Especial 24 de Junho | Inquérito a uma geração

Colocámos oito questões a jovens macaenses sobre a sua própria comunidade

1. Ser Macaense. Ainda faz algum sentido?
2. Estar macaense. Tendência, cultura ou elitismo?
3. Quem terá sido a personagem mais significativa da cultura macaense?
4. O patuá serve para alguma coisa?
5. Daqui a 30 anos que língua falarão os macaenses?
6. Falar português é importante para a identidade macaense?
7. Que vantagens e desvantagens tem um macaense que vive na RAEM?
8. Gostava que o 24 de Junho fosse novamente feriado em Macau?

SÉRGIO PEREZ

sergio perez

1- “Ser Macaense”. Cada um tem a sua ideia do que isso quer dizer. Para mim, respondo à tua pergunta com, isto: como pode deixar de fazer sentido?

2- o problema apenas se coloca quando a palavra “Macaense” exclui, e não inclui as pessoas que a sentem. Ser Maquista é diferente- é ser-se Macaense, mas também parte de uma comunidade com caracteristicas muito próprias. De nada tem a haver com elitismo, mas simplesmente com cultura, tradições, maneira de estar e de ser diferentes. Uma comunidade como outras que fazem parte desta palavra maior, o Macaense. Isto é obviamente uma opinião muito pessoal.

3- Por humildade e não conhecer o suficiente da história “Macaense”, não me sinto com capacidade de responder de forma justa a essa pergunta. Mas posso dizer que o Adé dos Santos Ferreira e o Henrique de Senna Fernandes foram personalidades que me influenciaram e que admiro verdadeiramente.
Mas o padre Róh, com o seu tiro certeiro certamente terá sido mais importante, ou não estaríamos aqui a ter esta conversa!

4- Serve. Mas o Fernando Pessoa explica melhor num poema seu.

5- Se a Escola Portuguesa não apostar na lingua do dia-a-dia de Macau (cantonense), o Maquista provavelmente irá falar cantonense, e como segunda lingua, o mandarim, passando o português a pequenas palavras ou gramaticamente incorrecto, de forma cada vez mais reduzida, por enveredarem pelo ensino chinês.

6- Sim. Mas acima de tudo é importante assegurar o futuro na sua terra e igualdade de possibilidades no mercado de trabalho. O pragmatismo poderá pesar perante a identidade e parte da raiz cultural.

7- Se sentimos isto a nossa terra- digo isto sobre Macaenses e Maquistas, essa será sempre uma vantagem. É a nossa casa. Se estivermos a falar do Maquista, acima de tudo, é que nele vive a “alma” do intercâmbio de culturas, do passado e do presente. Vê a terra e a ama como tal, nas suas especificidades unicas, e sempre viveu entre os “dois mundos”. A principal desvantagem é quando a falta de sensibilidade de quem não sente, compreende ou ama Macau a destrói, e o Maquista sente e sofre com isso na alma.

8- O 24 de Junho era o dia da cidade porque simbolizava o dia em que os “Macaenses”- todas as comunidades locais, Maquistas, Portugueses, Chineses de Macau, etc, se uniram para afastar os invasores Holandeses. O seu desaparecimento como feriado foi uma ferida grande na alma da terra.

ALEXANDRE MARREIROS

alex marreiros 2

1. Sem dúvida que sim.

2. Identidade cultural.

3. Tenho grande admiração por Luiz Gonzaga Gomes.

4. Sim, mas não só o patuá. Acredito que todo o património linguístico tem que ser cultivado, desta maneira o patuá serviu, serve e servirá, pois com a transmissão de dialectos ou se preferirmos, os crioulos, transportam-se muitas características culturais, identidades muito particulares e costumes únicos.
5. Se partirmos do princípio que uma geração são 30 anos, acredito que se falará a língua portuguesa.

6. Falar “A língua de Camões” é parte irrefutável da identidade macaense.

7. As vantagens; a estabilidade social, política e económica. As desvantagens; os assustadores níveis de poluição e a falta de território para os seus habitantes. Actualmente a cidade do mundo com maior densidade populacional.

8. Sim. Não celebrar este dia é deixar que se desvaneçam mais de 400 anos de história, de identidade, de cultura e de boas heranças. Não só de Macau e Portugal, mas também da China.

ANDRÉ RITCHIE
FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro
FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro

1. E porque não?

2. De tudo um pouco, mas talvez “tendência” e “elitismo” tenham perdido sentido face à nova realidade pós-99. Cultura sempre – não temos outro peixe para vender. Mas não é pelo peixe, a cultura existe mesmo.

3. Aquele indivíduo humilde que ninguém sabe bem como se chama e de quem é filho, sem grandes posses nem formação académica, que todos os dias encontrou motivação para ir trabalhar pontualmente e competentemente. Não subiu na carreira, mas também nunca falhou, criou os seus filhos e cumpriu o seu dever na sociedade. Macau não é nada sem este indivíduo bem como todos os outros semelhantes que não têm nome e que são por isso esquecidos. Figuras históricas macaenses já todos as conhecemos, vou deixá-las para os outros inquiridos.

4. O patuá não serve para muita coisa. Para mim, essencialmente, serve para me lembrar das raízes familiares.

5. Em 2046 estaremos a poucos anos do término dos tais 50 anos. O macaense vai falar a(s) língua(s) que vai precisar de falar para sobreviver. Tudo bem, nada do outro mundo – o macaense sempre se safou bem. Todavia, quando chegarmos lá perto, novas vozes apocalípticas irão anunciar a morte da comunidade macaense.

6. É importante sim. Não é uma condição necessária – mas a experiência do ser Macaense torna-se muito mais rica quando se fala português. A mesma questão pode ser colocada relativamente ao chinês: falar chinês é importante para a identidade macaense? A resposta é a mesma.

7. Quero apenas referir uma grande vantagem: a capacidade natural de compreensão das diversas culturas, mentalidades e atitudes comportamentais que fazem parte do dia-a-dia das gentes de Macau e que não se limita ao simples domínio das línguas aqui faladas. Quanto às desvantagens, não sei o que dizer. Poderei ser mal interpretado se me atrever a afirmar que, verdadeiramente, elas não existem. Não serei a pessoa indicada: a questão das desvantagens deverá ser dirigida àqueles que têm a mania da perseguição e que gostam de ser vítimas.

8. Em tempos expliquei à minha assistente – uma jovem chinesa local esperta e competente – a história do ataque dos holandeses no dia de São João e o tiro de canhão do padre Ró. Soltou uma gargalhada e continuou a fazer o que estava a fazer, não demonstrando um mínimo de interesse. Pudera. Se não fosse português e me apercebesse da forma romanceada, ingénua e até folclórica como por vezes a nossa história é contada, a minha reacção não seria diferente. Se gostava que o 24 de Junho fosse novamente feriado? Encolho os ombros. O Dia da Cidade passou a ser, para mim, o 20 de Dezembro – e isto vindo de quem sempre celebrou o São João.

LIZETTE DE SENNA FERNANDES

1. A nível internacional, nos últimos anos, Macau tem vindo a tornar-se num importante destino turístico e, provavelmente, faz hoje mais sentido do que antes. Apesar da base para a filiação étnica dos macaenses ter sido a utilização do português como linguagem de casa, ou por alianças com o padrão cultural português, sejam eles chineses cristãos convertidos ou não, a designação “Macaense” é hoje aplicada a todos aqueles que vivem e foram criados em Macau e, naturalmente, todos aqueles que de alguma forma foram aculturados com influencias chinesas e portuguesas.

2. Cultura: a ideia de “Macaense” é a de uma etnia baseada numa cultura. Tenha um indivíduo ascendência portuguesa, ou apenas algumas ligações ao padrão cultural português, ou foi criado em Macau. Todos partilhamos uma característica comum: sermos influenciados pelos portugueses e pelos chineses, de uma forma ou de outra. Os múltiplos grupos étnicos e a presença dinâmica do património edificado Chinês e Português lado a lado numa cidade tão pequena são tudo factores contributivos da nossa identidade como macaenses.
Tendência: à medida que Macau cresce como destino turístico, mais e mais pessoas chamaram aos de Macau, “macaenses”. Elitismo: já não é reservado aos portugueses e macaenses. O sistema está aberto e praticamente qualquer pessoa pode juntar-se ou organizar um grupo de interesse. À medida que Macau atrais investimento estrangeiro e surgem novas oportunidades, qualquer um com esse interesse pode fazer parte de um grupo de elite.

3. Tem de ser o meu tio Henrique de Senna Fernandes. Por via da literatura e por via da paixão. Ele chamava a atenção para a identidade macaense e salientou de forma vívida a singularidade do nosso passado. Gosto particularmente do seu livro “Nam Van” pelos esboços que contém dos diferentes aspectos da identidade macaense.

4. Não acho que a questão é se serve ou não. Está bem documentado que o Patuá está a extinguir-se e, racionalmente, é uma língua que deve ser preservada. Historicamente, teve um papel muito importante em Macau, seja em meios sociais ou comerciais. Apesar de não existirem muitas pessoas a falá-lo, vale sempre a pena preservar os seus valores histórico e artístico. Não posso deixar de referir que o Miguel de Senna Fernandes e todos os que contribuem para os Doci Papiaçam Di Macau estão a fazer um excelente trabalho neste capítulo.

5. Devido à proximidade com Cantão e Hong Kong, acho que o cantonês vai continuar a ser o idioma predominante em Macau. Também penso que vamos ter cada vez mais pessoas a falarem inglês e mandarim. Todavia, também me parece que mais e mais pessoas apreenderão português, até porque há muitas escolas que têm vindo a incluir o ensino do português como disciplina curricular.

6. Tanto do ponto de vista tradicional como do contemporâneo, acerca do que é ser “Macaense”, acho que a partir do momento em que a pessoa incorpora a cultura portuguesa e a chinesa deve ser considerado macaense. Portanto, a resposta para esta pergunta é não.

7. Pessoalmente não noto nem vantagem, nem desvantagem por ser macaense. Mas é bom saber quem somos.

8. Acho que devíamos comemorar todas as vitórias de Macau, incluindo o 24 de Junho quando repelimos com sucesso os holandeses.

ANTÓNIO VALE DA CONCEIÇÃO

1. Não entendo a pergunta. Fazer sentido ser-se Macaense? Ser-se Macaense não é uma escolha, julgo eu. Talvez assumirmo-nos como sendo de Macau seja a única escolha consciente que possamos fazer. Agora, rever sentido em se ser Macaense é tão abstracto como perguntar se se faz sentido sermos Goeses, ou sermos Insulares, ou sermos Transmontanos, ou até Portugueses.

2. De novo, não entendo o que isto quer dizer. Estar Macaense? Um tendência? Uma Cultura? Ou Elitismo?

3. Não creio que possamos nomear uma figura única que represente todos os Macaenses, ou aquilo a que chama de cultura Macaense. Tal a variedade de Macaenses e circunstâncias em que todos nos encontramos em Macau, que seria sempre uma ligeira homenagem elegermos apenas 1 figura para retratar um todo tão específico e ao mesmo tempo variado. Creio que podemos encontrar uma vasta eleição de pessoas que desafiaram os tempos e os modos que viveram em Macau e onde a memória deles permanece pelo bem que fizeram à cidade, pelo contributo intelectual, sociopolítico e cultural.

4. Não sei responder a esta pergunta. O Patuá como língua extinta, pela nomeação da sua qualidade como língua não parece ter qualquer qualidade prática. Mas se serve para alguma coisa? Porque não? O quão tem vindo a entreter os espectadores e o público de Macau através do Dóci Papiaçam parece trazer algum sentido. Parece ter alguma motivação cultural. Mas um espectáculo que aparentemente reúne tanta gente anualmente parece guardar alguma função dentro desta sociedade que conhece, ou se interessa, pelo Pátua.

5. Não sei. Tal como não sei que língua falarão os Portugueses daqui a 30 anos em Macau ou Portugal. Se Português, se Portunhol, se Português do Brasil, tal é a mutação da língua nos dias que correm. Não sei se interessa se quer perguntarmo-nos que língua falarão os Macaenses. Interessa mais saber que Macaenses serão? Que preocupações terão no seio da Sociedade. Que causas levantaram na cidade? Que finalidade terá todo o sistema da RAEM. Agora, se falarão menos Português do que agora, assim o seja. Não acredito que seja por motivação pessoal, por agenda, que o desinteresse pelo Português por parte dos Macaenses venha a ser a razão para se deixar de falar Português em Macau. Acredito é que as circunstâncias em que viveremos levarão a uma mutação de necessidades. E talvez o Português não venha a responder a necessidades desta sociedade. Ou talvez venha a ser chave. Certo é que vai de facto mudar.

6. Para a forma como me expresso Macaense, sim. Mas recuso-me a nomear qualquer critério que venha tentar definir o que é a identidade Macaense. E recuso, de igual forma, alguém que me impinja critérios que avaliem a minha raiz cultural. Como já disse, a variedade de Macaenses e as circunstâncias em que estas famílias desenvolveram a sua identidade em Macau fazem com que seja quase impossível nomearmos um Modelo de Macaense. E parece-me uma vontade muito efémera querer fazê-lo. Há valores acima da língua e do legado genético e cultural que são determinantes à identidade de um cidadão, de Macau e de um outro lugar do mundo.

7. Culturalmente, creio que a vantagem será vivermos circunstâncias desiguais a muitos lugares no mundo, onde o contacto com o Outro parece ser constante e histórico. É uma qualidade que assiste grandes metrópoles e que curiosamente em Macau, um lugar tão pequeno, proporciona-se a mesma experiência. As desvantagens? Não sei dizer. Creio que poderão existir alguns vícios muito enraizados na sociedade de Macau mas que não são exclusivos aos Macaenses (como minoria ou comunidade em Macau). É notório o favorecimento de condições do cidadão perante o governo por parte dos residentes locais face aos que cá estão com vistos de trabalho/Blue Card. Contudo, o esforço de integração e de aprendizagem terá de ser feito por ambas as partes. Ninguém está em vantagem quando não existe abertura ao Outro.

8. Não tenho opinião formulada sobre este assunto.

MIGUEL KHAN

1. Para as pessoas que cresceram, viveram e vivem em Macau acho que faz todo o sentido. Não vejo sequer outra designação, a não ser que tenham outra nacionalidade e que não queiram ser tratados como tal.

2. Depende das raízes de cada pessoa q se considera macaense… Elitismo???

3. Os meus Pais!

4. Serve para recordar o passado.

5. Cantonense.

6. Para alguns sim, mas para muitos outros não.

7. Vantagens – ter BIR; Desvantagens – demasiado dependentes do ar-condicionado

8. É sempre difícil recusar feriados…

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