Um país para a velhice

86 mil pessoas com mais de 100 anos de idade vivem no Japão, dizem as estatísticas oficias de 2021. São mais de 6 mil pessoas centenárias a acrescentar às que viviam no país no ano anterior, continuando um ciclo de 51 anos de crescimento contínuo e ininterrupto deste grupo etário cada vez mais importante na sociedade japonesa. Ninguém nasceu no século 19 mas a cidadã mais velha do país (e do mundo) já completou 118 anos – nasceu em 1903, o ano em que os irmãos Wright conseguiram pela primeira vez fazer voar um avião sustentado por motor adequado.

88% destas pessoas são mulheres, o que de alguma forma reflecte estilos de vida mais saudáveis, mas também desigualdades sociais persistentes e consequências económicas ainda mais nefastas: o mercado de trabalho japonês é tradicionalmente – e ainda hoje – largamente dominado pela presença masculina, as mulheres são largamente minoritárias, têm pouco acesso a cargos de chefia e direcção e peso muito maior nos trabalhos precários, temporários, de curta duração ou de salários mais baixos. Ainda que os níveis de educação tendam hoje a equilibrar-se, o papel da mulher continua a ser relativamente subalterno, com uma pressão cultural e civilizacional que impõe uma sistemática dedicação ao lar, aos cuidados da casa e da família, mesmo quando se têm qualificações universitárias.

Os salários que normalmente se praticam, diga-se, têm alguma relação com esta forma de organizar a sociedade: são bastante altos, assumindo que se tem que cobrir o custo de vida, não de uma pessoa, mas de uma família. Este evidente anacronismo também tem consequências sobre serviços sociais: por exemplo, não se encontram serviços de limpeza doméstica e são escassas as opções para se deixar bebés em creches ou jardins escola. Não é só a questão da fraca natalidade: é também a implícita responsabilização das mulheres em relação a este tipo de cuidados, que dispensa a generalização da sua prestação pública.

De resto, os modelos dominantes de organização do trabalho no Japão são altamente penalizadores da vida familiar. As jornadas de trabalho são desnecessariamente longas, alimentando uma tradição de permanência no local de trabalho enquanto o chefe aí estiver, independentemente da necessidade efectiva de lá estar. Em resultado, o Japão é o país com mais baixa produtividade entre os membros do chamado G7 e a produtividade do país está abaixo da média da OCDE, num nível surpreendentemente semelhante aos da Lituânia ou da República Checa, francamente abaixo da Espanha e ligeiramente acima de Portugal. Neste milénio, segundo estudo da OCDE, a produtividade das actividades industriais japonesas tem crescido bastante menos do que a média observada entre os membros desta organização de países desenvolvidos, enquanto a produtividade dos serviços tem até diminuído no Japão. Naturalmente, as disparidades salariais têm-se agravado em função destas diferenças, com importante prejuízo para as mulheres, que trabalham maioritariamente no sector dos serviços.

Os longos períodos diários de permanência no emprego – a que frequentemente se juntam longas deslocações entre a casa e o trabalho (é perfeitamente aceitável gastar 3 ou 4 horas por dia nestas deslocações nas grandes metrópoles) naturalmente restringem fortemente a vida familiar – e também, já agora, o desenvolvimento de iniciativas culturais e criativas que dependam da presença de público. Acresce ser comum as empresas e organizações com actividade em várias zonas geográficas imporem a quem lá trabalha mobilidade entre diferentes estabelecimentos, eventualmente em diferentes lugares, sem necessidade de acordo ou sequer consulta prévia. No caso de quem tenha família, esta mobilidade implica uma deslocação colectiva que não tem em conta motivações, preferências ou actividades – profissionais ou outras – do resto da família (com as inerentes mudanças de residência, escolas das crianças, círculos sociais, etc.).

Este conjunto de circunstâncias coloca ainda hoje as mulheres japonesas num lugar de grande desvantagem nos mercados de trabalho, mesmo para as que decidem dar prioridade às suas aspirações e motivações profissionais em vez de assumirem o lugar tradicional de cuidadoras da família. Para as que se dedicam ao lar, cria-se naturalmente uma relação de absoluta dependência económica – e até social – em relação ao marido e ao seu contexto profissional. Talvez esse afastamento do nefasto ambiente de pressão produtivista e competitiva dos sistemas económicos contemporâneos tenha efeitos positivos sobre a saúde e contribua para aumentar a longevidade das mulheres, que de resto têm presença largamente maioritária entre a população centenária. Mas acabam por implicar frequentemente uma velhice com dificuldades económicas, já sem o sustento antes garantido pelo emprego dos maridos e agora dependente de um sistema de pensões bastante menos generoso do que é comum observar na Europa.

Além do envelhecimento populacional que a fraca natalidade impõe, a população do Japão está também a diminuir. Na realidade, a taxa de natalidade japonesa é hoje comparável à alemã, dizem as estatísticas, mas a população estrangeira que migra para a Alemanha é largamente superior à que se desloca para o Japão, um país tradicionalmente mais fechado, não só por razões geográficas, mas também por razões culturais ou políticas. Em 2021, a população com idade entre os 15 e os 65 anos representou pela primeira vez menos de 60% do total da população japonesa. A escassez de mão de obra e a relação entre o número de pessoas reformadas e as pessoas em idade activa são problemas sociais e económicos que se colocam com uma gravidade no Japão que em outros países ainda não se conhece. A pobreza entre estas mulheres idosas num dos países mais desenvolvidos do mundo é um deles.

18 Mar 2022

Alzheimer

in memoriam patris, José Augusto Caeiro

[dropcap]A[/dropcap]demência está na minha família. É herança do lado do pai. A minha avó morreu com demência senil em estado avançado. Vivi com o meu avô nos últimos oito anos da sua vida e também o vivi degenerar, mas não ao ponto a que a avó chegou. Portanto, é dos dois lados que vem o testamento. Lembro-me de que se falava de arterioesclerose, mas era demência, loucura. Cedo o meu pai teve medo de que lhe pudesse caber o mesmo destino. Com “cedo” quero dizer logo após a morte de sua mãe. Tinha à época a minha idade, pouco mais de cinquenta anos. Decorava páginas e páginas do dicionário, que depois invocava em passeios a pé de Alvalade, até onde ia de meio de transporte, até casa, na Junqueira em Alcântara. Punha-se sempre desafios à memória a que sempre respondia com sucesso. Eu nunca tive a memória do pai. Para ele, cada pessoa tinha um nome de que se lembrava. Conhecia as ruas de Lisboa por tu e os nomes próprios ou pelos quais são conhecidas. Ia diariamente à Cinemateca ver filmes, sem nunca descurar a ficha técnica, que lia e aprendia de cor. Lia os jornais diários, sempre dois. Mania que deve ter preservado do tempo em que havia jornal de manhã e à tarde. Por mais que ficasse comprovado que a memória dele era excelente, o medo de ficar como a mãe não atenuara. Houve sempre uma sombra que aumentou de volume e de negrura. Era com horror que sentia a loucura já dentro de si, a demência, o Alzheimer, seja lá como for designado o eclipse do espírito, o esquecimento, a perda de identidade que resulta da lembrança das pequenas coisas: como alguém se chama, qual o nome da rua, quem dá nome a uma rua.

O esforço de preservar a memória não era cognitivo apenas, nem resultava de uma resistência a um quotidiano com buracos, furos, lacunas, para que fosse preenchido. Era outra coisa. Era o medo de perder identidade pessoal. O desconforto de não se lembrar de um nome depressa se espalhou como um fogo exposto ao vento. Passa a ser um déficit de diversas ordens: cognitivo, sim, mas também com deficit de acuidade de atenção, desorientação no espaço e também no tempo.

Numa das saídas do Corte-Inglês de Lisboa para o Metro, revelou um desnorteamento total. É difícil perceber qual a entrada do Metro, mas não para alguém que estava habituado a ir lá ao cinema durante tantos anos e também a apanhar o Metro. A partir de determinada altura, era difícil dar com locais habituais, como restaurantes. Dava-se o caso de se lembrar das zonas de Lisboa percorridas por Eléctricos, já desactivados. Queria saber onde era a paragem de Eléctrico, quando já não existiam sequer carris. Chegou sempre, mas não conseguia reconstituir o caminho, nem sabia há quanto tempo tinha saído de casa. A hora da saída estava envolvida numa nebulosa que invadia também o local por onde passava. Tudo era como um sonho. Não sabia mesmo como chegava.

Houve um dia que fui envolvido pela atmosfera pessoal do meu pai. Era um nevoeiro espesso. A presença desse clima era amplamente justificada ou assim me parecia. Às sextas-feiras o pai juntava-se a um grupo de amigos para jantar. Daquela vez, eu também ia. Era em Alvalade num restaurante conhecido. Fomos de autocarro até à praça de Londres e depois fomos a pé, porque não conseguíamos apanhar nenhum táxi ou outro meio de transporte. Chovia e já estava escuro. Lá fomos até Alvalade. Quando me dirigia para o interior do bairro, o meu pai disse que não era aquele, mas outro, também de dois irmãos. Subi a norte de Alvalade. Fui dar a bairros onde nunca tinha estado na vida. Acreditei piamente no pai. Segui-o. Depois de uma boa hora, achei que devia ligar para os amigos, coisa que não tinha feito ainda, porque estava absolutamente convencido de que o pai sabia o que estava a fazer e para onde ir. Percebi logo, à conversa com um dos amigos, que estávamos muito longe e que o sítio era onde eu inicialmente achava que era. O surto tinha durado muito tempo, tempo demasiado para não dar conta de que havia uma clara deterioração das condições mentais. As perdas e o desnorteamento em Lisboa eram por demais evidentes para não serem percebidas com alarme. Nunca mais as coisas foram diferentes e tudo se precipitou em pouco tempo, muito pouco tempo, em direcção à ruína. Um dia mais tarde, saiu às 17h00 para fazer tempo até ao jantar, ia à Mexicana. Pelas 21h00, recebo um telefonema de um amigo do pai à procura dele. Sai em pânico, para o ir buscar, calcorreando o que achava que podia ter sido o seu caminho. Em direcção à Mexicana, como se ele ainda lá estivesse. De casa, recebo um telefonema a dizer que o pai tinha aparecido. Procurar um pai em Lisboa, andar à pergunta de uma pessoa cujo paradeiro é desconhecido é qualquer coisa. Tudo é resistente, nenhum sítio é o que nos permite encontrar alguém e todos os sítios são sem esse alguém, sem ninguém, sem aquela pessoa que queremos encontrar. Se uma casa ficar revirada à procura de chaves e de óculos, a cidade fica inerte, nada diz na sua mudez, onde alguém se encontra. Ninguém nos ajuda.

Tudo é vazio. É um vazio cheio de um nada insuportável. Não sei como conseguiu chegar a casa por sua alta recriação. Não consegue explicar como se perdeu ou não se lembrava de que tinha um jantar ou onde era o restaurante do jantar. Um segundo episódio, ainda mais complexo, ocorreu. Os meus pais viviam a pouco menos de mil metros da CUF de Belém. A mãe manda-o para casa, enquanto ia aviar uma receita à farmácia. O pai foi numa direcção completamente diferente. Apareceu nas Docas de Alcântara sem saber como ou o que lá terá ido fazer. Ainda conseguiu dizer a um polícia que estava perdido. O polícia chama um táxi que o leva à morada que entretanto estava à vista na carteira. Foi o pânico enquanto não aparecia. A mãe não se apercebia do estado em que estava, mas eu sabia perfeitamente que o pai não podia ser deixado só em nenhuma circunstância, nem mesmo a pouco menos de um Km de casa.

Tomei a minha decisão de não o deixar andar só e de lhe cercear a sua liberdade individual. Ainda me dói. Não o fiz só por ele. Fi-lo para o ter debaixo de olho, sob a minha alçada. Um dia a minha mãe pergunta-me onde estava o pai, porque não estava em casa. Tinha ido à CGD actualizar a caderneta. Nem tempo tive para me angustiar. Era sempre assim: medo de que se perca, medo que seja roubado ou espancado ou atropelado, medo indefinido, um medo indeterminado: o medo.

Vivia em casa dos pais, para o que desse e viesse. Senti-a o pai atrás de mim, à espera para irmos passear. Parecia um menino de colégio com um bibe e uma pasta à tiracolo. Não dizia nada para não perturbar o que quer que eu estivesse a fazer ao computador. Depois, olhava para ele e dizia-lhe: “vamos embora?”. Comprava-lhe dois jornais a meio caminho entre casa e o café onde íamos. Íamos e vínhamos a pé, para ele andar. Era assim que gastávamos a manhã. Depois de almoço, ia dar aulas. Encontrava o pai sempre sereno, excepto no último ano umas duas vezes, em que esteva “com a neura”. Íamos ver o rio Tejo, o sol a pôr-se, adivinhar o Atlântico. Depois era jantar e recolher para a cama. Esperava sempre que fosse tranquila. Vezes sem conta acordava, tomava duche e fazia a barba, tudo na mesma noite. Dizia-me: “sabes que gosto sempre de tomar banho e de fazer a barba”. Pressentia-o sempre atrás de mim. Ficava sem dizer nada, para não me desconcentrar. Depois pedia-me para pesquisar qualquer coisa na internet: o nome de uma canção ou de um actor. Ouvíamos Andy Williams ou Sinatra de quem ele tanto gostava.

Lembro-me de ver o meu pai a caminhar na avenida da Índia. Estava sozinho. A figura de um velhinho pouco agasalhado a andar por ali sozinho num sábado de manhã, assola-me. Eu passava de carro também para ir para casa, porque não fui eu ter com ele, naquele dia? Eram só mais umas horas de convívio. Ah! que falta me fazes, ainda que nunca te apagues, enquanto eu for vivo.

15 Fev 2019

Velha Vagina

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]amos falar sobre a velhice, sobre ser-se velho e ser-se mulher: quando a vagina sofre de securas, quando os afrontamentos são constantes, quando a menstruação pára de aparecer mensalmente. O envelhecimento da nossa sexualidade não é de fácil compreensão porque está envolta em muitas falsas concepções e expectativas. Ora porque os velhinhos não são sexuais, ora são desinteressados, ora são ‘xéxés’ de todo.

A menopausa durante muito tempo esteve sob o paradigma médico como uma ‘doença’, uma falha grave dos órgãos reprodutores, e não como um processo natural de desenvolvimento. Ora isto traz alguns problemas à partida: se há uma história que lida com a velhice de forma patológica, que esperança temos nós de percebê-la de outra forma? O que nos têm tentado convencer é que a menopausa pode ser ‘curada’ ou ‘revertida’, nomeadamente, com tratamentos hormonais. Estes tiveram o seu pico nos anos 70 (pelo menos nos Estados Unidos), e a sua utilização prolongou-se até os anos 90, mesmo que trouxessem riscos (há quem diga altos) de acidentes cardiovasculares. Hoje em dia, apesar de não ser um tratamento popular, a retórica continua a mesma, o que quero dizer com isto: ainda se tenta ‘curar’ a menopausa com tratamentos. O que não é descabido de todo porque de facto há alterações no corpo da mulher que são extremamente difíceis de gerir. Recomenda-se, contudo, cautela e tacto, para não perpetuar a noção de que a sexualidade feminina saudável deve ser equivalente a uma vagina jovem e roliça – porque isso só faz com que o corpo envelhecido seja visto como não-saudável, e doente.

Claro que o cerne da questão está na visão heteronormativa e clássica do sexo, i. e., de que a penetração pénis-vagina é a única combinação possível (e digna) de sexualidade. De bem verdade que uma boa velha vagina pode sofrer alterações de forma a que penetração vaginal se torne mais dolorosa. Mas não limita a imaginação de criar outras possibilidades de sexualidade das quais os nossos corpos e as nossas mentes se possam sentir confortáveis. O que frequentemente acontece é que nós ficamos tão presos à ideia de que outras formas de sexualidade não são sexo de verdade, que a visão distorcida da velha (doente) vagina é, por vezes e infelizmente, inevitável. Espero que estejamos todos de acordo que são necessários mecanismos sociais para desfazer esta estupidez. Porque a velhice, essa sim é inevitável, agora como escolhemos vivê-la é que depende totalmente de nós – se soubermos que existem outras possibilidades.

Os media são importantes nesta dinâmica, por exemplo: há uma deliciosa série norte-americana com a septuagenária Lily Tomlin e a octogenária Jane Fonda que tenta fazer isso mesmo, ao explorar o mundo sexual na terceira idade. Seja porque são necessários produtos sexuais para a mulher madura, como lubrificantes adequados ou vibradores, ou porque explora a possibilidade de ‘recomeçar’ a vida íntima numa idade avançada.

Mas falar da sexualidade na velhice (e aos desafios é eles associados) sem falar da obsessão social pela juventude é descontextualizar por completo o problema. Idadismo – neologismo que nem todos os dicionários reconhecem – preconceito que tem como base a idade. Parece que no mundo ocidental andamos afectados com a tendência de julgar as velhas vaginas e os velhos pénis, na generalidade, como incompetentes. Ora, num mundo de desenvolvimento tecnocientífico, que tem aumentado a esperança média de vida, e com uma clara tendência de envelhecimento demográfico, urge uma nova visão sobre a velhice, e já agora, sobre o seu sexo.

6 Jun 2018

Crises

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]inguém gosta muito da ideia de que está a envelhecer. A determinada altura das nossas vidas recusamos aniversários porque são a lembrança de que estamos a contabilizar anos nos nossos ossos, músculos e pele. A meia idade talvez seja dos momentos mais difíceis: lembramo-nos que a melhor metade das nossas vidas já se foi e que a próxima provavelmente será de declínio. Daí que haja um momento de profunda confusão onde o passado e o futuro se encontram, que é como quem diz, a ‘crise de meia idade’.

As consequências para a forma como nos vemos sexual e romanticamente, são tremendas. Vemo-nos menos desejáveis e, sexualmente, começamos a encontrar outro tipo de obstáculos ao prazer pleno, inerentes ao envelhecimento do corpo. Estes são normais momentos de transformação física e psicológica que têm que ser trabalhadas de forma individual ou em casal. Muitas vezes os divórcios coincidem com estas alturas – Por alguma razão será, não é? As nossas identidades têm que se ajustar a uma realidade do envelhecimento… numa sociedade que preza o culto da juventude. Ninguém ensina ninguém a envelhecer graciosamente, a sociedade ensina-nos que temos que controlar a corrida do tempo de todas as formas possíveis.

Tanto os homens como as mulheres nestas condições de meia-idade, e particularmente, no estatuto de recém-solteiros, começam a perceber que não é tão fácil engatar. As mulheres temem confirmar que a sociedade já não as acha bonitas como antigamente e os homens procuram desesperadamente provar que ainda têm controlo das suas vidas amorosas e sexuais. Eu sugiro que as tentativas de adaptação serão diferentes dependendo do género a que nos referimos. Por uma questão prática, e não factual, vamos pôr uns homens num saco estereotípico e as mulheres noutro.

A crise de meia idade masculina vai ter a minha particular atenção. As tentativas de lidar com uma auto-estima estilhaçada passam por comprar carros desportivos e ‘experimentar’ coisas novas. Coisas novas que passam por fazer novos piercings, começar frequentar saídas nocturnas e dançar ao som do novo milénio, com os mesmos passos de dança dos anos 90. E sim, esta é uma fase de vida que já foi gozada vezes sem conta na cultura popular, mas se me permitem o tom pessimista, acho muito triste que a ansiedade e depressão sejam alimentadas pelo simples reconhecimento de que ninguém vai para novo. O envelhecimento é um facto irrefutável da condição humana, que se tentarmos lutar contra ele, o resultado será longe de positivo – vai ser destrutivo. Entretanto aturamos as dificuldades psico-emocionais de alguns homens que não conseguem olhar para os desafios da outra metade da vida de forma saudável.

Ora, todos nós passamos por momentos difíceis, mas estas crises mostram-se particularmente relacionais e desenvolvem-se nas expectativas dos papéis de que homens e mulheres desempenham. Se me permitem a queixa, homens com quase 50 anos que procuram jovenzinhas para puderem saciar os desejos de juventude é um cliché daqueles que já me irrita. A semana passada tive a oportunidade de explorar a ideia de que o amor não escolhe idades e acredito genuinamente nisso. Mas também sei que certas dinâmicas relacionais dão espaço para perpetuar estas ‘crises’, particularmente masculinas, que evitam agarrar pelos cornos a ideia de que estão a ficar mais velhos, mais feios e mais flácidos. Mas se há quem consiga viver em negação é o homem que consegue seduzir mulheres mais novas. Não há nada como a fantasia de que o tempo na verdade não passa, e que a continuidade ou descontinuidade desta dimensão, é irrelevante.

6 Jul 2017