…E os votos foram p’rós cães

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s resultados das eleições legislativas do último domingo em Portugal levam-me a tirar algumas conclusões, o que daqui à distância de Macau pode parecer algum atrevimento da minha parte, longe que estou dessa grande tropa fandanga que é a realidade lusitana. Mas pronto, faço-o na mesma, so what? Vão fazer o quê, “castigar-me nas urnas”, como disseram que faziam com o Coelho e com o Portas? Era o castigas, e a julgar pelos MAIS DE DOIS MILHÕES DE VOTOS que a coligação “Portugal à Frente” (nome foleiro, diga-se de passagem) obteve nestas eleições, tenho carta branca para dizer mal do que quiser e de quem quiser, que no fim ainda me pagam um jantar. Ou dois. Bem, ponto por ponto, é assim:
– Já é habitual ouvir-se por altura das eleições que “a abstenção é à partida a grande vencedora”. Acontece que essa frase feita entoada sempre com um tom mais ou menos fatalista é tecnicamente uma mentira, um engodo. A participação ficou pelos 57%, apenas menos um ponto que as eleições de 2011, e apesar da insistência nessa ladainha de que os portugueses estão cansados da política e dos políticos, mais de cinco milhões deles foram votar. Seremos um hipócrita, medroso e fanfarrão? Nada disso, que exagero – somos uns vivaços, isso sim. Fossem fazer um inquérito para saber a principal causa da abstenção, e “preguiça” surgiria à cabeça (isto se as respostas fossem sinceras, claro, e claro que nunca seriam).
– Ao contrário das competições desportivas, em que ganha quem marca mais golos, faz mais pontos, salta mais alto ou corre mais rápido, na política é tudo “relativo”. Das forças partidárias representadas no Parlamento, a coligação foi a única que perdeu votos e mandatos em relação a 2011, e mesmo assim pode-se dizer que saiu vencedora. O PS subiu quatro pontos percentuais e conseguiu mais 11 mandatos, mas António Costa pode estar de saída, o que seria mais ou menos como José Mourinho ganhar todos os jogos com o seu Chelsea, e no fim ser despedido por causa dos “maus resultados”.
– Mas em política é mesmo assim, tudo muito esquisito; imaginem que em pleno século XXI, ano da graça de 2015, há um indivíduo com uma aparência semelhante ao Conde Drácula que chama as pessoas de “povo” e “camaradas” – claro que me refiro a Jerónimo de Sousa, o torneiro mecânico que se promete eternizar na liderança dos comunistas portugueses que aos 68 anos, e pela bitola marxista, é considerado “uma jovem promessa”. Por outro lado o Bloco de Esquerda obteve o seu melhor resultado de sempre, o que me deixa perplexo; depois de vários anos com o demagogo mas simpático Francisco Louçã na liderança, surge uma barata-tonta ainda mais demagoga, uma tal Catarina Martins, que parece excitar ainda mais as paixões populares. Vá-se lá entender porquê, pronto, é a “democracia” em todo o seu esplendor.
– E por falar em “demagogia” e afins, uma das queixas mais comuns dos eleitores portugueses é a “falta de alternativas”, isto referindo-se, obviamente, à sempre-mesmice do “ora agora sacas tu, ora agora saco eu” dos partidos do arco da governação. Ora alternativas é coisa que não falta, e mais uma vez o freguês tinha ao seu dispor nada mais nada menos do que 16 (dezasseis) quadrados no boletim de voto onde colocar a cruzinha. Só que aquilo que se afigura como solução acaba apenas por tornar as coisas ainda piores, o que me leva ao ponto seguinte. 81015P19T1
– Confesso que fiquei preocupado com a possibilidade do Partido Nacional Renovador (PNR), o tal da extrema-direita cor-de-rosa-choque, vencer as eleições com maioria absoluta. Sim, a sério, pois a julgar pelas preocupações expressas pelos portugueses nos últimos meses, com os refugiados, imigrantes e beneficiários do Rendimento Social de Inserção a servirem de bode-expiatório para todos os males do mundo, julguei que fossem votar em massa nos fachizóides. Afinal enganei-me, e os gajos tiveram menos de metade dos votos do PCTP/MRPP. Folgo em saber que ainda há mais portugueses que acreditam no maoísmo e na ditadura do proletariado, do que nos delírios dos nazistas de papelão.
– Os que realmente quiseram demonstrar o seu desagrado com o negro quadro da política em Portugal foram votar em branco, ou desenharam cornos, bigodes o outras inanidades no boletim, o que levou a que o já célebre “Nulos” obtivesse um resultado melhor que meia dúzia de partidos, movimentos e outras plataformas ditas “alternativas” todas juntas. Melhor do que este “Nulos” só mesmo o partido dos “Fantasmas”. Sim, pois li algures que em Portugal existem nos cadernos eleitorais “mais de dois milhões de eleitores fantasma”. Desconfio que foi graças a estes que o Cavaco venceu as presidenciais. Só um palpite, não me levem a mal.
– Finalmente os votos que foram para os cães, literalmente. Esqueçam os reformados, os imigrantes ou outros expedientes que visam nada mais do que obter um tacho: chegou o Partido “Pessoas-Animais-Natureza”, ou PAN, que já há quatro anos esteve muito perto de obter um mandato. Desta vez bastaram 2% dos votos no círculo eleitoral de Lisboa para conseguir um dos 47 assentos reservados para a capital do país, mas no fim fiquei desiludido com o nome do candidato eleito pelo PAN: André Lourenço e Silva? Que raio de nomes andam as pessoas a dar aos bicharocos, com franqueza. E que tal “Piloto”, “Bolinhas”, “Tareco” ou “Milú”? Não tinha muito mais piada?
E foram assim as eleições legislativas em Portugal. Não queria deixar de mencionar os mandatos ainda por apurar, nomeadamente os dois reservados ao círculo da imigração fora do espaço europeu, onde o aliciante será saber se o “nosso” José Pereira Coutinho consegue ou não a eleição. Coutinho, candidato pela plataforma “Nós, Cidadãos” diz-se prejudicado com a forma como decorreu o processo eleitoral, com atrasos na entrega dos boletins, etc., etc. (o costume…), e ameaça mesmo “impugnar as eleições”. Ui, fosse isso assim tão fácil, impugnar as eleições legislativas em Portugal, e nem consigo imaginar o que é necessário para que se cometa tal proeza. Talvez fosse melhor perguntar aos SAFP. Aos SAFP?!?! Porquê aos SAFP??? Sim, aos SAFP lá de Portugal, não aos de Macau, é óbvio. Então, falamos a sério ou andamos a mangar com a tropa?

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