VozesAturdimento e vazio António Conceição Júnior - 3 Dez 2015 [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]assado o tempo de choque causado pelos ataques a Paris, eis que a cidade das luzes é palco da Cimeira do Clima, neste mês de Dezembro. Por aqui também faria jeito uma cimeira sobre cidades e cidadania, sobretudo quando Charles Landry está prestes a chegar a Macau. Não se deveria deixar passar a oportunidade da visita deste especialista em cidades criativas. Este último mês do ano surge agora também ameaçador para quem tinha passes mensais de parques de estacionamento, agora descobertos como ilegais pelas entidades competentes. O efeito foi de total aturdimento. Os ouvidos a zunir e, em redor, o caos junto à incredulidade. Cidadãos foram despejados de um parque de estacionamento que emitiu passes mensais posteriormente a 2009, o que para mim constitui uma estupefacção, porquanto não entendo nem consegui encontrar a razão da discriminação de datas e parques de estacionamento, a razão de o terem feito, porque só agora foram descobertos. Há um ditado que diz “ou há moralidade…”. Há nisto tudo uma impreparação clamorosa, um improviso total, porquanto em 2009 já devia ter soado o alarme quanto ao número de veículos em Macau. Foram precisos mais oito anos para que se tomasse a iniciativa de desalojar os portadores dos ditos passes sem que se conheçam quaisquer medidas para estancar o dilúvio de automóveis que continua a inundar a R.A.E.M., além da extrema poluição, consequência mais do que natural. Parece que a tudo isto preside uma lógica que, ou é a da batata ou a do inhame, conforme gostos e paladares, porquanto, para além de retirar benefícios aos cidadãos em nome de uma eventual “moralidade” que apenas existe na cabeça de algumas sumidades científicas propensas a sorteios e afins, redundou no aumento do custo do estacionamento para MOP6.00 por hora, o que significa que o trabalhador normal pagará dez horas por dia, aproximadamente, qualquer coisa como MOP60.00 diárias. Como resultado, pude constatar que em plenas 15:00 horas, um dos parques apresentava 115 vagas para automóveis e 130 para motociclos. O panorama é radicalmente diferente, com enormes espaços desocupados por quem não pode, ou não aceita, pagar somas tão avultadas. Perguntar-se-á a quem, verdadeiramente, beneficia esta medida. Seguramente não é aos cidadãos, únicas vítimas de tais luminosas ideias. Ora, não beneficiando o cidadão, alguém tirará lucro, se os automobilistas estiverem pelos ajustes ou forem obrigados a pagar por hora MOP6.00. Afinal, estamos num mercado libérrimo, onde até a asneira é livre. Entretanto, e porque depois de Kyoto, a cimeira de Paris ainda não decidiu sobre o futuro dos combustíveis fósseis, o nosso mercado livre vai deixando engrossar a fileira de automóveis e motociclos, e o nível do caos que é o trânsito, e o veneno que é a poluição do dióxido de carbono, que mata que se farta, mas andam todos distraídos com outros malefícios. Tudo isto me traz à mente o conceito budista do Vazio. “Uma taça só tem utilidade quando está vazia”. Transpondo para a realidade que este escrito aborda, creio que o princípio, ainda que não budista, é o mesmo: esvaziar para encher. Seguramente estamos no plano do aturdimento e do vazio.