h | Artes, Letras e IdeiasCervejas II Pedro Lystmann - 15 Set 2015 [dropcap style=’circle’]D[/drocap]e vez em quando tem de se falar de cervejas – sem fazer referência à colorida antiguidade da sua história, que se tornou, pela insistência, uma grande maçada e não mudou. A internet tem a vantagem de nos poupar à repetição do que é fácil de encontrar por todos. Em Macau, o consumo de cerveja tem vindo a tomar contornos um pouco diferentes e só essa transformação – que é subtil, nada bombástica, note-se – causa estas linhas. A transformação dá-se na oferta de certos supermercados ou casas mais especializadas. Nos hotéis e nos restaurantes, em geral, não tenho notado, infelizmente, grande vontade em diversificar significativamente a escolha, apenas uma estagnante ignorância e falha de vitalidade, permanecendo teimosamente em lista as aborrecidas marcas de sempre. O consumo de algumas dessas marcas continua a ser causa de perplexidade. Quem é que consegue ainda pedir uma Carlsberg, uma San Miguel ou uma Heineken nos tempos correntes, lagers praticamente sem sabor e sem qualquer carácter? Numa passagem coberta, na Taipa, que entronca com o Jardim Cidade das Flores, abriu uma microscópica loja de intenção intrigante que vende roupa de criança e algumas cervejas, frutadas e não. É um conjunto muito diminuto mas que merece comovida visita. Em baixo, mal se vendo, há umas garrafas de Franziskaner. Na Avenida Sidónio Pais, perto do lugar onde com ela entronca a Avenida Ouvidor Arriaga, existe uma lojinha também perdida na sua vocação, que vende um conjunto de umas 8 cervejas, algumas frutadas, onde se contava, até há pouco tempo, uma excelente St.Peter’s Organic Ale em bonita garrafa. Por vezes, em alguns supermercados, encontram-se cervejas belgas, japonesas, francesas, alemãs ou australianas que há pouco tempo não existiam em Macau. Continua a não existir, no entanto, na cidade (que se saiba), um bar especializado em cervejas. O McSorley’s só merece referência porque a oferta é, em geral, muito fraca. Terá uns 18 nomes em cartaz. Acontecimento de grande alcance para o curto mercado local foi a abertura do estabelecimento Beer Collection, uma diminuta loja situada numa pequena rua, Travessa das Hortas (?), transversal à Estrada da Areia Preta. Nela se encontra um número considerável de marcas de variadíssimas proveniências em que se nota uma insistência em nomes belgas mas onde se disponibilizam outros de proveniências mais alargadas, como a Espanha, a Itália, a Nova Zelândia, o Japão (até Karuizawa), etc. Número considerável aqui quer dizer umas 40 ou 50. Seria fastidioso estar a fazer listas. Além disso, os nomes em stock variam muito consoante o seu escoamento e encomendas. Há um sítio na internet. Além das cervejas (e de cidra e ginger beer) está disponível um conjunto decente de vários tipos de copos para tipos diferentes de cerveja. Mais importante é aperceber no semblante dos jovens que animam a loja gosto e entusiasmo pelo que estão a fazer (só abre das 17.00 às 01.00h). No exterior consegue-se um pequeno espaço para experimentar alguns dos produtos em oferta. Na envergonhada secção que a loja Marks & Spencer dedica a produtos alimentares oferecem-se habitualmente umas 5 ou 6 cervejas engarrafadas a pensar nesta conhecida loja inglesa. Não é uma oferta particularmente aventurosa mas nela costumam estar incluídas algumas porters, ales, pale ales e até uma cerveja de centeio, a Battersea Rye. Toda esta conversa tende à conclusão de que o melhor lugar para beber cerveja é em casa e à confirmação de que continua a não haver restaurantes ou bares onde a oferta não ultrapasse uma ignorante banalidade. Há, no entanto, alguns pequenos restaurantes (em geral de atmosfera jovem) em que se conseguem algumas cervejas belgas e japonesas – estas menos conhecidas em Macau mas de larga circulação em Hong Kong ou Singapura como a Coedo ou as bonitas Hitachino.* Em Hong Kong existe, compreensivelmente, um conjunto de bares onde o consumo de cerveja é levado a sério. A moda da craft beer, em guerra contra a ditadura das aborrecidas grandes marcas intercontinentais, tem contribuído para o alastrar desta tendência alegre. Na cidade vizinha existem, pelo menos, 8 pequenas companhias produtoras de cerveja, fazendo lembrar que a Macau Beer não tem conseguido a expansão e o brilho que merece e tem permanecido numa obscuridade triste e estagnante. O mesmo se pode dizer de Macau, onde, ao contrário de Hong Kong, persiste uma firme reacção rural contra a qualidade de vida urbana. A mais antiga companhia cervejeira de HK, a Hong Kong Beer Co., foi fundada em 1995 mas as outras sete que conheço são de fundação recente. Este ano abriram três. Tap. The Ale Project, em Mongkok; The Globe e The Roundhouse, no Soho; The Bottle Shop, (loja) em Sai Kung e The Crafty Cow, em Sheung Wan, são alguns dos nomes de lojas ou bares que se distinguem. Há outros, cujo nome não retenho, espalhados pela cidade – por Kennedy Town, Tai Hang, Causeway Bay, Wanchai, etc. O marketing que tem andado associado à nova moda das cervejas tem utilizado o argumento do acompanhamento de comida com cervejas – o que banalizou um dos termos mais enervantes da restauração actual, o pairing. No rótulo dos nomes que o Marks & Spencer dispensa (que são concebidos para a loja) inclui-se uma pequena informação sobre o tipo de comida que determinada bebida deve acompanhar. Assim, no rótulo de uma Yorkshire Gold, para lá da lista de ingredientes, de indicar que é própria para vegetarianos, que não deve ser servida muito fresca, que não deve ser consumida por mulheres grávidas, que os homens não devem consumir mais de 3-4 unidades de álcool diariamente e as mulheres 2-3, e de outras indicações inúteis e indesejadas, indica-se, por fim, que se trata de uma cerveja indicada para acompanhar pratos leves como peixe, marisco, galinha ou salada. A partir de que altura é que começámos a ser tratados como estúpidos? Uma Organic Scottish com Heather Honey fará bom par com tagine de carneiro, couscous e vegetais mediterrânicos grelhados.** Todo este enervante nannying, que convoca desejos de consumir 30 unidades por dia, não ingerir qualquer alimento e destruir esquadras de polícia e atacar civis indefesos, não faz esquecer que a diversidade de marcas e tipos de cerveja que se encontra em Macau, não sendo ainda totalmente satisfatória, já serve a singelas experiências e ao acompanhamento de refeições. * no Japão há cerveja para crianças, sem álcool, algo impossível de publicitar na Europa ou na América. Kodomo no nomimono – bebida para crianças. ** enquanto continua a não ser obrigatória, em qualquer continente de bebida alcoólica, qualquer indicação do valor calórico.