VozesA Europa em estado de sítio Arnaldo Gonçalves - 25 Nov 201525 Nov 2015 [dropcap style=’circle’]1[/dropcap]. Uma semana transcorrida sobre os atentados de Paris que vitimaram uma centena e meia de pessoas, outra cidade europeia Bruxelas mantém o seu sistema de alerta de iminente atentado terrorista no nível 4, o mais elevado do seu sistema de segurança. O governo belga decretou no passado fim-de-semana o encerramento do metro, o fecho das escolas e das universidades. Também o Conselho Europeu reduziu a sua actividade, ao mínimo. Segundo relatos da imprensa no centro de Bruxelas tiveram lugar várias operações de intercepção conduzindo à detenção de 18 indivíduos. Foi encontrado um importante arsenal de explosivos e armas de guerra. Relatam os serviços de informações que vários dos homens que participaram nos comandos que perpetraram os atentados de Paris fugiram para a Bélgica e estão a ser procurados pela polícia. Entre eles conta-se Salah Abdeslam, o eventual cérebro das operações em Paris. O momento é de incredulidade. Como é que acontecem tantos ataques terroristas em tão curto espaço de tempo? Como é que não são detectados movimentos dos operacionais que estão identificados como indivíduos perigosos pelos serviços de inteligência europeus? Porque se está a instalar um sentimento de fatalidade perante este séquito de acontecimentos? Sendo fácil culpar outros, a responsabilidade reside nos europeus. Estes tempos de excepção colocam desafios relevantes, muitos deles novos. Desde logo a capacidade dos governos europeus concertarem uma estratégia conjunta e realista que ‘contenha’ esta ameaça à segurança colectiva. Depois a fiabilidade do sistema de Schengen, de livre circulação de pessoas e bens sem fronteiras internas, numa Europa em verdadeiro estado de sítio. Também a falta de colaboração dos serviços de informação europeus ainda presos a uma postura de protecção dos segredos de Estado a qualquer o preço. Finalmente, o problema de projecção do poder militar da UE, sobre o chamado Estado Islâmico do Levante. Comecemos pelo princípio. 2. Não é de hoje a ameaça à segurança europeia. O ataque ao jornal Charlie Hebdo, em 7 de Janeiro, que vitimou doze pessoas pôs a nu a fragilidade do sistema de segurança francês bem como a incapacidade de uma coordenação a nível europeu de meios de ‘inteligência’, controlo de fronteiras e capacidade de vigilância. Nove meses depois, pode-se dizer que estamos exactamente na mesma. Segundo o Ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, em declarações à imprensa, apenas no dia 13 um serviço de informações identificou a presença de Abdelhamid Abaaoud na Grécia. Nenhuma informação relativa às movimentações deste operacional proveio de qualquer dos países europeus acrescentou Cazeneuve. O tom azedo do governante francês revela o diálogo de surdos que esta questão tem encontrado nas capitais europeias com cada país a olhar para o lado, acreditando que o problema não lhe diz respeito. O que diz muito quanto à falta da chamada repetida até à exaustão pelos tratados e nos discursos da elite europeia. De certa maneira torna-se claro aos olhos das pessoas mais atentas que os atentados foram tomados como um acto fortuito, episódico, que suscita um conjunto de respostas pontuais que ficaria mal não serem tomadas. Não correspondem a uma mudança de posição, nem de atitude. A França bem apresentou aos seus parceiros no Conselho Europeu uma série de propostas, como a operacionalização do PNR (Passage Name Record), um ficheiro de dados pessoais dos passageiros dos voos que entram no espaço Schengen, que possibilitaria integrar num mesmo ficheiro a identificação do passageiros e outros dados como o pagamento em espécie do bilhete de avião, o transporte de malas com grande peso nos trajectos curtos ou viagens de ida-e-volta para países assinalados como do terrorismo como a Síria, o Iraque e o Iémen. Não houve qualquer resposta. A braços com uma situação de emergência nacional (prolongada por três meses), a França chegará provavelmente à conclusão que deverá agir sozinha, com os seus próprios meios para prevenir novos atentados. O que é improvável já que a capacidade de improviso das redes terroristas é grande e não se compadece com visões nacionais. 3. Quer-se queira quer não o problema dos atentados terroristas está intimamente ligado ao afluxo, nos últimos meses, de 800 000 refugiados às fronteiras do Sul da Europa. A esquerda não gosta que se associem os dois factos mas eles estão absolutamente correlacionados. Vários ‘kamikazes’ do ISIS foram identificados entre milhares de pessoas que acorreram aos portos da Grécia ou às suas fronteiras, vindos da Turquia. O sistema de registo e identificação provisória dos fluxos de migrantes é um verdadeiro ‘passador’. Indivíduos que chegam sem passaporte ou documento de identificação, alegando que o perderam numa travessia ou fuga apressada compõem uma história e um que facilmente os legitima como indivíduos não perigosos. Seria mais acertado ser-se realista e reconhecer como o afirmou o Primeiro-Ministro francês, em entrevista a um canal francês, que ‘se a Europa não assumir as suas responsabilidades é todo o sistema de Schengen que estará em causa’. Vários países instituíram, de uma forma ou de outra, controles de identidade à entrada nos seus portos e aeroportos. Contam-se entre eles a França, a Alemanha, os Países-Baixos, a Áustria, a Hungria, a República Checa, a Eslovénia, a Eslováquia, a Suécia e a Bélgica. Outros os seguirão. Naturalmente deveria ir-se mais longe suspendendo-se a aplicação do artigo 67.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que prescreve que “a União assegura a ausência de controlos de pessoas nas fronteiras internas e desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de imigração e de controlo das fronteiras externas que se baseia na solidariedade entre Estados-Membros e que é equitativa em relação aos nacionais de países terceiros. Para efeitos do presente título, os apátridas são equiparados aos nacionais de países terceiros”. Criado em 2008 para responder a uma situação optimista de uma Europa o seu sentido injuntivo contraria as exigências actuais de uma Europa sitiada por um inimigo externo com importantes cúmplices internos. Daí que haja quem pondere propor a criação de uma formada pelo Benelux, a Áustria e a Alemanha. A chanceler alemã, Ângela Merkel, nunca desmentiu esta eventualidade. A sua mera possibilidade é portanto um aviso sério de que se os 28 estados-membros não alcançarem uma solução conjunta aplicável a todo o espaço da União, os países mais integrados da UE poderão encontrar uma solução de recurso. Resta saber o que farão neste caso a França, a Itália ou a Espanha, países que estão na primeira linha dos ataques dos terroristas islâmicos. 4. Será no mínimo irresponsável pensar que a ameaça terrorista se esfuma no ar pelo arrependimento dos jihadistas do ISIS pelas vítimas sacrificadas ou perante o horror da opinião pública, como acreditar que os avisos de Barack Obama possam ter algum efeito útil. É bom que os europeus se convençam que com esta administração em Washington estão entregues ao seu próprio destino. Só uma intervenção militar terrestre em conjugação com raids aéreos pode desalojar os terroristas dos seus enclaves em territórios sírio e iraquiano. Uma intervenção em coligação que estivesse disposta em fazer quando se encontrar no terreno. É tempo de se ter uma abordagem realista e reconhecer que Bashar al-Assad não é o adversário principal do Ocidente, neste momento. Quer a Rússia quer o Irão podem desempenhar, igualmente, um papel proactivo na pacificação daquela zona do Médio Oriente. Porque não incorporar o Irão e a Rússia numa coligação que derrote militarmente o ISIS e ajude a criar um poder administrativo na zona oriental da Síria e na zona ocidental do Iraque no período imediatamente a seguir? A verdadeira profusão de grupos jihadistas, pró e anti-Bashar, revela que a estratégia de Obama de apoiar uns e combater outros deixou de fazer qualquer sentido dadas as ligações desses gangues a países árabes. Fazer a paz com Damasco e manter uma atitude utilitarista com Bagdad e Teerão pode constituir a única saída realista para a reposição da ordem no território controlado pelo ISIS.