Mudar a Cassete

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]egando nas palavras de José Tavares quando recentemente falava a este jornal sobre desporto, uso-as agora para me referir à nova administração do IACM que o próprio irá encabeçar, na esperança de fazer uma contribuição positiva e de que aquela venha a seguir um pensamento renovador para o Leal Senado, como o seu líder o anunciava para o Desporto. Vem a este propósito o trânsito caótico da cidade e um velho postulado cientifico datado dos anos 60, conhecido por “procura induzida”. Basicamente, este princípio, explicado em 1969 pelo Eng. de estradas britânico John Leeming, quando aplicado ao trânsito rodoviário, diz que “quanto mais estradas, mais carros”. A ideia é a de que novas vias atraem não só os que já conduziam, mas também os que acham o novo percurso mais apelativo, outros que não conduziam mas agora acham uma boa ideia, e outros ainda que vêem na nova rota uma oportunidade para irem às compras.
Naturalmente, a nossa espécie tem o vício da movimentação e quanto maiores as possibilidades para o fazermos, mais o faremos daí que, à primeira vista, faça todo o sentido promover o aparecimento de mais estradas. No limite, acelerarmos a economia e o tal do desenvolvimento. A questão é que se criarmos formas alternativas de movimentação esse problema também pode ser resolvido, a nossa qualidade de vida não se deteriora e, em casos de dimensões mínimas como Macau, parece óbvia a necessidade de mudar a cassete e pensar em começar a encerrar estradas; a Almeida Ribeiro, por exemplo, ou a Rua da Felicidade, ambas eu fecharia já! E se não ‘já’ muito em breve. É claro que muita gente iria protestar (faz parte do governar) mas os resultados apareceriam mais depressa do que as pessoas julgam, até porque lugares maiores como Paris, Florença, São Francisco ou Seul também o fizeram e não voltaram atrás. Portugal também está na mesma linha de pensamento com várias alterações previstas para a Segunda Circular e outros pontos da cidade e Paris tem vindo a desenvolver nas últimas décadas uma política sistemática de redução dos espaços para automóveis; em São Francisco foi removida uma secção de uma auto-estrada que transportava cerca de 100,000 automóveis por dia em 1989. A avenida que a substituiu, a Octavia Boulevard, hoje transporta apenas 45,000 carros por dia e o trânsito move-se; em Florença, inibe-se fortemente o trânsito automóvel no centro histórico da cidade e promove-se as ciclovias, mas será na Coreia, em Seul, que poderá ter acontecido o resultado mais espectacular desta política de redução de vias: uma auto-estrada considerada artéria vital, e que transportava 168,000 carros por dia, foi substituída por um rio, parques e algumas ruas menores, o trânsito não piorou e os índices de poluição baixaram drasticamente.
A Almeida Ribeiro no seu conjunto com a Rua da Felicidade e ruelas adjacentes não dariam um excelente passeio público? Não será essa uma das soluções para resolver o problema de aglomeração de pessoas no centro histórico? E a Rua do Campo? Ui! Se me deixassem mexer nos bulldozers…
É claro que sempre que uma cidade pretende acabar com estradas, os residentes esperneiam, gritam e chamam nomes a toda a gente mas depois a experiência prova-os errados. A essa conclusão chegaram também as autoridades rodoviárias de Los Angeles ao salientarem um estudo desenvolvido pela investigadora Susan Handy da Universidade da Califórnia onde se afirma que: “existem evidências óbvias de ‘procura induzida’”; “mais estradas significam mais trânsito no curto e no longo prazo” e que “a maior parte do trânsito é novo”;
Macau, já o disse antes, pela sua dimensão e afluência, tem uma oportunidade única para criar uma cidade exemplar, sustentável, agradável para viver e visitar e a resolução do caos rodoviário, que passa por uma nova forma de ver e viver a cidade, estará intimamente ligada a esse processo. Num momento em que a própria China anuncia medidas de contenção da poluição atmosférica e se esforça por cumprir os acordos de Paris de mudanças climáticas, Macau e esta nova administração do IACM têm a grande oportunidade de mostrarem à China, e ao mundo, de que somos capazes de mudar a cassete, de pensar moderno e de trazer para a China soluções inovadoras como o foi o nosso apanágio no passado, porque é esse o nosso legado. Tendo em conta o passado desportivo de José Tavares estou convicto que ele vai olhar para as ruas e ver vias de bicicletas, circuitos pedonais e a maratona a passar pelo centro histórico. Acho até que ele verá com muita facilidade um Dia Sem Carros e estações públicas de bicicletas. Por isso, espero sinceramente que a nova administração venha com uma nova cassete, com um tom desportivo e jovial e com a visão necessária para ver mais além e devolver a cidade às pessoas. Já agora que a cassete também traga novas músicas como a “Balada das Esplanadas”, há tanto arredadas da nossa vida, esse património inexplorado e desprotegido… E desejo boa sorte, também, porque malhar em ferro frio concordo que é um desporto difícil. Mas há que aquecê-lo…

Música da Semana

David Bowie – “Dancing in the Street”

“(…) Calling out around the world

Are you ready for a brand new beat

Summer’s here and the time is right

For dancing in the streets
They’re dancing in Chicago

Down in New Orleans

In New York City
All we need is music, sweet music

There’ll be music everywhere

They’ll be swinging, swaying, records playing

Dancing in the street, oh
It doesn’t matter what you wear, just as long as you are there (…)”

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