VozesCampeões Europeus da terra queimada Fernando Eloy - 14 Set 2016 [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]alava eu com a família em Portugal quando sou questionado sobre a minha opinião do andar da carruagem lusitana. A primeira resposta que me ocorreu foi um “não sei, nem me interessa” porque cada vez mais é isso que sinto. Por várias razões, mas depois resolvi alongar resposta com o exemplo dos incêndios, com o absolutamente insuportável “espectáculo” quotidiano de mata a arder com que somos bombardeados Verão após Verão, com o desespero de perceber que apesar dos discursos inflamados que se vão fazendo no auge e nos rescaldos a verdade é que nada muda. Antes pelo contrário. Estava aí a minha resposta sobre o que acho de Portugal. Uma cambada de inúteis armados em importantes, que falam muito mas pouco fazem. Um país de labregos que dá mais valor ao cromado de uma taça da bola do que ao verde que os ajuda a respirar. Quando um país não consegue descobrir uma forma sequer de proteger um dos seus bens essenciais como é a floresta que mais há a dizer sobre as suas capacidades? Que mais existe para discorrer sobre o andar da dita carruagem? Muito pouco ou nada. Dez milhões, somos apenas 10 milhões e ninguém se entende, ninguém consegue descobrir uma forma de gerir o país sem andar tudo à cabeçada e dar passos de caranguejo. Para quem olha o país a o partir do rectângulo parece muita gente mas quando se contempla de fora para dentro apercebemo-nos que esses 10 milhões não são mais do que meia dúzia a jogarem à sueca. Tomara o presidente da Câmara de Cantão ter apenas 10 milhões para cuidar… É triste, penoso e absurdo. No caso dos incêndios, segundo os últimos dados disponíveis, apenas este ano, e até ao dia 15 de Agosto, já tinha ardido uma área três vezes superior à média dos últimos 10 anos! Segundo um relatório provisório do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas foram 103.137 os hectares de mata que foram ao ar!! De acordo com os dados disponibilizados pelo Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (EFFIS na sigla em inglês) “em Portugal, já arderam cerca de 53,4% da área total ardida na União Europeia”!!! Alguém poderá argumentar tratar-se de um país muito quente, sujeito a este tipo de situações. OK, seja. Por isso fui aos dados da Pordata e comparei os países europeus com probabilidades semelhantes, ou seja, Espanha, Itália, Grécia e, porque não, também a França e verifiquei que conseguimos batê-los a todos, sempre! Entre 1990 até 2014, somos praticamente os campeões absolutos, conseguindo bater recordes ano após ano e, frequentemente, a deixar a “concorrência” a grande distância como convém nos campeonatos. Se quiser verificar, siga esta ligação: bit.ly/areaardida e verificará não ser apenas no futebol que somos campeões europeus pois ninguém queima tanta terra como nós. E se não é o clima a explicar, porque também há calor nos outros países mediterrânicos mencionados, é o quê? Incompetência, pura e dura. Segundo relata o Diário de Notícias, e cito, “os técnicos de protecção civil defendem que ‘este problema, estes números e estas consequências, não são da responsabilidade deste Governo, nem deste dispositivo operacional, antes, de anos e anos de medidas estratégicas mal tomadas, e decisões políticas de ordenamento florestal erradas, omissas e insuficientes’, além de só se falar de incêndios nos meses críticos e “exclusivamente sobre a resposta operacional”. É óbvio. Num país de pavões onde tudo se trata sempre à flor da pele, que mais esperar? Portugal é um país onde se grita muito e faz-se pouco, onde, noutro exemplo, se apregoa a importância das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e se esquece da existência de fusos horários, como me aconteceu hoje ao tentar levantar o orwelliano Cartão de Cidadão no consulado local. “Está aqui sim”, responderam-me, “mas não o pode levantar porque o sistema em Portugal está em baixo. Sabe, é que só entram às 9 da manhã de Lisboa…” E ninguém, lá para aqueles lados, se lembra que talvez fosse necessário a existência de um piquete de prevenção para resolver este tipo de ocorrências? E se a pessoa tiver uma necessidade urgente do documento por uma qualquer razão? Lisboa não quer saber, Lisboa só entra às suas nove. É como os incêndios. Em breve virão as chuvas e com elas o esquecimento. Até para o ano, até não existirem mais árvores para queimar para ver se o problema se resolve por si próprio. Se calhar até é uma opção inteligente. Que penso então do andar da carruagem lusitana? Penso que qualquer dia nem sequer carruagem há quanto mais andar. MÚSICA DA SEMANA “Don’t Let Me Down & Down” (David Bowie, 1993) “I know there’s something in the wind That crazy balance of my mind What kind of fool are you and I? Scared to death and tell me why I’m sick and tired of telling you Don’t let me down and down and down Don’t let me down and down and down Still I keep my love for you”