Viver que nem um Pachá?

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á uns bons anos atrás alguém, de quem não me lembro o nome mas que seria um dos braços direitos de Lawrence Ho, dizia-me que “daqui a uns anos o entretenimento vai ser o grande negócio”. O City of Dreams ainda não estava construído mas já naquela altura, por via dos estudos que tinham feito em Las Vegas, percebiam que, mais tarde ou mais cedo, o entretenimento iria ser fundamental na equação dos complexos casineiros.
Nestes quase 15 anos que levo de Macau, pertenço ao grupo daqueles que mais tem lamentado a falta de uma vida nocturna em condições, urbana, moderna, com opções variadas e música decente. Quando cheguei ainda existia o saudoso Signal, obra do incontornável Suki Lor, responsável pelo lançamento de vários Disc Jockeys locais e por aquele espaço fora de série. Mas a debandada lusa pós 99 acabou com os clientes nocturnos e o Signal estiou. Depois disso, tem sido o deserto, excepção feita às festas mais ou menos privadas que iam acontecendo aqui ou ali. Lembro-me quando apareceram os bares do Lago Nam Van, também. Ia ser a “Lan Kwai Fong de Macau”, garantiam os promotores na altura. Viu-se. Agora ainda não se percebeu muito bem o que será, com a epidemia de “criatividade comportada” que assolou a cidade, não colocaria as minhas fichas todas no assunto. Mais tarde ainda apareceu o Sky 21, um local com todas as condições para ser um dos bares mais destacados na Ásia, mas que depois de um início extremamente prometedor acabaria por se transformar na actual “Taberna da Bela Vista”, onde jogos de futebol durante os grandes campeonatos internacionais e música de péssimo gosto em regime constante fazem parte da oferta. Os tempos foram andando e até o próprio grupo de Lawrence Ho começou por prometer (em vão) com o lançamento do Bar do Altira para depois nos trazer uma coisa chamada Cubic que, bem… enfim…
Mas lá está, são hotéis, têm hóspedes e mercados, fazem o que precisam para eles. Mas uma cidade internacional, como tantas vezes Macau diz pretender ser na voz dos seus principais líderes, não pode ficar refém de hotéis e precisa de uma vida nocturna animada, evoluída e diversificada onde a regra não sejam selecções musicais de terceira categoria ou bandas de que ninguém se lembra o nome e que normalmente animam muito mais quando poisam os instrumentos e desligam os microfones. “Ah mas isso são tiques de estrangeiro”, dirá alguém. Quando alguém diz isso proponho-lhe que visite Pequim, Xangai, até Zhuhai ou Shenzhen e evito, propositadamente, referir Hong Kong.
Com a pressão do quotidiano em alta na cidade que um dia foi “laid back”, cada vez mais as pessoas precisam de desopilar sem ter necessariamente de acabar em locais de mau álcool e mau gosto ou a pagar preços árabes por um copo de qualquer coisa.
Além disso, quando se pretende desenvolver as indústrias criativas tem de se entender que uma cidade com criativos precisa de zonas de lazer públicas com opções a preços normais. Grande parte da criatividade surge na interacção, na discussão, nos copos, à noite.
Recentemente, grupo de Lawrence Ho também nos trouxe o Pachá que, quer se queira quer não, é um clube de primeira e finalmente alguma coisa mudou. É claro que o prestígio depois nota-se nas bebidas (pela hora da morte e não particularmente bem servidas) mas finalmente temos um clube de nível mundial em Macau. O problema é sair caro pois os residentes não estão aqui de férias, a menos que comecem a dar-nos desconto, tipo jet foil. Não era má ideia, hein pessoal do Pachá?…
Por lá, nestas últimas semanas, tivemos de uma assentada Paul Oakenfold e Afro Jack, entre outros que por ali passaram antes, mas também devo realçar o apoio que o Pachá tem dado aos DJs locais com presenças assíduas “à mesa”, essencial para manter viva a chama da terra.
Fui ver os dois. Oakenfold foi uma sombra de si próprio. Começou bem mas depois levou-nos para aqueles corredores estreitos e tortuosos da EDM (Electronic Dance Music, uma designação para mim abusiva pois, para os menos avisados, pode parecer que se refere a toda a música de dança electrónica, mas não é, acreditem, é apenas um subgénero de má catadura) e acabou com meia dúzia de festeiros na pista, mas foi importante perceber que o cota está vendido e acabado nestas lides e mais vale dedicar-se à produção que tão bem fez ao longo dos anos para ver se deixa de precisar da EDM para pagar a renda.
Afro Jack foi outra coisa completamente diferente. Com uma actuação muito bem produzida a tirar máximo proveito das características da sala, leia-se ecrã da cabine e o fabuloso sopro de ar fresco que jorrava inclemente sobe a pista acompanhado de fumo inodoro (excelente) sempre que a música chegava a um clímax. Sala cheia, jardim cheio, energia no máximo.
Já estivemos mais longe de ombrear com outras cidades de relevo mas ainda não chega. É sempre bom ter-se uns Rolls Royce à disposição como o Pachá, mas a massa crítica não será criada se não existir uma zona de entretenimento, pública, gerida por pessoas com vistas largas, urbanas e não por tasqueiros de bairro sem a mínima sensibilidade. Porque o que está a faltar nesta equação é a cidade. Não nos podemos reduzir ao que os hotéis fazem ou deixam de fazer. A cidade tem de estar presente com as suas próprias opções de entretenimento popular. Provavelmente já não será a zona do Lago Nam Van, talvez nem as Casas da Taipa porque quando os governos se imiscuem demasiado nestes processos dá invariavelmente barraca ou saem locais inócuos que funcionam apenas para a fotografia e aparatos oficiais. No entanto, para já mantenho-me positivo e expectante. Todavia, se os meus piores temores se confirmarem, é preciso pensar onde vamos ter a nossa zona de bares, música e esplanadas, pois a vida criativa e salutar não é possível sem uma vida nocturna diversificada e de qualidade. Um lugar de referência, livre de espartilhos, que atraia os locais e os de fora, que junte comunidades e nos permita refrescar não só as goelas mas principalmente as ideias.

Música da Semana

“Modern Love” David Bowie (1984)

“(…) I know when to go out
And when to stay in
Get things done [spoken]

I catch a paperboy
But things don’t really change
I’m standing in the wind
But I never wave bye-bye

But I try
I try

There’s no sign of life
It’s just the power to charm
I’m lying in the rain
But I never wave bye-bye

But I try
I try (…)”


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