h | Artes, Letras e IdeiasA recompensa da ignorância José Drummond - 10 Nov 2016 [dropcap style≠’circkle’]N[/dropcap]ão! Nada disto faz sentido! Não faz sentido que continuemos à espera que as coisas se resolvam com medidas políticas ou que exista justiça quando existe tanta gente tão fácil de manipular. Não faz sentido acreditar que alguma vez as coisas vão mudar e que não vão ser sempre os mesmos a ser privilegiados. Não faz sentido acreditar num qualquer qualquer estado de graça onde teremos todos os mesmos direitos e onde ninguém irá sair prejudicado. Não, isso não existe. Não faz sentido pensar que o real valor de cada um será alguma vez reconhecido em vez de serem reconhecidos os amigos ou os oriundos de famílias influentes ou de grupos de poder dominantes. Nada disto faz sentido porque é assim que o mundo é. Não! Nada disto faz sentido! O estado de graça não existe. O que existe é um continuado exercício do mal no qual se prejudicam muito rapidamente as minorias. O que existe é apenas um tenebroso recolhimento onde permanecemos sem respirar e onde nos fechamos em concha. Onde deixamos de dizer, pensar, ser. O que existe é sermos constantemente empurrados para não falar, não exprimir opinião, não ter vida porque qualquer uma dessa coisas nos prejudica e mesmo assim iremos sempre acabar a mendigar para comer. O que existe é que vão sempre ser os mesmos a ocupar os lugares mais favorecidos, não porque tenham mais qualificações ou mais qualidade para o fazer mas sim porque é assim que o mundo é. Não! Nada disto faz sentido! É vergar e obedecer. Não questionar a autoridade. A ignorância é recompensada. O venerar falsos ídolos é recompensado. E qualquer luz disfarçada que possamos querer acreditar, neste ou naquele comentário político, não é mais que uma luz falsa, não é mais que uma ilusão. Toda e qualquer luz em que queiramos acreditar será imediatamente usurpada do seu brilho, da sua esperança, pelas elites, pelos demagogos, pelos oportunistas. Toda e qualquer luz será retirada de um e dada a outro que por mérito próprio nenhum a absorverá apenas porque se chama assim ou assado ou tem este ou aquele amigo ou obedece e se porta bem. Não faz sentido acreditar em mérito ou mesmo lutar, trabalhar, fazer melhor, porque tudo isso de nada vale e a tudo isso se renuncia em favor de pessoas menos qualificadas mas com maior poder de intrujar. Não! Nada disto faz sentido! Não faz sentido acreditar nos direitos humanos, na igualdade das mulheres, no respeito racial. Não! É mesmo uma ilusão! Não faz sentido dedicar toda uma vida a um lugar que nunca reconhece o real valor do trabalho que se faz. Não faz sentido ficar nesse lugar quando fora dele se é reconhecido e acariciado. Não faz sentido que se tenha que renunciar a uma melhor qualidade de vida apenas por amor a esse lugar. Não! Nada disto faz sentido e não vale a pena chorar porque é assim que o mundo é. Não! Não! Não! Se esse lugar é tão burro que continua a dar tudo a uns e nada a outros o melhor é tomar coragem e tomar a decisão correcta e, como numa separação amorosa, pedir o divórcio. Se esse lugar não reconhece, não dá o devido valor, então é tempo de partir. Se esse lugar não merece quem mais trabalha para a sua evolução, ou para o desenvolvimento de uma área da sua sociedade, então é tempo de o abandonar. Se esse lugar não está interessado em evolução e não está interessado em ser melhor, e se está apenas interessado em proteger os mesmos que sempre protegeu, então não há nada mais para fazer que abdicar da esperança, partir, manter a sanidade mental, porque nesse lugar não importa nada. Nesse lugar o que importa é como é que cada um se chama, assim ou assado, ou se tem este ou aquele amigo, ou se pertence a este ou aquele grupo de poder e é assim que o mundo é. E isto é verdade tanto aqui, deste lado, como aí, do vosso lado, amigos americanos. Sim! Não faz sentido! Mas era esperado ou pelo menos eu esperava. Assim o previ há 18 meses atrás. Simplesmente óbvio para mim que Baudrillard e a híper realidade se reviam do fenómeno Trump e na teoria do reality TV, e que o asno iria ganhar sobre qualquer outro e é por isso que ainda faz menos sentido. Um predador sexual, mentiroso, aldrabão, racista, misógino, apoiado pelo KKK derruba com qualquer ideia da América como ideia de infinito sucesso individual e de liberdades colectivas. Um homem que nem a universidade terminou, que passou a vida toda a viver à conta do dinheiro do pai, que apresentou bancarrota inúmeras vezes, que tem inúmeros crimes fiscais, empréstimos dúbios, negociatas ilegais, que tem uma acusação de violação a uma menor e mais um número enorme de outras alegações de crimes sexuais e de racismo, chega a presidente e destrói com qualquer possível ideia de equilíbrio e de um futuro melhor e com qualquer ideia de esperança de balanço político e justiça social. É assim. Não faz sentido mas é assim que o mundo é. Não faz sentido mas a América, que cai vulgarmente no mais grosso nacionalismo, expressou-se em massa de modo naïf pelo candidato que lhe vai retirar direitos. E não irá chocar se a economia voltar a um estado de recessão. É absolutamente fantástico como as pessoas são tão facilmente atraiçoadas por uma questão de empatia. O homem que vai destruir com tudo o que foi conseguido durante as últimas três décadas em direitos sociais e nos últimos oito anos em direitos de saúde e melhorias financeiras ganha, porque na burrice dos americanos, gera mais empatia com a sua malcriadez e porque se resolveu considerar que a sua oponente era a candidata do establishment. Não faz sentido ser-se tão burro. Trump quer dizer establishment seus burros. Ou o que é que acham que um gajo com hotéis e casinos é? Os vossos direitos estão agora em perigo seus tontos, e isto é tanto verdade que basta apenas saber ler as suas declarações. A América que cai sempre na usurpação do nome do continente como se não houvessem outros países, que confunde continuadamente Estados Unidos com América. Sim essa mesma América que se considera a líder do free world e o país mais importante do mundo e etc. e tal entregou o seu destino a um wannabe déspota que apresentou como política a fabricação de caminhos ínvios que apenas o beneficiam a ele próprio e aos que continuadamente praticam a mesma arte da intrujice onde tudo vai ser “great, you’ll see, so great, the best.” De repente até parece que estamos numa qualquer continuação do “They Live” do John Carpenter e onde apenas alguns têm o poder de ver os extraterrestres que estão no poder a dominar-nos. Sim, não faz sentido que o candidato que acha que a China esteve bem no modo como limpou Tiananmen da revolta estudantil, que idolatra Saddam Hussein, Putin, Kim Jong Un e que acha que os países europeus têm que pagar para serem defendidos militarmente tenha ganho – embora que também isto seja uma mentira porque ele vai é aumentar a posição militar no mundo ou não fosse ele republicano. Sim não faz sentido que tenha sido a mesma pessoa que vai destruir com todos os acordos comerciais e que ao fazê-lo irá entregar o mundo de mão beijada à China. Boa sorte na vossa falência minha querida América. Tenho pena que tenhas escolhido o suicídio. A China, neste momento, estará secretamente a celebrar o facto de se ir tornar no país mais rico do mundo muito mais cedo do que o esperado. A Rússia por seu lado celebra ter eleito o seu primeiro presidente dos Estados Unidos. Muitos parabéns a todos. E muito obrigado América, acabas de fazer com que todos as outras pessoas do mundo se sintam imensamente espertas. Quanto a mim estou oficialmente do lado da resistência e estou ao dispor se alguma cidadã americana se quiser corresponder comigo com vista a casamento. Tenho passaporte europeu, residência permanente de Macau, visto de longa duração na China e sou carinhoso, bom companheiro, não sou um bad hombre e até acho interessante se a senhora for um pouquinho nasty.