A coisa

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o fim de Setembro, este Governo cumpre os seus primeiros nove meses. Ainda não se percebeu se foram de gestação de qualquer coisa outra ou se apenas discurso para tudo ficar na mesma. Seja lá o que for, alguma coisa há-de sair destes nove meses de governação. É esperar para ver, dizem, que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Realmente não, mas aqui ninguém pensa em dias, mas em anos, em lustros, em décadas. Já lá vão quase duas e a coisa arrasta-se.
Mas o que é a coisa? Ora a coisa é a qualidade de vida dos cidadãos de Macau, cuja pioria tem sido uma constante geométrica, com a agravante de ter acelerado nos últimos anos. Ainda estamos à espera de ver quando é que a cidade vai, finalmente, deslizar sobre os famosos “carris para o futuro”, prometidos por Edmund Ho e Chui Sai On.
No começo, toda a gente percebeu que o crescimento tinha, inevitavelmente, dores. Só que essas dores, essas doenças, deveriam ter sido prevenidas à partida e não ter sido livres de explodir e de se espalhar a seu bel-prazer. Não foram e as pessoas compreenderam: os governantes eram inexperientes e blá, blá, blá, blá… tudo bem, segue que o Jogo prometia mundos fabulosos e inesgotáveis fundos.
E o povo aguentou, na jubilosa esperança de ver um raio de bem-estar ao fundo deste interminável túnel. Mas tudo o que viu foram os cheques que o Governo generosamente distribuiu, na sincera constatação de que não sabia o que fazer com o dinheiro. Como se sabe, a doação não resolveu problema nenhum. O valor do peixe, nem de perto nem de longe, pode ser comparado ao da cana.
Além do mais, trata-se de um mau exemplo. Mas adiante. Década e meia depois, chegámos a uma espécie de limite: a cidade está sobrelotada de turistas (sobretudo porque são mal conduzidos e — uma vez mais — não se criaram condições para os receber), o trânsito e a poluição tornaram o ar difícil de respirar, a Saúde não melhorou, o preço da habitação é o que se sabe, os grandes projectos do Governo não funcionam, os taxistas impõem a sua vontade na cidade. novo governo
A compreensão popular esmoreceu, uma nova geração, mais educada, apareceu e a coisa não mostra modos de melhorar, a não ser no discurso deste Governo, agora grávido não se sabe de quê. A desarmonia está à vista. O “paraíso” não, nem os “carris para o futuro”, cuja realidade é mais intangível que os do metro ligeiro.
Custa a crer que a coisa não interessa ao Governo. Ou custa a crer que o Governo ponha os interesses de alguns acima da coisa. Mas terá o Executivo capacidade para impor os seus planos sobre a coisa? E essa eventual incapacidade terá origem no seu desconhecimento da coisa ou na oposição das forças xiaoren (gente menor, em mandarim) deste território?
O Governo terá de estabelecer que a coisa mais importante é a coisa. Se não o fizer, por mais que coisifique, em ânsia científica, por mais que dê voltas à coisa, não chegará a coisar seja o que for digno de qualquer coisa. Pois não há causa que supere a coisa, nem outra coisa que a suplante em importância e fundamentalidade para a harmonia desta jovem mas ambiciosa região.

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