Tânia dos Santos VozesPorque é que se faz sexo? [dropcap style≠'circle']E[/dropcap]ste pedaço de texto apresentar-se-á como um desabafo – porque existem pessoas altamente competentes, i.e., com doutoramentos e essas oficializações de inteligência e de respeito, que poderiam falar das sua disciplinas de forma diferente. Tenho a impressão que a ciência e as suas várias disciplinas desenvolvem ideias bizarras sobre os humanos e o comportamento, e tentam de alguma forma comunicá-las ao mundo de forma nua e crua. Um dos problemas teóricos nunca resolvidos é… porque é que se faz sexo? Não há respostas claras para isto, do ponto de vista da evolução. Porque aparentemente, não há vantagem em termos sexo – copular a dois para trazer filhos a este mundo. Sempre pensei que a variabilidade genética fosse a causa principal para nos termos tornado seres sexuais em vez de assexuais e de reprodução por mitoses sucessivas. Parece que não é bem assim, por isso vieram agora com a explicação que talvez seja o contacto com os micróbios e na criação de resistência a agentes estranhos. Mas também não se tem a certeza – e sobre a evolução é difícil ter a certeza porque não estávamos lá para assistir. Estas são apenas algumas explicações de porque é que há milhões de anos atrás viemos todos de seres unicelulares que se desenvolveram em seres que nós somos hoje. Se traz alguma coisa para o sexo de hoje em dia? Tenho sérias dúvidas. Mas há quem ache que sim, e que insiste em trazer estas dúvidas teóricas de quando éramos coisas, possivelmente, sem consciência, para os problemas do sexo hoje em dia. Afinal, porque raio é que fazemos sexo? Se pensarmos no comportamento humano como resultado de impulsos meramente biológicos embrulhados em algum conteúdo social, então sim, porque é que ainda nos incomodamos com esta prática de troca de fluídos? Os algoritmos da natureza e da evolução estão a ser utilizados para a evolução computacional e é bastante interessante ver que a nossa ‘estratégia sexual’ não é utilizada de todo. Isto é, o sexo não vale de nada para o mundo dos computadores – e se os computadores que têm o potencial para serem mais inteligentes que nós não precisam de sexo, a pergunta continua a insistir, porque é que nós ainda precisamos? Vou dar uma explicação ateórica, fruto de introspecção – é que eu fico mesmo incomodada quando explicam a nossa humanidade de forma tão mecanizada e oportunista. Nós, ao contrário dos robots, temos uma caixa negra dentro do nosso crânio que aprendeu que o sexo é bom, prazeroso e, quiçá, romântico. Também aprendemos que o sexo é socialmente difícil de ser trabalhado, e que se rege por perspectivas e práticas muito distintas, fruto do que nós somos e gostamos de ser. Freud, o menos mecanicista de todos, envolveu o sexo em tanto mistério que lhe atribuiu a responsabilidade da nossa saúde e bem-estar. Nós já não temos sexo com a desculpa de ter bebés, nós temos sexo porque procuramos prazer e intimidade. Para os que se identificam como sexuais – excluindo os assexuais – o sexo é um veículo pessoal e social para nos descobrirmos e ao(s) outro(s). Acho que não digo nenhum disparate quando me atrevo a julgar o sexo como quasi-transcendental, e isso os computadores nunca saberão o que é.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAssexual [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a biologia, a assexualidade é um conceito que designa uma reprodução dependente de um único interveniente, cada indivíduo é capaz de se auto-reproduzir. Mas este conceito não se estende à sexualidade humana, como devem calcular. Não há grande biologia que permita a criação de vida sem o envolvimento de um óvulo e de um espermatozóide. Por isso, não é sobre essa assexualidade que resolvi escrever. Refiro-me à assexualidade única e exclusivamente humana, que tem características distintas. Como qualquer outro conceito sexual, a discussão sobre a assexualidade e a forma como se define é complexa, mas a maioria tende a concordar que se trata de uma orientação sexual. Há quem prefira homens, mulheres ou ambos, mas há quem também prefira nenhum dos anteriores. As pessoas que sentem atracção sexual por nada nem ninguém e, por isso, não têm vontade de ter sexo, identificam-se como assexuais. Todos os outros serão definidos como sexuais, com preferências distintas, especialmente em relação ao género com quem se querem envolver. Assexualidade tem ganho alguma atenção social, académica e legal pela forte aposta na divulgação de uma orientação sexual que tem sido silenciada ao longo dos anos, por várias razões. Talvez passasse despercebida porque em tempos era desejável não mostrar/praticar o que o desejo sexual de cada um ditava. Mas hoje em dia, em certas sociedades hipersexualizadas, uma orientação que evita o sexo pode soar estranho. Por isso muitas questões ficam a pairar: qual será a diferença entre assexualidade ou alguma disfunção sexual? Será que a assexualidade é uma orientação sexual? Será uma escolha? De que forma assexualidade se relaciona com amor? Como sabemos quem é assexual ou não? Entender a assexualidade de forma a não cair no erro de a julgar uma disfunção ou uma forma de celibato tem sido a temática de muitos ensaios. Celibato exige uma escolha de não querer envolver-se no acto sexual, enquanto que uma disfunção afecta o desejo e performance, mas não a atracção sexual per se. Em ambos os casos há espaço para fantasias, e são situações que podem ser provisórias – bem tratas caso seja uma disfunção, ou decididas em contrário, caso seja celibato. A assexualidade não é uma condição que possa mudar ao longo do tempo, tal como ninguém ‘deixa’ de ser heterossexual ou homossexual só porque sim. A etiologia desta orientação não é clara (tal como nenhuma orientação sexual o é), que dificulta a entender as nuances destas diferenças. A verdade é que indivíduos assexuais até podem envolver-se em relações sexuais, podem sentir amor e querer investir num relacionamento a longo prazo, e podem masturbar-se, apesar de o fazerem numa regularidade mínima. Como poderiamos esperar, existe uma grande diversidade de vivências que se encaixam no ‘guarda-chuva’ da assexualidade. Há ainda classificações como demisexual ou gray-assexual que incluem um espectro de experiências entre assexualidade e sexualidade. Demisexual são aqueles que só conseguem sentir atracção sexual por quem sentem grande intimidade, e definem-se pelo sentimento e não pela acção (por vezes não se chega a vias de facto) enquanto que gray-assexuais poderão sentir esporadicamente atracção, apesar de ser comum não o identificarem de forma clara. As comunidades e movimentos que se comprometem a educar todos os interessados sobre o que a assexualidade é, como por exemplo The Asexual Visibility & Education Network (www.asexuality.org/), ajudaram a definir uma identidade para os que não se sentiam dentro dos padrões ditos ‘normais’ e, assim, contribuiram à necessidade de reconhecer (em todas as áreas da nossa vida) uma forma de identificação sexual entre outras minorias sexuais. Facilmente nos deparamos com um largo espectro que não depende de uma definição estanque (e isto acontece em todas as direcções, sexual ou assexual), e que exige complexos processos identitários. Estes termos/conceitos/categorias são importantes, não porque estão a explorar as biologias ou fisiologias da ausência de atracção, mas diferentes sexualidades que necessitam de ser entendidas. Precisamos de nos entender a nós próprios e aos outros, e isto é especialmente necessário quando as expectativas heteronormativas relacionais, sexuais e familiares tentam (estupidamente) ser prescritivas da normalidade. O normal é o que nos faz bem, é o que nos faz feliz, é o que é fiel aos nossos desejos e vivências. Assexual é normal, tal como sexual o é.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesGenitália [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s monólogos da vagina tornaram-se numa peça de extrema importância nos anos 90 porque a divulgação da condição vaginal (feminina) era necessária. Necessária na altura, e necessária ainda hoje. Cada vez mais as vulvas e as vaginas são expostas teórica e praticamente para melhor entender o lado lunar, ou o lado feminino. Dos genitais do sexo feminino podemos falar sem parar – há uma série de crónicas que falam daquilo que todos nós já deveríamos saber, mas tínhamos demasiado medo de perguntar. Homens, mulheres e todo o espectro por igual. Como é toda uma zona por vezes escondida por um arbusto negro, mas até mesmo quando totalmente descoberta, o mistério reina a sua caracterização. Qual é o aspecto normal de uma vulva? Qual é o seu cheiro? Porque saem umas coisas esquisitas da vagina? Se formos explorar as profundidades inconscientes que a vagina suscita, facilmente deparamo-nos com uma imagem suja. Daí que haja uma perspectiva hiper-higienizante do órgão sexual feminino. Por isso temos que limpá-lo continuamente com a gama de produtos detergentes existentes. Os duches vaginais que nos tentam ser incutidos são mais problemáticos do que saudáveis. Aliás, os anúncios a pensos higiénicos mostram que são desenhados para manter esta limpeza incolor e livre de cheiros. Isso só mostra um grande desconhecimento em relação ao que se passa ali em baixo. A vagina tem um sofisticado sistema de auto-limpeza e sabe cuidar-se de si própria, mas tem as suas particularidades. Se não soubermos que são normais, nunca seremos capazes de aceitá-las. O mesmo se passa com o aspecto físico da vulva. É tão desconhecida ao ponto de todos saberem desenhar um pénis e ninguém saber desenhar uma vulva. Nunca se viu uma vulva escrevinhada na porta de uma casa de banho pública, por exemplo. Sendo desconhecida, ninguém sabem muito bem ‘o que é normal’ e acreditam que certas especificidades vulvares podem ser atípicas. E assim as labioplastias crescem em popularidade como nunca. As mulheres agora recorrem a cirurgia plástica para aperfeiçoar as suas vulvas ao reduzir o tamanho dos lábios menores e maiores – ainda que ninguém saiba o que é que a normalidade aparenta. Mas se soubéssemos que as diferenças anatómicas são desproblemáticas, talvez esta necessidade exacerbada de controlo corpóreo fosse menos acentuada. Como se fosse extremamente simples de lidar com a questão – coisa que nunca é! Se há mulheres a reduzir o tamanho dos seus lábios genitais, há outras a aumentá-lo. Manualmente! Puxam-se os lábios vulvares porque acreditam que é visualmente estimulante e que aumenta o prazer sexual. Uma prática em países da África subsariana. Como não é muito fácil ‘olhar’ para os genitais femininos de uma perspectiva pessoal sem ajuda de um espelho, o auto-conhecimento é dificultado no processo, em combinação com todo o nosso bem conhecido tabu do sexo. Vivemos numa sociedade tão dependente de imagens e da sua estética que não será de admirar que a vulva também seja alvo de alguma expectativa de beleza, mesmo que seja totalmente desconhecida. Não que o pénis não seja alvo de alguma expectativa também, especialmente de tamanho. Mas é que no caso das mulheres, tratam-se de expectativas de uma zona do corpo que já temos dificuldades de aceitar de qualquer forma. Acrescentar-lhe uma exigência que tende a retirar muito das suas características (como a labioplastia), reflecte o quão problemática é a relação entre a vulva e o mundo. Sejamos honestos, os órgãos genitais não são espectacularmente bonitos – mas podem sê-lo se houver algum cuidado e dedicação em aceitá-los, exactamente como são. É claro que não quero ignorar condições patológicas que atrapalham o nosso bem-estar e a nossa vida sexual. Há cenários onde o tamanho dos lábios menores da vulva pode ser causa de desconforto e se for esse o caso, um aconselhamento médico é recomendado. Mas acho que a nossa obsessão estética deve ter limites, se já vivemos como escravos de expectativas de beleza inatingíveis é muito ingrato que uma vulva sofra de tal pressão. Há muitos projectos que tentam divulgar a diversidade vulvar para percebermos que a normalidade não é um conceito estanque. Muito menos quando vemos tendências para lábios mais reduzidos e outras tendências para lábios aumentados. Interessam-nos vulvas felizes, despreocupadas e positivas. Fica aqui a dica: labialibrary.org.au
Tânia dos Santos Sexanálise VozesConversando [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão vivemos no mundo dos contos de fadas, dos finais felizes ou dos desejos realizados. Das duas uma, ou engolimos sapos ou conversamos sobre as coisas até chegarmos a um acordo sobre o que queremos. Com o amor e o sexo passa-se a mesma coisa, nem sempre vemos acontecer aquilo que queremos que aconteça. Entretanto, muitos corações partem-se e muitos relacionamentos deixam de existir – mas outros se calhar precisam de ser melhorados. O aconselhamento matrimonial/de casal/sexual está constantemente a exigir mais e melhor comunicação entre as pessoas. Mas o que é que isso quer dizer? O que é que quer dizer comunicar melhor? Depois de um dia de trabalho intenso e cansativo, chegamos a casa perto do nosso mais que tudo e não pensamos conscientemente sobre esta questão comunicativa. A comunicação simplesmente acontece, quer queiramos ou não. Em momentos de tensão esta comunicação parece refugiar-se no véu da introspecção e da individualidade. Enganamo-nos se pensamos que nada passa cá para fora. E não há nada de errado com isso, ter maus dias e ter dias de stress é normal. Estes obstáculos emocionais são normais. Eles podem ser a causa (ou consequência) daquilo que sentimos como pessoas, enquanto casal ou enquanto pessoa em sociedade. Tal como as dores de crescimento, estes momentos de tensão são necessários ao desenvolvimento de um relacionamento mais forte, mais seguro, mais profundo connosco próprios e com os outros. Num relacionamento temos que lidar com o dupla problematização entre o indivíduo e o colectivo que é uma daquelas coisas chatas e difíceis de conseguir. A solução simples a ser sugerida é a boa comunicação, a complicada, é praticá-la. Uma boa comunicação não é debitar tudo aquilo que pensamos sem qualquer filtro. Boa comunicação sugere uma abertura e honestidade que está em sintonia com o que o outro pode receber, digerir e assimilar. Não me interpretem mal, não estamos totalmente à mercê do outro, mas o outro tem que ser considerado. Se a comunicação não é dialógica, trata-se de um monólogo. Vamos por um exemplo, imaginem uma terrível incompatibilidade sexual. Vocês engatam, dão beijinhos vão para a cama e a coisa corre verdadeiramente mal. Mas talvez se pudessem falar sobre isso a coisa poderia melhorar, se a linguagem corporal não conseguir veicular a mensagem, talvez umas palavras conseguirão. O que dizem? ‘Olha, isto não correu muito bem, o que podemos fazer para melhorar?’ Soa tão diplomático, não soa? Mas poucos o fazem porque é muito pouco romântico. Resolver problemas não é romântico ou sexy, é chato porque é muito real. Quem é que aguentaria encontrar o amor da sua vida e perceber que ele afinal não sabe proporcionar um bom cunnilingus? Ele pode aprender! Mas se não derem a entender que a tarefa não está a ser bem desenvolvida, ele nunca saberá que há espaço para melhorar. ‘A falar é que a gente se entende’ pode soar a cliché mas é talvez das condições mais necessárias para uma vida amorosa e sexual feliz. Ninguém lê a tua mente, ninguém sabe como lê-la, por isso é melhor explicar o que se passa na tua cabeça. Eu percebo que ‘falar’ sobre dificuldades não seja muito divertido, mas pode ser. Sugiro que tentem incluí-la saudavelmente na vossa vida sexual. Se tiverem sessões temáticas do tipo, a noite BDSM, brincadeiras marotas na banheira, o dia do coito ao ar livre, porque não, o sexo das dúvidas. Um dia programado para mexer no corpo um e do outro e reagir em tempo real, falando abertamente sobre o que gostam e não gostam. Se sentem as bochechas a corarem só de pensar em tamanha honestidade, podem planear uma sessão de dúvidas às escuras, o que interessa é que experimentem com o à vontade que o sexo tão precisa. Sem ofender ninguém! É preciso ter tacto. Dizer ‘o teu sexo oral é terrível’ faz com que o ouvinte se sinta envergonhado e pode fazê-lo fechar-se ainda mais à discussão. Não esquecer de dizer as coisas com jeito e pensar na sinergia, afinal, o sexo é a dois (ou a mais) e não é de responsabilidade isolada de um ser. Não é o outro que simplesmente não tem técnica de língua, o que recebe é que também não gosta muito da forma como é feita. Isto para reforçar que o melhoramento sexual não é universal – não há uma técnica universal na cama. O que funciona para uns, não funciona para outros. Daí a importância da dinâmica criada entre o casal. Os dois é que juntamente criam o seu universo sexual, as suas fantasias e desejos. O sexo é partilha, quando bem comunicada.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO sexo dos pandas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s pandas são muito preguiçosos para se envolverem numa actividade sexual. Eles só dormem, comem e julgam qualquer outra actividade para além das suas possibilidades. Julgam-nos assexuados, detentores de uma libido baixíssima. O recorde de envolvimento sexual vai nos 7 minutos e 45 segundos, quando a média é normalmente de 1 minuto. Quando é que eles vão conseguir finalmente procriar? Ninguém sabe. Já é difícil o suficiente saber quando é que uma panda fêmea está a ovular, que normalmente dura uns 3 dias por ano. Uma janela de possibilidade estreitíssima para podermos garantir a continuação da espécie. Como o habitat natural do panda está em risco, os preocupados na matéria viram-se obrigados a levar pandas para serem tratados em cativeiro. A partir do momento que os pandas se viram no ambiente artificial de zoológico, a sua libido caiu ainda mais, sendo por isso muito difícil fazer com que os pandas procriem nestas condições. A criatividade e o desespero dos cientistas e dos seus tratadores fizeram com que aparecessem soluções verdadeiramente originais, uma delas é a pornografia – pornografia de pandas. Com o auxílio de uma televisãozita, obrigam os pandas a verem outros pandas na sua performance sexual. Como devem calcular a eficácia deste tratamento é duvidosa, mas há quem julgue o contrário. Os pandas, como fofos e amorosos que são, têm todo o planeta a torcer pelo seu sexo, custe o que custar. Nós queremos mais pandas bebés! Mas prova-se uma tarefa difícil. Os estudos recentes começam a perceber que, porque estes animais estão em cativeiro, há certos processos naturais de ‘corte’ e namoro que se tornam impossíveis. No habitat natural eles têm a possibilidade de deixar dicas de desejo, através de uns gritos aqui e ali, e de deixar cheiros a sinalizar a chegada do cio. Acima de tudo, os pandas têm mesmo que gostar do parceiro para se envolverem com ele. Sim, sim, há quem o chame de amor ou simplesmente desejo, mas eles precisam de uma ‘ligação’. Quando nós achávamos que os pandas não podiam ser mais adoráveis, eles tornam-se ainda mais adoráveis! Não fossem eles o símbolo da maior instituição de protecção animal e ambiental. O que provavelmente não sabiam é que a China pratica frequentemente a diplomacia do panda – os pandas estão directamente envolvidos na criação de laços internacionais por todo o mundo. Basicamente, desde os anos 50 que os pandas eram usados como oferenda comum a zoológicos de muitos países, contribuindo para o bom relacionamento político. Agora o serviço já não é tão gratuito. Os pandas são ‘emprestados’ por períodos de 10 anos pela módica quantia de 1.000.000 USD por ano. Para além de que todos os bebés que nascem destas aventuras para além fronteiras são indiscutivelmente propriedade chinesa. Mas como já devem ter percebido, ter bebés não é coisa que aconteça muito regularmente. E se acontecer, irá aparecer no telejornal das 8. O sexo dos pandas é como o sexo dos anjos, um mistério ainda por resolver. Na sua tentativa de ser ‘verde’, esta luta pela procriação do panda gigante continua a contribuir às tão generosas oferendas que vêm a fortalecer ligações diplomáticas – mas ainda não sabemos que desenvolvimento terá. A China tem a fama de não ter uma posição clara em relação às estratégias externas utilizadas. Com discursos e acções que contribuem para uma visão múltipla de posições, ficamos na expectativa do que é que vem para aí – muitos mais pandas, provavelmente. Pandas que nos presenteiam com a sua fofura e simpatia, capazes de derreter corações por onde passam, mas que têm muita dificuldade em ter sexo. O que vale é que os pandas são criaturas divertidíssimas. Com uma sexualidade desastrosamente trapalhona, ainda podem deleitar-se com os vídeos que foram apresentados como incentivo ao sexo dos animais algures online. Não é por acaso que este é um animal com fãs por todo o planeta. Nem é por acaso que os pandas são os embaixadores de uma China repleta de fofura.
Tânia dos Santos Sexanálise Vozes-ismos [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á uma tendência para definir o ‘outro’, de um contexto cultural distante, como sofredor do mal machista ou misógeno, com consequências potencialmente dramáticas como o feminicídio (essa palavra tão em voga estes últimos dias). Julga-se que a misoginia é mais comum na Ásia, no Médio Oriente (se quisermos generalizar ao medo muçulmano vigente) ou na América Latina. As secções ocidentais ditas ‘civilizadas’ não sofrerão de forma alguma com preconceito e o ataque contra mulheres. E sim, estou a ser sarcástica. ‘As mulheres têm o poder de fazer tudo o que quiserem’; ‘Já há igualdade de sexos’; e etc. são comentários comuns. Em países ditos desenvolvidos e em contextos urbanos, parece que é normal julgarmos que mais nada há a fazer pela igualdade de género. Mas enquanto nos ocupamos a apontar o dedo a burkas, niqabs e hijabs, esquecemo-nos de olhar para o nosso umbigo ‘civilizado’. Temos como exemplo a brilhante performance do candidato à presidência dos EUA (como é que deixaria passar as presidenciais americanas sem um único comentário?) que nas últimas semanas tem sido acusado de assédio sexual por várias mulheres. Sem nunca esquecer os seus comentários nada tímidos ao facto da sua oponente ser uma mulher – ofensas a rodos para todas aquelas que são detentoras de uma vagina. Há um filme polaco absolutamente brilhante sobre um cenário futurista onde só existem mulheres (e dois homens aparecem para criar o caos no mundo exclusivamente feminino). Muita gente acha que ser feminista é isso mesmo, tornar esse mundo utópico real, e estar numa posição radical de extermínio masculino ou da masculinidade. O pessoal fica preocupado porque se julga pôr em causa uma estrutura que tem sobrevivido milhares de anos – desde a antiguidade clássica. Contudo, estudos recentes revelam que em sociedades mais antigas que as greco-romanas, a igualdade de géneros era algo… natural. Leram bem, a desigualdade parece que não está de todo associada a condições biológicas distintas. A desigualdade aparece com a ajuda de processos de uma complexidade bastante maior: processos bio-psico-sociais. Chego a pensar se o preconceito não estará somente na mulher em si, mas em tudo o que se julga representar a mulher. Se a violência doméstica é um problema sério para as mulheres deste planeta, pode sê-lo para os homens também, mas torna-se muito mais difícil de ser denunciado. Conhecem-se casos de homens que vão à polícia fazer queixa e que em vez de receberem ajuda, são gozados por não serem ‘homens’. O problema, por isso, não é julgarem os homens superiores a tudo, mas por julgarmos a ideia de homem – forte, inteligente, racional, prático – o valor máximo da condição humana. E não permitir, assim, as formas que se julgam exclusivamente femininas (mas que tanto homens como mulheres poderão expressá-las) dignas de respeito – ou encará-las como funcionais para lidar com os vários problemas das nossas vidas. Basta pensar em mulheres em lugares de chefia, somos remetidos automaticamente a uma mulher de características masculinas, porque assim a julgamos capaz de levar com o seu trabalho a bom caminho. Normalmente não há espaço para lamechices ou vulnerabilidades, ou do que normalmente se encara como feminilidade. Esta dicotomia de valores, que mais fazem lembrar o ying e o yang daoista, não deixará de existir se persistirmos nesta luta feminista. Tenta-se, sim, lutar contra uma associação de posicionamentos intrinsecamente positivos ou negativos de uma e outra. Há uma grande diferença entre assumir a diferença e hierarquizar a diferença (e atrevo-me a sugerir uma reflexão sobre a diferença em todas as áreas das nossas vidas, não só as de género). O problema é que este é um exercício mais difícil na acção do que no pensamento – mas o meu optimismo acredita que devagarinho somos capazes de chegar a um lugar melhor. Pelo fim do feminicídio, pelo fim da violência. Nem uma menos. Ni una menos.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesÀ procura de refúgio [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ada um de nós, em alguma altura das nossas vidas, precisou de refúgio. O pedido de asilo – o pedido de ajuda – seja por razões socio-políticas, geográficas ou simplesmente emocionais, é um acto de coragem por si só, porque ninguém gosta muito de se mostrar vulnerável. O refúgio dá-nos casa, conforto e segurança, onde podemos ser aquilo que queremos ser – aquilo que verdadeiramente somos. Nestas coisas do sexo, o refúgio é um lugar importante para as múltiplas identidades sexuais. Vivemos em sociedades de conservadorismo sexual com alguns laivos de progresso e onde identidades e práticas ‘diferentes’ são vistas de lado. Se procurarem em humansexmap.com vão ver como cada um de nós tem grupos de pertença de acordo com aquilo que gosta (por mais estranha a actividade vos pareça), criando então um mundo de fantasias onde há espaço para todas e todos, com todas as suas manias. Se no sexo há espaço para tudo, no mundo também deveria haver espaço para todos. A questão dos refugiados que está neste momento tão em voga pode não ter que ver directamente com sexo, mas certamente que tem implicações. Fala-se sobre questões de direitos humanos, de protecção, de cuidado dos que mais necessitam, misturando variáveis como religião, género ou idade. Se a crise dos refugiados que a Europa agora enfrenta (sobre a qual se comporta vergonhosamente) parece um assunto distante e incompreensível, tentem pensar nas vossas vidas, nas vossas necessidades diárias de amor, carinho, sexo ou simplesmente, condições de higiene básicas. Fazem falta a todos. Pior será perceber que esta crise tem alimentado esquemas de tráfico humano que exploram as mulheres e crianças que vieram à procura de um lugar sem guerra – um refúgio. Os testemunhos de quem passou por campos de refugiados contam histórias de mulheres a serem violadas, de partos mal acompanhados ou de cesarianas onde o período de pós-operatório é no chão, ali mesmo, onde têm que dormir todos os dias acompanhadas de terra e às vezes lama. A procura por um refúgio é um direito universal, ainda que teoricamente. Temos uma história onde (em retrospectiva) aprendemos que temos que salvar os justos e castigar os monstros e o refúgio é um lugar de direito, onde algo como a solidariedade pode ser praticada (esse raro acto de altruísmo!). Mas se for verdade o que um grande amigo e professor sugeriu, o sexo é um reflexo de quem verdadeiramente somos. Assim podemos perceber se somos altruístas, possessivos, brincalhões, sérios ou simplesmente aborrecidos em pleno acto, revelando a nossa ‘essência’. Para além do coito ter o potencial de ser um puro acto de amor e o amor estar inerente à condição humana. A ausência do amor, contudo, em assuntos como este, de alta preocupação internacional, continua a deixar-me perplexa (muito porque eu sou o fruto de manias hippies nascidas há 60 anos atrás). Falta amor no dia-a-dia. Decidi, por isso, que esta verborreia semanal teria que vir a exigir um refúgio, pelos refugiados de anos e anos que precisam de espaços de segurança e que insistem em não aparecer. Precisava deste exercício de vocalização pela insatisfação ao mundo, pela ignorância do sexo, pela ignorância do que é experiência do outro e pelo contínuo desentendimento do que é solidariedade ou amor. Um refúgio, caramba, será assim tão difícil de o criar? Refúgios que não sejam tendas encafuadas sem condições, mas um porto seguro de gentes hospitaleiras. Mas nem sempre é claro saber o que podemos nós fazer. Eu vivo no verdadeiro tormento de não perceber como. Contudo, se formos relembrados que as fronteiras são ténues e que quem as reforça somos nós, até pelo comum mortal que vai para o trabalho todos os dias e que se sente despojado de qualquer capacidade de controlo. Sim, somos nós que criamos as fronteiras do sexo, que criamos pré-conceitos sobre o outro e que os confirmamos, cegamente, com as notícias, com o que se fala no café, com o que se fala entre amigos. Temos direito a um refúgio e o dever de o criá-lo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA Revolução Digital [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e já ponderei sobre o futuro do sexo em artigos anteriores, talvez fosse útil falar do sexo no presente, o presente altamente digital, electrónico e cheio de gadgets. Não me refiro a revoluções no sexo per se, apesar da pornografia online e de fácil acesso ter um papel importante na sexualização de muitos por ai, mas tem contribuído para a forma como as pessoas se conhecem e se relacionam. Comecei a constatar (e julgo que muitos concordarão) que é difícil conhecer pessoas novas quando se é adulto. Antes andávamos na escola e na universidade, com pessoas diferentes a entrar e a sair e tínhamos a possibilidade de criar uma maior rede de conhecidos. Mas quando chegamos a uma idade onde as redes sociais estão mais estagnadas, pior ainda, quando decidimos migrar e começar novas amizades do zero, os maiores de idade encontram grupinhos de amizades já feitos e uma maior dificuldade em socializar com pessoas diferentes. Normalmente, procuram-se pessoas através de hobbies e outras actividades para encontrar possíveis amigos ou parceiros românticos com gostos similares aos nossos. E agora temos disponíveis outras estratégias. As saídas à noite sempre foram um seguro veículo para encontrar uns beijinhos, uma ida para a cama com companhia, talvez para encontrar o amor e talvez para encontrar um relacionamento. O álcool, as luzes que piscam incessantemente e a música alta tem sido os facilitadores para uma ‘noite de sorte’. Agora existem aplicações para facilitar esta nossa ‘sorte’ possibilitando um tiro mais certeiro para uma noite de divertimento. As novas apps romântico-sexuais aproximam estranhos improváveis através de gostos pessoais, critérios de personalidade ou, simplesmente, o aspecto físico. As possibilidades são muitas dependendo do objectivo, seja uma noite de loucura até um relacionamento sério. Temos o Tinder, Grindr, Bumble, Happn, Siren, Hinge… Tudo para todos os gostos – e para todas as orientações sexuais. As histórias dos utilizadores destas plataformas são mais que muitas. Para além das aplicações mais recentes que são utilizadas maioritariamente por um público mais jovem, os solteiros mais velhos já tinham começado a usar sites para encontrar o amor das suas vidas. Não há, ou pelo menos não deveria haver, estigma por usar estes facilitadores amorosos. Eles têm contribuído para histórias com finais felizes – que têm continuado com casamentos felizes. Contudo, o potencial viciante destas aplicações fez-me pensar sobre como as pessoas passam a ser encaradas e como se começam a relacionar. Em relação a uma aplicação como o Tinder (as outras também são muito similares), aquele movimento do dedo para a esquerda e para a direita na ânsia de encontrar um ‘match’ única e exclusivamente através do aspecto físico de um tipo ou de uma tipa, por mais divertido que seja (porque o é), traz que consequências? A superficialidade do conceito faz-me lembrar uma ida ao supermercado com toda a mercadoria exposta e pronta a ser escolhida. A aplicação em si não é tão dramática, mas sinto que traz a sensação de que relações humanas são descartáveis – que depende de uma fotografia e do quão giro és – e se não resultar, há muito, mas muito mais, por onde escolher. Usar o Tinder e outras aplicações que tais não é mau nem desaconselhado – pode ser mesmo muito divertido – mas deve ser ajustado às expectativas de cada um e usado com sensatez. O mundo digital romântico rege-se por normas que ainda não foram totalmente exploradas e onde homens e mulheres trazem esperança, desejos e pré-concepções que não se ajustam com a de muitos outros. Se há pessoas no Tinder à procura de amor verdadeiro, há outros que procuram uma one night stand. E tem que haver, acima de tudo, respeito pelo outro. Mas como uma discussão sobre aplicações (e sites) de procura romântico-sexual é um assunto que traz pano para mangas, e porque ainda nem sequer tive tempo de me debruçar sobre women firendly apps – para a semana há mais.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO consumo responsável na cama [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mania, que não é bem mania, mas a saudável tendência de começar a explorar produtos mais naturais para o corpo e a mente, tem ganho alguma popularidade. As pessoas agora procuram produtos ecológicos, recicláveis, saudáveis, biológicos e ‘verdes’. Depois de uma era industrial onde tudo era feito da forma mais lucrativa, independentemente de custos pessoais e ambientais, vivemos numa altura onde já há alguma consciência e regulamentação. Já podemos comprar do bom e do melhor – e do menos tóxico. Apercebi-me recentemente, contudo, que ainda não há regulamentação na produção de brinquedos e acessórios sexuais (!) e que, a produção de dildos, vibradores ou até de lubrificantes está parada no tempo. Falo-vos de algo que é como a idade da pedra industrial, onde as coisas são feitas da forma mais barata, sem cuidado com a toxicidade e perigo de uso. Isto é problemático: os brinquedos sexuais que são tão encorajados para a exploração sexual saudável, podem ser nocivos para a saúde. Os malfamados ftalatos (= phthalate) são dos perigos número um. Essa substanciazinha é normalmente adicionada a plásticos para contribuir à elasticidade, transparência, durabilidade e longevidade, muitas vezes utilizada em vibradores para tornar o plástico ‘mais confortável’ e mais atraente. Mas as evidências de que os ftalatos são tóxicos são mais que muitas, e facilmente se encontram nos brinquedos sexuais que vão parar aos nossos recantos mais sensíveis, e bastante propícios a doenças e traumas. Como não há regulamentação, não podemos confiar num vibrador que diga ‘isento de ftalatos’ porque 7 em 8 vibradores que foram testados pela Greenpeace, chumbaram no teste. Os efeitos são cumulativos (cancerígenos), mas há situações onde o mal-estar é instantâneo – ao ponto de ficarmos com as nossas partes de baixo a arder de desconforto. Como ainda há alguma vergonha em admitir o uso de tais acessórios, uma ‘defesa do consumidor sexual’ também está por desenvolver. Porque, vejamos bem, quem é que se atreve a devolver um dildo por causa de ardor? São raras as pessoas que voltariam às sex shops com reclamações ou a verbalizar insatisfação do produto. E muito honestamente, acho que são poucos os que sabem que esta falta de regulamentação tem consequências tão absurdamente nefastas. Os ftalatos são só a ponta do iceberg das problemáticas de produção. Também há questões sobre a porosidade do plástico, quanto mais poroso, mais recantos as bactérias têm para se esconder e maior propagação de doenças – e por isso é sempre importante usar preservativos como protecção e fazer uma limpeza cuidada dos brinquedos. Também os lubrificantes vaginais e anais deverão ser cuidadosamente escolhidos. Se pensarmos que a vagina, especialmente, esse micro-clima super sensível com um pH ideal e uma flora vaginal estrategicamente desenvolvida para sua protecção, pode ser desequilibrada por uma panóplia de produtos e substâncias – muitos lubrificantes têm cheiro, por exemplo, o que quer dizer que têm açúcar e que é um banquete para muitos fungos vaginais. Há lubrificantes que ainda têm parabenos, substâncias que já foram proibidas em muitos países da Europa. A lista de problemáticas é extensa e não irei falar sobre elas em detalhe, mas recomendo leituras para um entendimento mais extenso. Vale a pena. Este é mais um aviso para quem está a pensar encher a sua despensa sexual para fazê-lo bem informado. Porque apesar de haver muitos produtos não controlados, existem lojas e sites que já são sensíveis a estas questões e que são organizadas por comunidades informadas e que promovem o uso de brinquedos sexuais não tóxicos, procurando fábricas, marcas e comercializadores com a mesma preocupação. Se querem uma sugestão de nicho de mercado aqui está: comecem uma linha de produtos sexuais ecológicos, recicláveis, saudáveis, biológicos e ‘verdes’. Os consumidores agradecem. #nontoxicsextoys
Tânia dos Santos Sexanálise VozesNa praia com o preconceito [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]orque ainda estamos nos meses de Verão, e porque muitos ainda se despem e se banham em praias paradisíacas, não podemos deixar de falar do que aconteceu ainda no nosso querido mês de Agosto, desta vez, no sul de França. O que é que aconteceu na praia no sul de França? Medidas um tanto ou quanto xenófobas. E o que isso tem que ver com sexo? Tem muita coisa – especialmente com o género e o corpo feminino. Ideologias ditas democráticas e liberais ditam que a mulher não tem que esconder o seu corpo. Deve ir à praia despir-se o mais possível – as mais aventureiras mostram a barriga ou as maminhas – mas o que importa (supostamente) são as normas progressivo-europeias que permitem as mulheres tomarem controlo das suas decisões corpóreas. Contudo, parece que é extremamente difícil perceber o que é liberdade de expressão e de que forma as mulheres se podem sentir empoderadas com o seu corpo: a fórmula não é aplicável a toda e a qualquer pessoa. Não é universal a ideia de que uma mulher só é emancipada quando se sente no direito e no à vontade de se despir – nunca é assim tão simples. Refiro-me à parvoíce que foi quando o burkini foi proibido nas praias do sul de França. Eu ainda dou a mão à palmatória porque o ataque em Nice não foi há muito tempo e as pessoas estão com medo. Mas essa é só a reacção inicial – mentes que pensam rapidamente chegam à conclusão que a generalização religioso-racial de profundo preconceito não traz vantagem nenhuma à sociedade. Aliás, ódio e atitudes estigmatizadoras é tudo de bom para o Daesh, porque de alguma forma precipita processos de radicalização – mas não entrarei por aí. O que foi verdadeiramente chocante foi a forma como a polícia de choque, equipados de metralhadora e com caras de mau, andava a patrulhar as praias e a multar mulheres, por estarem vestidas demais. Porque já houve o tempo quando a polícia andava a multar e a ridicularizar as pessoas que estavam vestidas de menos: voltámos a um tempo antigo demais, onde a liberdade de expressão é estrangulada pelos conservadorismos de muitos. Diz a criadora do burkini que as vendas têm atingido níveis nunca vistos, por isso, pelo menos, a proibição fez com que esta peça de moda de praia tenha aumentado em popularidade. Nas várias entrevistas realizadas acerca do que se passou em França, a criadora Libanesa-australiana tem insistido que a peça deveria ser um símbolo de diversão, bem-estar e fitness. Oferecendo a flexibilidade de vestuário que a mulher muçulmana tanto necessitava para se mexer como quer e fazer o que quer. Mas o ocidente gosta de contrariar as formas (criativas) que as pessoas arranjam para serem elas próprias e definirem a sua identidade. Para quem acha que usar um hijab, um niqab ou uma burka e, agora, um burkini é obrigatoriamente um sinal de uma mulher extremista, desengane-se, e sugiro muita calma nesses pré – conceitos. Estas são mulheres que querem ir à praia, tranquilamente, e que querem usar algo que as faça sentir bem. Repito: são diversas as formas de empoderamento: podes estar nua ou tapada da cabeça aos pés, depende de cada um. Não foi há muito tempo que as mulheres chinesas começaram a moda do facekini, uma visão bem mais assustadora (tipo, Jason do Sexta-feira 13 a ir à praia), com o simples propósito de proteger a pele facial do tão indesejável sol. Totalmente legítimo, mas ainda bem que nenhuma desgraçada teve a feliz ideia de usá-lo nestas praias patrulhadas a favor de exposição solar! Acho que teria confundido o esquadrão de serviço. O mais incrível é que este tipo de políticas discriminatórias não contribuem para absolutamente nada, só para irritar as pessoas e não permitir as mulheres muçulmanas de ir à praia. Vai parar a radicalização? Não. Vai parar com a repressão feminina? Não. Vai parar com a estupidez humana? Nunca.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAsfixia [dropcap style≠’circle’]À[/dropcap]s vezes sentimo-nos asfixiados, por várias razões. Levamos uma vida que asfixia a nossa criatividade ou o nosso prazer. Tentamos ser humanos e tentamos inserirmo-nos nas normas bem estabelecidas, nas normas que deveriam guiar o nosso pensamento e a nossa acção. Asfixiamo-nos a nós próprios e, com sorte, apercebemo-nos quando ainda não é tarde demais. Há sempre qualquer coisa a asfixiar-nos, com o trabalho chato, com o patrão que é pouco razoável, com as memórias que nos atormentam, com os traumas que não desaparecem, com os filhos que choram e não percebemos porquê. Asfixiamos a nossa sexualidade porque tentamos ser normais, ou às vezes asfixiamo-nos mesmo, literalmente. A asfixia erótica ou (autoerótica) tem os seus primeiros registos no século XVII quando se começou a reparar que homens condenados à forca tinham muitas vezes uma erecção no momento da morte. O mecanismo de supressão de sangue ao cérebro estimula sensações de prazer e facilitadoras do orgasmo e, por isso, houve quem usasse a técnica de asfixia para o tratamento de disfunções erécteis. Mas não só, os curiosos do sexo experimentavam-no sozinhos e acompanhados. Mas atenção que este fetiche (que é considerado uma parafilía) pode levar à morte acidental. Para um adepto de bondage, a ideia de ter alguém a apertar o seu pescoço é excitante o suficiente, os outros praticantes dependem da questão fisiológica: a asfixia erótica pode ser tão viciante como a cocaína. Orgasmos exaltados pela ausência de sangue no cérebro. Desconfia-se que a primeira morte acidental por asfixia erótica tenha sido de um homem que, de facto, pediu assistência profissional para levar a cabo a experiência – uma prostituta de uma Londres de alguns séculos atrás – mas que gostou tanto que decidiu continuar, mesmo depois de ela ter-se ido embora. Sozinhos somos menos capazes de travar o que é que seja que provoque a asfixia. Estima-se que acidentes desta natureza sejam frequentes, mas nem sempre são identificados. Para os adolescentes que são encontrados mortos com os órgãos genitais em mão e pornografia ao lado, a família tende a ‘limpar’ o cenário, para que a sua última imagem não seja tão sexualizada. Mas a asfixia pode culminar das mais variadas circunstâncias – talvez vinda de um campeonato europeu de futebol? São jogos futebolísticos que para além de causadores de stress, não permitem o oxigénio circular livremente no corpo. Uma tensão (e asfixia) não erótica, no verdadeiro sentido do termo, mas potencialmente sexy. Jogadores a correrem de pernas ao léu de lá para cá, de cá para lá, com o calor do verão a fazer-nos transpirar que nem porcos, mas a guinchar de excitação. Chutos e pontapés mal dados que fazem saltar um batimento cardíaco, acoplados de sorrisos que nos fazem ter esperança… A asfixia pode ser tanta coisa, na prática e no conceito. Contudo, só pode ser exercitada com cuidado (muito cuidado), e às vezes com algum entusiasmo. Nos últimos dias desta pobre alma que vos escreve, a asfixia tem sido a descrição básica diária. Mas, quem poderia adivinhar? Portugal ganha o Campeonato Europeu de Futebol e parece que nada mais importa. Na asfixia quotidiana e (ocasionalmente) sexual, o alívio de ter um orgasmo prevalece, e aquela soneca pós-coito impõem-se, como sempre, com sonhos de vitória. Depois de doze anos a suster a respiração pelos 11 (mais pelos jogadores e menos pelos milhões), já podemos respirar de alívio. Já se alcançou o objectivo, já vimos os meninos jeitosos a abanarem os bícepes sem camisa. O orgulho da diáspora Portuguesa exaltou-se! Usam-se camisas vermelhas e verdes, ou ‘verde bebés’. A expansão e a retracção de oxigénio mal explicada pelo futebol, contribuí para a popularidade do jogo, onde se usa uma bola (e não duas). Especialmente, enquanto analisava asfixia erótica ( assuntos sérios!) – algo aconteceu em Paris que deixou o pessoal contente, até a mim. Dedico, por isso, o que é que seja de sexo, ao futebol de Portugal. A asfixia fica para a próxima.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesQueres beber café comigo? Não? [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ão-de ter reparado na inundação na imprensa internacional do caso da ‘mulher inconsciente’ e do seu agressor, Brock Turner, e do caso da menor brasileira que ‘engravidou de mais de 30’, pelas palavras dos estupradores. O consentimento sexual não parece estar no vocabulário destas pessoas. No Brasil começa-se a falar da cultura do estupro. Uma cultura que não condena o abuso sexual. Um grupo de 33 homens violou uma menor de 16 anos no Rio de Janeiro e o caso veio a ser descoberto porque alguns desses homens gravaram cenas e postaram-nas nas redes sociais. Sem medo de represálias. Num grupo de 33 homens ninguém achou anormal ou estranho o que se estava ali a passar. Os vídeos gravados mostram o corpo semi-nu de uma jovem inconsciente, enquanto que eles se punham em posição de selfies e faziam comentários jocosos. A reacção pública foi diversa, mas muitos sugeriam que certamente que a jovem fez alguma coisa para merecer aquilo. Quem manda usar mini-saia? Quem manda ser sensual? Quem manda ser mulher? O entendimento vigente do que pode ser considerado uma violação ou uma relação sexual consentida perde-se em difusas interpretações onde as mulheres continuam a ser desconsideradas. A culpabilização da vítima continua a ser a estratégia mais utilizada para proteger e perpetuar a hegemonia masculina. Os casos são tantos que já irrita. Como é que duas raparigas são assassinadas no Equador por resistirem uma violação e ainda assim foram culpabilizadas, por, talvez, terem usado calções curtos? Como é que um puto de 19 anos foi apanhado no acto de abusar uma mulher inconsciente e não foi automaticamente de cana? Como é que 30 homens julgam uma violação colectiva perfeitamente aceitável? Como é que só muito recentemente se percebeu que uma violação é uma violação, mesmo em contexto matrimonial? Como é que uma juíza pode ignorar uma queixa de violação porque ‘a vítima é uma mãe adolescente, por isso claramente tem tendência para o acto’? O que é se passa com as pessoas? Como é que no século XXI, o século do futuro, da inovação e do progresso, tudo isto ainda aconteça? O instinto sexual não é uma micção urinária, não é inevitável. Não se descontrola ao ponto de mijo escorrer pelas pernas abaixo. Sexo não é um direito pessoal, uma afirmação categórica nem uma obrigação. O estímulo, o impulso e o acto não têm uma ligação directa, imediata e inevitável. Não há vestido sexy no mundo que sugira uma violação, nem álcool (demais ou de menos) que preveja um abuso. Mas mesmo assim o corpo da mulher é percebido como um objecto, e para essa concepção contribuímos todos. Não se trata de um homem isolado de mente disruptiva e comportamento desviante. Os media, os tribunais, os juízes e a população em geral perpetuam princípios onde só os homens brancos estão no topo da cadeia (cadeia hierárquica, god forbid se fosse a prisão). Todas as fotos publicadas do Brock Turner, o agressor sexual de um caso na universidade de Stanford que tem corrido muita tinta, mostram-no de carinha laroca, de cara inocente, sorridente e angelical. Foi julgado com seis meses de prisão porque ‘não tem antecedentes de actos agressivos’, como se todos os agressores sexuais não tivessem começado com um primeiro acto, sem antecedentes. Até o pai do agressor escreve ao juiz a pedir-lhe que uma carreira tão promissora (sim, porque o menino estava numa universidade da liga ivy com uma bolsa de desporto) não fosse destruída por ‘20 minutos de acção’. Acção essa que não foi consentida, com uma mulher inconsciente atrás de contentores. Mas o que é que isso interessa? Como é que interessa a forma como este rapaz destruiu a vida desta rapariga? Como a fez sentir-se humilhada, como a obrigou a ter que se defender em tribunal dos ataques de um advogado de defesa que insinuava um ‘historial potencialmente promíscuo’? Porque a defesa é assim, a escrutinar o possível consentimento que ela poderá ter dito quando inconsciente, mas que nunca existiu. O consentimento sexual não deveria ser um conceito complicado de entender. Queres beber café comigo? Não. Talvez. Silêncio absoluto. Estas são as opções que sugerem não consentimento. O consentimento implica iniciativa absoluta, até ao final. Se vocês já estão na cafeteria e já pediram o café, ambas as partes ainda estão no direito de o recusar. Imaginem o estranho que seria forçar alguém a beber um café por um tubo enfiado pelo esófago. Simples de entender, não é?