VozesPura ficção. E uma mensagem para a comunidade macaense Fernando Eloy - 17 Dez 201518 Dez 2015 [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]Este texto é um plágio. Este texto também é uma ficção pelo que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência… Com a devida vénia a Ésopo, aqui vai: Era uma vez uma pequena cidade antiga à beira mar onde pouco ou nada se passava. Tinha vivido tempos difíceis mas, um certo dia, os locais tinham descoberto uma forma de se sustentar. Alguém vindo de fora montou uma gaiola dourada onde criava galinhas. Galinhas essas, mágicas com certeza que, segundo reza a lenda, punham ovos de ouro. Não eram muitos mas o suficiente para os habitantes da cidade terem uma vida digna. E assim se passaram anos, uns mais tranquilos do que outros naturalmente, mas o pão não faltava e os tempos das fomes e das necessidades há muito tinham passado. Não era uma vida perfeita, mas a cidade gozava de bons ares, tinha até o maior índice de esperança de vida do mundo e as pessoas tinham uma vida livre, de alguma forma satisfeita, sendo vulgar reunirem-se em grupos animados em jantaradas ao ar livre pela noite dentro. Viva-se aquilo que os de fora chamavam um vida descansada, laid back. Porque, para além das galinhas que proporcionavam o rendimento aos autóctones, a própria cidade e a sua forma tranquila de vida era uma atracção para os de fora. Aos seus portos chegavam viajantes de variadas origens não só à procura do ouro das galinhas, como também para descobrirem essa cidade lendária que as histórias homenageavam, à procura da poesia que só esta cidade antiga conseguia oferecer. E alguns gostavam tanto que até decidiam ficar, porque não eram apenas as galinhas que eram mágicas, toda a cidade construída ao longo de séculos sob a influência de povos de diversas origens, respirava odores de lenda, era um lugar sem igual no mundo. Mas chegou um dia em que tudo mudou. Descontentes por acharem que a gaiola dourada não tinha capacidade para mais galinhas, alguns habitantes poderosos decidiram chamar gente de fora para construir mais gaiolas e criar mais galinhas até porque nas regiões vizinhas a criação daquelas galinhas era considerada tabu e só nesta cidade era possível criar tais criaturas mágicas. E assim foi: de um dia para o outro construíram-se novas gaiolas e criaram-se milhares de galinhas mágicas. O resultado foi espectacular! A produção de ovos de ouro chegou a níveis impensáveis e a cidade encheu-se de curiosos que vinham ver o milagre e, quiçá, levar um ovo com eles. O sucesso foi tal que até os vizinhos se arregalaram com tanta fartura, e deitaram abaixo velhos tabus e começaram também eles a construir gaiolas. Mas os habitantes da nossa velha cidade estavam demasiados ocupados com as suas fábricas de ovos de ouro para perceberem o que se estava a passar ao lado e continuaram a deitar abaixo prédios antigos, bairros inteiros para criarem ainda mais galinhas. Os preços na velha cidade subiram tanto e os espaços foram tão reduzidos que muitos demandaram a outras paragens e a velha cidade depressa se transformou num galinheiro. Mas o pior estava para vir: um certo dia, a produção de ovos caiu e milhares de mirones começaram a debandar para outras bandas porque, afinal, o fenómeno dos ovos dourados não era um exclusivo da nossa velha cidade. Na realidade, a partir do momento em que se torna vulgar, para ver galinheiros tanto se pode ir aqui como ali. Os outros, os que vinham à procura da cidade das lendas também há muito tinham deixado de a visitar, porque ela não mais pode ser encontrada, atafulhada de galinheiros e lojas de pechisbeque. Espantados, os habitantes da cidade coçam agora o cocuruto olhando para a cidade antiga que os seus aviários destruíram, interrogando-se sobre o próximo passo a dar. (continua numa rua perto de si) À COMUNIDADE MACAENSE Muito se tem falado nestes últimos dias sobre o ser macaense, ouvindo-se muita coisa. Fala-se de idiomas, de etnias, do que é ser, do que é sentir, se é macaense ou macaísta, macaio ou lacaio, português ou marroquino, chinês ou mongol, mediador ou criador, nativo ou amante, mais ou menos mestiço, houve até quem falasse em fazer mais filhos… Todavia, há algo que se sobrepõe a todos esses conceitos, ideias ou hipóteses: chama-se Macau. Sem Macau não havia macaenses. Por isso, se pretendemos de facto discutir a comunidade, não podemos passar ao lado da terra. Uma terra onde, qualquer dia, as memórias vão limitar-se aos cemitérios e, caros amigos, sem memória, sem espaços comuns, sem reminiscências do passado, sem uma traça que distinga um lugar, não há cultura que resista. Por isso, a minha modesta contribuição para essa discussão é que se debata a cidade, o seu planeamento, a sua forma de viver. Ser macaense, tem muito de amor à terra, isso parece ser uma nota comum. Mas são apenas 28 km2… Não é a cultura que está em vias de extinção, é a cidade que lhe deu origem e a discussão tem de ser recentrada na cidade, e com carácter de urgência! Porque sem Macau não há cultura macaense. Macau, mais do que nunca, precisa dos que a amam, precisa de ser defendida dos usurários que a pretendem destruir. Essa é a missão dos macaenses se pretendem que a sua cultura chegue ao próximo século, às próximas décadas… Essa tem de ser a cultura do momento, esse tem de ser o debate, mais, essa tem de ser a acção – acção construtiva, inteligente, moderna, forte e com sentido de missão. O resto é pura retórica que o tempo se encarregará de engolir – e os tempos andam depressa por estes lados. Depois podemos sentar-nos à sombra de uma Figueira de São João e discutir a cultura com um lai chá fresquinho e umas trincas numa batatada. MÚSICA DA SEMANA La Pandilla – “La Casa” “Era una casa muy chiquitina. Sin desvancito y sin cocina. No se podía pasar adentro por que no había ni pavimento. No se podía ir a la cama. No había techo ni las ventanas. No se podía hacer pipí por que no había un orinalín. Pero era hermosa con mis canciones en el país de las ilusiones. Pero era hermosa con mis canciones en el país de las ilusiones.”