Cinco melhores cidades da Ásia Extrema, Monocle

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Publicou-se de novo a lista das 25 cidades com melhor qualidade de vida da revista Monocle. Ao contrário do que sucedeu em anos anteriores, não valerá a pena alargarmo-nos pelas suas minudências, um pouco repetitivas de ano para ano e origem certa de pequenas indignações e médias irritações.
Exponha-se de novo a ideia de que seria cruel comparar administrações urbanas a sério com as tentativas infantis da administração local de fazer algo de útil.
Uma que não consegue fazer um metrozinho de superfície ou um terminal marítimo não merece elevação a termo de comparação.
Mas vale a pena perceber o que é que cinco cidades asiáticas fazem bem para que mereçam inclusão neste grupo de 25. São elas Tóquio (1º lugar geral), Fukuoka (12º), Singapura (13º), Quioto (14º) e Hong Kong (19º, logo após Lisboa e antes de Amesterdão).
Das outras, 15 cidades são na Europa, 2 na Austrália, 1 na Nova Zelândia, 1 no Canadá e 1 nos E.U.A.
Deve também lembrar-se que as cidades distinguidas pela Monocle podem ser, para alguns leitores, cidades demasiado arrumadas e pouco vibrantes (sem a excitação de sítios como o Rio de Janeiro, Istambul, Beirute ou Roma), uma disposição que atinge resultados quase risíveis na classificação da O.C.D.E., que elege Camberra como vencedora.
Esta é uma revista que não esconde favoritismo para com certos lugares, a Escandinávia, a Suíça, o Japão ou Portugal.
Portugal é, para esta publicação, um país giro. Lisboa foi a cidade escolhida, em Abril deste ano, para a realização de uma conferência sobre qualidade de vida, promovida pela Monocle, aquela que foi a primeira de sempre. A capa do número de Julho/Agosto é uma fotografia tirada em Santiago do Cacém e é no Alentejo que foram tiradas as fotografias das páginas de moda deste número. No seu interior encontra-se um artigo sobre o Porto e o seu Presidente da Câmara em que se sublinha a ideia da renovação de edifícios antigos para uso como habitação social e como modo de combater os efeitos mais perniciosos da gentrificação.
No entanto, por muito irritante que seja, a Monocle centra os critérios de classificação das cidades em torno de uma ideia de bem estar onde pormenores como a hora de abertura de lojas, o número de horas de sol ou a tolerância para com estilos de vida diferentes são importantes. Isto acontece em contraste com outras classificações que se centram demasiado em considerações económicas (como a lista da Mercer, de que já aqui se falou, ou a da EIU – Economist Intelligence Unit).
Este ano, para além das considerações em cima referidas, dá-se particular relevância à qualidade da rede de transportes, à limpeza das ruas, aos espaços verdes, à facilidade na abertura de pequenos negócios (uma obsessão monocleana), ao respeito pelo património, ao modo de tratamento dos idosos ou a uma paisagem urbana que permita, através da sua diversidade, que o sol atinja as ruas e banhe a populaça.
Conhecendo as cinco cidades asiáticas que a classificação deste ano distingue, não posso deixar de concordar com a justeza da sua escolha (apenas desejar que Taipé melhore o suficiente para entrar nesta classe).
Numa altura em que mais de metade da população mundial vive em cidades, assiste-se com entusiasmo a um debate centrado na deslocação de poderes dos governos centrais para os governos locais. A libertação da cidade dos governos centrais só pode ajudar à qualidade da governação.

Tóquio – Curiosamente, aquilo que a Monocle distingue é um paradoxo que me surpreendeu quando da primeira visita a esta cidade: o de que à sua gigantesca dimensão se junta a possibilidade de um estilo de vida saudável e tranquilo. Com muitos jardins e parques, 225 bibliotecas públicas, 131 museus, 335 ecrãs de cinema, 587 galerias de arte, 1383 livrarias independentes, uma rede de transportes públicos acessível, pontual e limpa e uma oferta de restauração surreal (4617 restaurantes novos no ano passado/Melbourne 18) pode-se ser muito feliz em Tóquio.
Junte-se o facto de ter sido há pouco considerada a cidade mais segura do mundo e uma oferta extraordinária de lojas e bares – para além de uma quantidade gigantesca de lojas com produtos de elevadíssima qualidade e de todos os tipos.*
Tóquio é uma prefeitura metropolitana que inclui 23 special wards. Na prática, aquilo a que chamamos Tóquio é um conjunto de “23 pequenas cidades” – para além do resto que constitui a grande área metropolitana. No interior de muitas dessas wards, que incluem districts famosos como Ginza, Ikebukuro, Harajuku ou Ueno, pode levar-se uma vida quase aldeã, em pequenas ruas com pequenas lojas que se percorrem facilmente de bicicleta. “its heartstopping size and concurrent feeling of peace and quiet” é a frase que a Monocle usa para ilustrar o paradoxo de Tóquio. Recordo que na minha primeira viagem a Tóquio, em Ikebukuru, passados dois ou três dias, já vários lojistas me lançavam saudações amáveis.
Curiosamente, o preço médio da renda mensal de um apartamento com um quarto é de apenas 720 euros (Zurique €2000 e Hong Kong €1700. Fukuoka €470 e Berlim €530).

Fukuoka – A cidade com mais elevado crescimento no Japão é uma cidade afortunada. Há vários anos que o seu governo apostou na modernidade e diversidade da arquitectura – o que lhe confere uma atmosfera experimentalista.
Situada junto ao mar, não muito longe da montanha, com um clima favorável (e uma população amável e descontraída) e sem a arrogância de outras cidades japonesas, esta é uma escolha óbvia. Exibe, no conjunto das 25 cidades, o preço mais baixo para aluguer de um apartamento com 1 quarto (€470). O preço médio de venda de um apartamento com 3 quartos é de €145.200 (ou seja, MOP1.225.000).
Tem 173 livrarias independentes (HK tem 50) e, posso confirmá-lo, uma disposição meridional tranquila e acolhedora.

Singapura – As qualidades mais marcantes de Singapura são por demais conhecidas. Juntem-se-lhe um aeroporto que acolhe mais de 300 voos internacionais (apenas Amesterdão a ultrapassa), uma taxa de 60% de reciclagem dos seus lixos, a melhor das cinco asiáticas (Estocolmo mais de 90%/Paris apenas 15%), 258 galerias de arte e um clima agradável todo o ano.
Sendo a primeira cidade jardim da Ásia, tem sido feito um esforço grande para a tornar atraente a nível da oferta cultural, mesmo que este esforço por vezes tropece em censuras infantis. É, como qualquer outra destas cidades extremo-orientais, muito segura.
Tendo-lhe sido dedicado um artigo inteiro não me estendo sobre o formidável jardim que o governo decidiu criar junto ao mar. Esta mancha imensa marcará o nível de vida dos seus habitantes para sempre.

Quioto – Esta é uma cidade modelar. Com muitos jardins e templos, pode tornar-se um exemplo num debate que tem ultimamente inundado jornais e revistas: o da qualidade de vida em cidades onde o turismo se tornou uma actividade com uma presença demasiado intensa. É o caso de Amesterdão, Macau, Lisboa (a cidade europeia com maior crescimento turístico), Hong Kong, Barcelona ou – o paradigma mais assustador – Veneza**. São cidades onde o excesso de turismo cria uma crescente insatisfação na população residente e onde os seus governos terão de fazer escolhas radicais para que se não comprometa ainda mais o nível de vida dos seus residentes.
Ao contrário (completamente ao contrário porque aqui os residentes, esquecidos e desprezados, são reféns do turismo) do que acontece em Macau, em Quioto tem-se conseguido encontrar um equilíbrio.
Esse equilíbrio traduz-se na plantação de mais árvores e na ordenação do tráfego (em Macau reina a confusão generalizada, um misto de provincianismo e total ignorância baseado na reticência em pedir ajuda exterior).
Ter mais de 200 museus e mais de 280 livrarias independentes é um auxílio comovente na promoção da qualidade de vida.

Hong Kong – Por que é que em Hong Kong há 55 jornais diários? Em Auckland e Portland (a única cidade dos E.U.A. que costuma aparecer nesta lista) só há um. Eu sei que o que me agrada em Hong Kong é a oferta. De restaurantes (no ano passado abriram 1500 restaurantes novos), de bares e de lojas.
E, agora, de arte. Esta é a grande transformação por que passaram, na última década, Singapura e Hong Kong. A Art Basel HK é a maior feira da Ásia. O West Kowloon Cultural District será um ponto de atracção novo para a cidade. Ao contrário do que acontece em Singapura e nas cidades japonesas, a juventude de Hong Kong mostra-se cada vez mais inovadora e contestatária e se esta era uma cidade vibrante por outras razões esta razão da contestação veio dar-lhe um brilho novo. Quem não estiver satisfeito tem à sua disposição 180 voos internacionais, muitos deles intercontinentais.
Várias zonas da ilha de Hong Kong mostram uma vitalidade e criatividade a nível do pequeno comércio – independente do gosto internacional imposto pelas grandes marcas – que a tornam particularmente atraente para a revista Monocle, que reserva muitos dos seus elogios para pequenas empresas de vestuário, design, mobiliário, restauração, etc.
Tai Hang e algumas partes de Wanchai, para além de Kennedy Town, que tem agora estação de metro, são exemplos perfeitos de um estilo de vida urbano que permite também um sossego quase aldeão, um estilo que recebe o favor constante desta revista.
As cidades japonesas são, no entanto, imbatíveis na oferta deste tipo de modelo: cidades grandes e modernas mas extremamente bem equipadas a nível de transportes, espaços verdes, qualidade excelente de todo o tipo de produtos, hospitais, livrarias, bibliotecas, restaurantes, bares, pequeno comércio, vias para bicicletas e limpeza, e onde se mantém, para quem o desejar, um estilo de vida tranquilo.

* uma imagem que marca indelevelmente o turista é a de grupos de crianças de cinco ou seis anos a deslocarem-se sozinhas para a escola através dos meandros aparentemente labirínticos da gigantesca metrópole que é tudo menos ameaçadora.

** pela primeira vez, em Veneza, se pensa num sistema de limitação do número de turistas ou de acesso a certas áreas. Em Barcelona suspendeu-se o licenciamento a novos hotéis, pensões e apartamentos privados. A lista de monumentos e lugares em que o número de turistas se tornou excessivo é longa: Monte Evereste, Machu Picchu, Angkor Wat, as Galápagos, Bali, etc.

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