Assexual

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a biologia, a assexualidade é um conceito que designa uma reprodução dependente de um único interveniente, cada indivíduo é capaz de se auto-reproduzir. Mas este conceito não se estende à sexualidade humana, como devem calcular. Não há grande biologia que permita a criação de vida sem o envolvimento de um óvulo e de um espermatozóide. Por isso, não é sobre essa assexualidade que resolvi escrever. Refiro-me à assexualidade única e exclusivamente humana, que tem características distintas. Como qualquer outro conceito sexual, a discussão sobre a assexualidade e a forma como se define é complexa, mas a maioria tende a concordar que se trata de uma orientação sexual. Há quem prefira homens, mulheres ou ambos, mas há quem também prefira nenhum dos anteriores. As pessoas que sentem atracção sexual por nada nem ninguém e, por isso, não têm vontade de ter sexo,  identificam-se como assexuais. Todos os outros serão definidos como sexuais, com preferências distintas, especialmente em relação ao género com quem se querem envolver.

Assexualidade tem ganho alguma atenção social, académica e legal pela forte aposta na divulgação de uma orientação sexual que tem sido silenciada ao longo dos anos, por várias razões. Talvez passasse despercebida porque em tempos era desejável não mostrar/praticar o que o desejo sexual de cada um ditava. Mas hoje em dia, em certas sociedades hipersexualizadas, uma orientação que evita o sexo pode soar estranho. Por isso muitas questões ficam a pairar: qual será a diferença entre assexualidade ou alguma disfunção sexual? Será que a assexualidade é uma orientação sexual? Será uma escolha? De que forma assexualidade se relaciona com amor? Como sabemos quem é assexual ou não?

Entender a assexualidade de forma a não cair no erro de a julgar uma disfunção ou uma forma de celibato tem sido a temática de muitos ensaios. Celibato exige uma escolha de não querer envolver-se no acto sexual, enquanto que uma disfunção afecta o desejo e performance, mas não a atracção sexual per se. Em ambos os casos há espaço para fantasias, e são situações que podem ser provisórias – bem tratas caso seja uma disfunção, ou decididas em contrário, caso seja celibato. A assexualidade não é uma condição que possa mudar ao longo do tempo, tal como ninguém ‘deixa’ de ser heterossexual ou homossexual só porque sim. A etiologia desta orientação não é clara (tal como nenhuma orientação sexual o é), que dificulta a entender as nuances destas diferenças. A verdade é que indivíduos assexuais até podem envolver-se em relações sexuais, podem sentir amor e querer investir num relacionamento a longo prazo, e podem masturbar-se, apesar de o fazerem numa regularidade mínima. Como poderiamos esperar, existe uma grande diversidade de vivências que se encaixam no ‘guarda-chuva’ da assexualidade. Há ainda classificações como demisexual ou gray-assexual que incluem um espectro de experiências entre assexualidade e sexualidade. Demisexual são aqueles que só conseguem sentir atracção sexual por quem sentem grande intimidade, e definem-se pelo sentimento e não pela acção (por vezes não se chega a vias de facto) enquanto que gray-assexuais poderão sentir esporadicamente atracção, apesar de ser comum não o identificarem de forma clara.

As comunidades e movimentos que se comprometem a educar todos os interessados sobre o que a assexualidade é, como por exemplo The Asexual Visibility & Education Network (www.asexuality.org/), ajudaram a definir uma identidade para os que não se sentiam dentro dos padrões ditos ‘normais’ e, assim, contribuiram à necessidade de reconhecer (em  todas as áreas da nossa vida) uma forma de identificação sexual entre outras minorias sexuais. Facilmente nos deparamos com um largo espectro que não depende de uma definição estanque (e isto acontece em todas as direcções, sexual ou assexual), e que exige complexos processos identitários. Estes termos/conceitos/categorias são importantes, não porque estão a explorar  as biologias ou fisiologias da ausência de atracção, mas diferentes sexualidades que necessitam de ser entendidas. Precisamos de nos entender a nós próprios e aos outros, e isto é especialmente necessário quando as expectativas heteronormativas relacionais, sexuais e familiares tentam (estupidamente) ser prescritivas da normalidade. O normal é o que nos faz bem, é o que nos faz feliz, é o que é fiel aos nossos desejos e vivências. Assexual é normal, tal como sexual o é.

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