Carlos Morais José VozesValores asiáticos [dropcap]A[/dropcap]lguma inteligência americana criou o conceito de “asian values” (valores asiáticos), atribuindo-lhe sobretudo características autoritárias, não somente ao nível do tipo de governação mas estendendo esse autoritarismo a outras áreas da sociedade como as relações familiares, por exemplo, ou mesmo as económicas. Assim, por oposição aos “western values”, que incluem a democracia liberal, mercado livre, direitos civis, etc., os valores asiáticos seriam hoje “o inimigo”. Simples, não? E está arrumado o assunto. Estaria não fosse a aborrecida realidade não dar corda à ideologia. “Ásia” vem, ao que dizem, do assírio “asu”, exportado para o grego, e quer dizer leste. Portanto, para os gregos, Ásia eram as terras que ficavam para leste, cuja extensão era desconhecida e cuja monstruosa dimensão começou a ser entendida depois das conquistas de Alexandre que, lembremo-nos, nem sequer passou os Himalaias. Estas montanhas, aliás, marcam a fronteira entre culturas radicalmente diferentes, podendo-se argumentar que existe uma Ásia aquém e outra além delas. Como existem civilizações radicalmente diferentes no chamado Médio Oriente islâmico ou nas ilhas do Sudeste Asiático. De facto, o que terá a Jordânia a ver com o Japão é difícil de detectar… Resumindo: não há uma Ásia como não existem os “valores asiáticos”. No nosso afã de tudo entender, tendemos em dividir em dois, criar oposições no nosso pensamento e na nossa moral porque assim nos é mais fácil pensar e existir. Ficamos é sem perceber nada disto e fazemos gigantescas mistificações sobre o que consideramos Outro. Depois, constantemente, foge-nos a boca para o ódio e o disparate.