VozesOs janízaros António Conceição Júnior - 28 Set 2015 À medida que o desenvolvimento social cresce, os núcleos expandem-se, por vezes através da migração e por vezes da cópia ou inovação independente levada a cabo pelos vizinhos. As técnicas que funcionaram bem num núcleo mais antigo – quer essas técnicas sejam a agricultura e a vida nas aldeias, as cidades ou estados, os grandes impérios ou a indústria pesada – disseminam-se por novas sociedades, novos ambientes. Por vezes essas técnicas florescem no seu novo enquadramento; por vezes, avançam aos tropeções; e, por vezes, precisam de modificações gigantescas para funcionar de todo. Ian Morris in “O Domínio do Ocidente” [dropcap style=’circle’]K[/dropcap]ublai Khan, neto de Gengis Khan, fundou formalmente a dinastia Yuan (1271-1368), a primeira experiência de “achinesamento” da cultura nómada dos mongóis por uma outra, bem mais poderosa, a que se poderá chamar, com propriedade, a cultura Han, ou seja, a cultura e civilização multimilenária da China. Sucedendo aos Song, os Yuan depressa foram envolvidos pelo nacarado da ostra chinesa e, num breve espaço de meros 97 anos, brilharam efemeramente no universo chinês. O retorno à cultura Han sucedeu-lhe prontamente, por via da emergência dos Ming (1368-1644), mas de novo veio a queda do Mandato Celestial, agora em favor dos nómadas provenientes da Manchúria, os Qing (1644-1912). A corrupção e a decadência deram origem então à emergência de um conceito ocidental, inteiramente estranho à China: a República que, após alguns percalços, se iria manter e progredir até aos dias de hoje. Se a “sinificação” por poderio cultural englobou mongóis e manchus, isto é, quando os conquistadores se tornam reféns da cultura do território conquistado, o processo subsequente constituiu – através das atribulações dos finais da última dinastia – a lenta emergência do Ocidente no Celeste Império. Efectivamente desde a China dos Tang, séc. VIII que comunidades de Judeus se instalaram na China, precedendo Marco Polo, século XIII e Matteo Ricci, século XVI, este talvez o mais completo e antigo caso de transculturação na cultura chinesa, como conselheiro do imperador Wan Li. [quote_box_left]Macau precisa de identificar sociologicamente os diversos grupos da sua população para que a operacionalidade dos seus actores anónimos possa integrar-se nos objectivos, direitos e deveres que a consciência da cidadania exige[/quote_box_left] Se a presença de Marco Polo, Matteo Ricci e, no século XIX, as forças ocidentais a imporem os resultados da Revolução Industrial num Império tornado progressivamente obsoleto e culminando nas práticas da regente Tzu Shi, o que se testemunha no dealbar do século XX é a ocidentalização do pai da China Republicana, e dos seus camaradas. Gente culta que curiosamente passou por Macau e a este Território esteve ligada, tanto quanto Matteo Ricci, prontamente decretou a excisão de todas as tranças da subjugação manchú e a adopção de trajes ocidentais. Porém, e dando o salto para a evolução histórica da Grande China e a recente emergência das sociedades de consumo provenientes da economia socialista de mercado, parece existir em Macau uma faixa de gente que se desligou das suas próprias raízes, para abraçar um mundo global cuja complexidade não domina. Este grupo, cuja leitura do mundo é unidimensional, sem domínio de uma segunda ou terceira língua, constitui um desafio sócio-educativo-cultural a merecer ser objecto de um estudo sociológico que permita identificar os diversos graus de absorção do que já se tornou híbrido, e que em quantidades diferentes habitam esta percentagem da população. Daria a este grupo o nome adaptado de Janízaros1 por ter ocorrido neles uma captura da sua cultura original e o trânsito para um patamar ocidentalizado, cuja apreensão tem características de incompletude no processo de apreensão e transição para Ocidente. Assim, os instrumentos e saberes que os informam estão sujeitos a interpretações oscilantes, mediante a perplexidade que cada tema lhes suscita. Macau precisa de identificar sociologicamente os diversos grupos da sua população para que a operacionalidade dos seus actores anónimos possa integrar-se nos objectivos, direitos e deveres que a consciência da cidadania exige. Hoje em dia espera-se por uma Cidadania integrada no global e não na exclusão por incompletude. Dez sultões Otomanos criaram uma força de elite conhecida por Janízaros, formada por homens que tinham sido raptados em crianças, geralmente gregos de famílias de fé católica, educando-os na lei do Islão, no idioma turco e no manejo de armas e artes militares.