia? No fundo, e isso poderia ser aplicado a outros fotógrafos, muitas das tuas fotografias são como poemas. A liberdade de poder contar uma história de uma forma directa e imediata. Essa possibilidade de construir um poema visual. Agrada-me o facto de ter vários olhares sobre uma foto. Digo sempre que numa fotografia há três histórias: a história real do momento que estou a fotografar, a história « inventada » que eu quero contar e que muitas vezes as pessoas não percebem e, por fim, a terceira história, a da pessoa que está a olhar para a foto e cuja imaginação pode ser estimulada por esse olhar. O mais bonito é que acabam por ser sempre três histórias diferentes. E é essa magia que me fascina na fotografia. Por isso é que criei há alguns anos um blog onde convido « amantes da escrita » a escrever um texto (um poema ou um conto) inspirado numa foto minha. O resultado tem sido fascinante e muito inspirador ao ver o que as pessoas imaginaram perante uma foto minha sem eu nunca ter pensado nisso nem ter tido a mesma leitura. E o que te fascina tanto em Lisboa? A luz, sem dúvida. Por vezes as pessoas que vivem aqui não têm essa noção mas Lisboa tem uma luz diferente, uma luz que penetra e que transforma a tua alma. E essa luz mudou-me de uma forma que dificilmente consigo explicar. Quais os teus projectos para este ano e quais os sonhos? A minha vida é feita de sonhos! Projectos concretos tenho alguns, que não posso revelar ainda, mas posso dizer que em breve haverá uma (ou duas) exposições em Lisboa, e provavelmente a edição de um livro. E um projecto com uma passagem por Paris, como não podia deixar de ser. Acima de tudo, quero fugir do óbvio e daquilo que toda gente espera. Quero seguir o meu instinto, foi sempre ele que me guiou até hoje.