Stephen Hawking, aliens e clássicos chineses 中国古典文学与外星人

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada o meu lado europeu esteve absorvido com os debates deprimentes sobre o Brexit. No entanto, o meu lado chinês exultou com duas notícias vindas do meu País natal. Ambas demonstravam o empenho da China na procura de E.T.s.
No início da semana, o canal CCTV mostrou as fotos de um enorme telescópio de abertura esférica, com um prato de 500 metros de diâmetro, colocado no cimo de uma montanha na província de Guizhou. As instalações ocupam uma área equivalente a 30 campos de futebol, num perímetro de 1.6 quilómetros. Desde 2011, foi investido no projecto um total de 1.2 biliões de yuans. Ligado a um dos mais potentes computadores astronómicos, o Sky Eye 1 天眼 1, o rádio telescópio mais sensível do mundo, deixou a China mais perto de um sonho há muito ambicionado, a demanda por vida extra-terrestre através do espaço sideral.
A segunda notícia falava sobre o fim provável da exclusão da China da ISS (International Space Station), que vigora desde 2011 (por razões de “Segurança Nacional”, é a desculpa formal). Se as políticas terráqueas tiverem algum significado nas esferas celestes é bom ficar a saber que este mês, a Agência Espacial Chinesa e o Comité das Nações Unidas para os Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA) anunciaram uma parceria que permitirá aos cientistas de Países membros das Nações Unidas a realização de experiências e o envio de astronautas para a estação espacial chinesa, a partir de 2020.
Gostei do que li. A escritora que há em mim começou logo a brincar com as palavras e a criar metáforas alusivas à situação. Dei comigo a pensar que, de facto, a China por tradição procura identificar os territórios situados entre a ciência e o pensamento. A propósito, vale particularmente a pena mencionar dois clássicos da literatura.
O Guia das Montanhas e do Mar (山海经), de autor desconhecido. A maioria dos teóricos defende que esta colecção de 18 livros não foi escrita por uma só pessoa. O mais provável é ser a mais antiga colaboração colectiva, uma espécie de wikipédia da altura, que permitia que as pessoas comuns fossem acrescentando conteúdos ao longo dos anos, possivelmente desde a Dinastia Xia (2070 – 1600 AC) até à Dinastia Jin (265-420 DC). As ilustrações dos textos são a parte essencial da obra. Porque a mentalidade chinesa não procura construir e apresentar teorias precisas, o Guia vale sobretudo como um dos primeiros livros de pintura. Apresenta uma panóplia de criaturas míticas oriundas de uma cosmografia única e muito antiga; fantásticos encontros com aliens têm lugar em montanhas, rios, ilhas e mares alienígenas, num cenário decorado por plantas e minerais exóticos. Ao contrário dos seus congéneres europeus, do mesmo período medieval, as criaturas do Guia não são tratadas como figuras alegóricas, mas sim como entidades reais inseridas na paisagem e, é preciso salientar, este manual era originalmente um guia para viajantes. Contem algumas passagens indecifráveis que podem ser lidas como literatura nonsense, ou será que eram resultado dos efeitos de uma curvatura do tempo-espaço?!
Por puro acaso, – ou se calhar não, quem sabe? – em Abril, Stephen Hawking abriu uma conta no Weibo, a versão chinesa do Twitter. Para estabelecer contacto com os internautas chineses, Hawking utilizou uma das minhas histórias favoritas de sempre, que pertence a um outro clássico, Mestre Zhuang 庄子. Hawking escreveu “Mestre Zhuang sonhava transformar-se em borboleta – talvez por ser um homem que amava a liberdade. Eu posso sonhar com o Universo e depois ficar a pensar se o Universo sonha comigo.” Hawking comunicou com sucesso as suas dúvidas sobre a forma como a realidade se abatia sobre um antigo filósofo e cosmologista chinês, ligando a filosofia oriental e a ciência ocidental de uma forma contemporânea e não hierárquica. Conseguiu reunir mais de um milhão de seguidores, logo nas primeiras horas. Actualmente a sua base de fãs já atingiu os 3.4 milhões. Um fã chinês respondeu-lhe e falou sobre uma nova teoria do design que o levava a concluir que o Universo na sua globalidade é uma espécie de borboleta.
Master Zhuang é provavelmente a minha melhor descoberta de sempre dos antigos clássicos.

Julie O’yang
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