À procura de refúgio

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ada um de nós, em alguma altura das nossas vidas, precisou de refúgio. O pedido de asilo – o pedido de ajuda – seja por razões socio-políticas, geográficas ou simplesmente emocionais, é um acto de coragem por si só, porque ninguém gosta muito de se mostrar vulnerável. O refúgio dá-nos casa, conforto e segurança, onde podemos ser aquilo que queremos ser – aquilo que verdadeiramente somos.

Nestas coisas do sexo, o refúgio é um lugar importante para as múltiplas identidades sexuais. Vivemos em sociedades de conservadorismo sexual com alguns laivos de progresso e onde identidades e práticas ‘diferentes’ são vistas de lado. Se procurarem em humansexmap.com vão ver como cada um de nós tem grupos de pertença de acordo com aquilo que gosta (por mais estranha a actividade vos pareça), criando então um mundo de fantasias onde há espaço para todas e todos, com todas as suas manias.

Se no sexo há espaço para tudo, no mundo também deveria haver espaço para todos. A questão dos refugiados que está neste momento tão em voga pode não ter que ver directamente com sexo, mas certamente que tem implicações. Fala-se sobre questões de direitos humanos, de protecção, de cuidado dos que mais necessitam, misturando variáveis como religião, género ou idade. Se a crise dos refugiados que a Europa agora enfrenta (sobre a qual se comporta vergonhosamente) parece um assunto distante e incompreensível, tentem pensar nas vossas vidas, nas vossas necessidades diárias de amor, carinho, sexo ou simplesmente, condições de higiene básicas. Fazem falta a todos. Pior será perceber que esta crise tem alimentado esquemas de tráfico humano que exploram as mulheres e crianças que vieram à procura de um lugar sem guerra – um refúgio. Os testemunhos de quem passou por campos de refugiados contam histórias de mulheres a serem violadas, de partos mal acompanhados ou de cesarianas onde o período de pós-operatório é no chão, ali mesmo, onde têm que dormir todos os dias acompanhadas de terra e às vezes lama.

A procura por um refúgio é um direito universal, ainda que teoricamente. Temos uma história onde (em retrospectiva) aprendemos que temos que salvar os justos e castigar os monstros e o refúgio é um lugar de direito, onde algo como a solidariedade pode ser praticada (esse raro acto de altruísmo!). Mas se for verdade o que um grande amigo e professor sugeriu, o sexo é um reflexo de quem verdadeiramente somos. Assim podemos perceber se somos altruístas, possessivos, brincalhões, sérios ou simplesmente aborrecidos em pleno acto, revelando a nossa ‘essência’. Para além do coito ter o potencial de ser um puro acto de amor e o amor estar inerente à condição humana. A ausência do amor, contudo, em assuntos como este, de alta preocupação internacional, continua a deixar-me perplexa (muito porque eu sou o fruto de manias hippies nascidas há 60 anos atrás). Falta amor no dia-a-dia.

Decidi, por isso, que esta verborreia semanal teria que vir a exigir um refúgio, pelos refugiados de anos e anos que precisam de espaços de segurança e que insistem em não aparecer. Precisava deste exercício de vocalização pela insatisfação ao mundo, pela ignorância do sexo, pela ignorância do que é experiência do outro e pelo contínuo desentendimento do que é solidariedade ou amor. Um refúgio, caramba, será assim tão difícil de o criar? Refúgios que não sejam tendas encafuadas sem condições, mas um porto seguro de gentes hospitaleiras.

Mas nem sempre é claro saber o que podemos nós fazer. Eu vivo no verdadeiro tormento de não perceber como. Contudo, se formos relembrados que as fronteiras são ténues e que quem as reforça somos nós, até pelo comum mortal que vai para o trabalho todos os dias e que se sente despojado de qualquer capacidade de controlo. Sim, somos nós que criamos as fronteiras do sexo, que criamos pré-conceitos sobre o outro e que os confirmamos, cegamente, com as notícias, com o que se fala no café, com o que se fala entre amigos. Temos direito a um refúgio e o dever de o criá-lo.

18 Out 2016

A Revolução Digital

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e já ponderei sobre o futuro do sexo em artigos anteriores, talvez fosse útil falar do sexo no presente, o presente altamente digital, electrónico e cheio de gadgets. Não me refiro a revoluções no sexo per se, apesar da pornografia online e de fácil acesso ter um papel importante na sexualização de muitos por ai, mas tem contribuído para a forma como as pessoas se conhecem e se relacionam.
Comecei a constatar (e julgo que muitos concordarão) que é difícil conhecer pessoas novas quando se é adulto. Antes andávamos na escola e na universidade, com pessoas diferentes a entrar e a sair e tínhamos a possibilidade de criar uma maior rede de conhecidos. Mas quando chegamos a uma idade onde as redes sociais estão mais estagnadas, pior ainda, quando decidimos migrar e começar novas amizades do zero, os maiores de idade encontram grupinhos de amizades já feitos e uma maior dificuldade em socializar com pessoas diferentes. Normalmente, procuram-se pessoas através de hobbies e outras actividades para encontrar possíveis amigos ou parceiros românticos com gostos similares aos nossos. E agora temos disponíveis outras estratégias.
As saídas à noite sempre foram um seguro veículo para encontrar uns beijinhos, uma ida para a cama com companhia, talvez para encontrar o amor e talvez para encontrar um relacionamento. O álcool, as luzes que piscam incessantemente e a música alta tem sido os facilitadores para uma ‘noite de sorte’. Agora existem aplicações para facilitar esta nossa ‘sorte’ possibilitando um tiro mais certeiro para uma noite de divertimento. As novas apps romântico-sexuais aproximam estranhos improváveis através de gostos pessoais, critérios de personalidade ou, simplesmente, o aspecto físico. As possibilidades são muitas dependendo do objectivo, seja uma noite de loucura até um relacionamento sério. Temos o Tinder, Grindr, Bumble, Happn, Siren, Hinge… Tudo para todos os gostos – e para todas as orientações sexuais.
As histórias dos utilizadores destas plataformas são mais que muitas. Para além das aplicações mais recentes que são utilizadas maioritariamente por um público mais jovem, os solteiros mais velhos já tinham começado a usar sites para encontrar o amor das suas vidas. Não há, ou pelo menos não deveria haver, estigma por usar estes facilitadores amorosos. Eles têm contribuído para histórias com finais felizes – que têm continuado com casamentos felizes.
Contudo, o potencial viciante destas aplicações fez-me pensar sobre como as pessoas passam a ser encaradas e como se começam a relacionar. Em relação a uma aplicação como o Tinder (as outras também são muito similares), aquele movimento do dedo para a esquerda e para a direita na ânsia de encontrar um ‘match’ única e exclusivamente através do aspecto físico de um tipo ou de uma tipa, por mais divertido que seja (porque o é), traz que consequências? A superficialidade do conceito faz-me lembrar uma ida ao supermercado com toda a mercadoria exposta e pronta a ser escolhida. A aplicação em si não é tão dramática, mas sinto que traz a sensação de que relações humanas são descartáveis – que depende de uma fotografia e do quão giro és – e se não resultar, há muito, mas muito mais, por onde escolher.
Usar o Tinder e outras aplicações que tais não é mau nem desaconselhado – pode ser mesmo muito divertido – mas deve ser ajustado às expectativas de cada um e usado com sensatez. O mundo digital romântico rege-se por normas que ainda não foram totalmente exploradas e onde homens e mulheres trazem esperança, desejos e pré-concepções que não se ajustam com a de muitos outros. Se há pessoas no Tinder à procura de amor verdadeiro, há outros que procuram uma one night stand. E tem que haver, acima de tudo, respeito pelo outro.
Mas como uma discussão sobre aplicações (e sites) de procura romântico-sexual é um assunto que traz pano para mangas, e porque ainda nem sequer tive tempo de me debruçar sobre women firendly apps – para a semana há mais.

5 Out 2016

O consumo responsável na cama

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mania, que não é bem mania, mas a saudável tendência de começar a explorar produtos mais naturais para o corpo e a mente, tem ganho alguma popularidade. As pessoas agora procuram produtos ecológicos, recicláveis, saudáveis, biológicos e ‘verdes’. Depois de uma era industrial onde tudo era feito da forma mais lucrativa, independentemente de custos pessoais e ambientais, vivemos numa altura onde já há alguma consciência e regulamentação. Já podemos comprar do bom e do melhor – e do menos tóxico. Apercebi-me recentemente, contudo, que ainda não há regulamentação na produção de brinquedos e acessórios sexuais (!) e que, a produção de dildos, vibradores ou até de lubrificantes está parada no tempo. Falo-vos de algo que é como a idade da pedra industrial, onde as coisas são feitas da forma mais barata, sem cuidado com a toxicidade e perigo de uso. Isto é problemático: os brinquedos sexuais que são tão encorajados para a exploração sexual saudável, podem ser nocivos para a saúde.
Os malfamados ftalatos (= phthalate) são dos perigos número um. Essa substanciazinha é normalmente adicionada a plásticos para contribuir à elasticidade, transparência, durabilidade e longevidade, muitas vezes utilizada em vibradores para tornar o plástico ‘mais confortável’ e mais atraente. Mas as evidências de que os ftalatos são tóxicos são mais que muitas, e facilmente se encontram nos brinquedos sexuais que vão parar aos nossos recantos mais sensíveis, e bastante propícios a doenças e traumas. Como não há regulamentação, não podemos confiar num vibrador que diga ‘isento de ftalatos’ porque 7 em 8 vibradores que foram testados pela Greenpeace, chumbaram no teste. Os efeitos são cumulativos (cancerígenos), mas há situações onde o mal-estar é instantâneo – ao ponto de ficarmos com as nossas partes de baixo a arder de desconforto.
Como ainda há alguma vergonha em admitir o uso de tais acessórios, uma ‘defesa do consumidor sexual’ também está por desenvolver. Porque, vejamos bem, quem é que se atreve a devolver um dildo por causa de ardor? São raras as pessoas que voltariam às sex shops com reclamações ou a verbalizar insatisfação do produto. E muito honestamente, acho que são poucos os que sabem que esta falta de regulamentação tem consequências tão absurdamente nefastas. Os ftalatos são só a ponta do iceberg das problemáticas de produção. Também há questões sobre a porosidade do plástico, quanto mais poroso, mais recantos as bactérias têm para se esconder e maior propagação de doenças – e por isso é sempre importante usar preservativos como protecção e fazer uma limpeza cuidada dos brinquedos. Também os lubrificantes vaginais e anais deverão ser cuidadosamente escolhidos. Se pensarmos que a vagina, especialmente, esse micro-clima super sensível com um pH ideal e uma flora vaginal estrategicamente desenvolvida para sua protecção, pode ser desequilibrada por uma panóplia de produtos e substâncias – muitos lubrificantes têm cheiro, por exemplo, o que quer dizer que têm açúcar e que é um banquete para muitos fungos vaginais. Há lubrificantes que ainda têm parabenos, substâncias que já foram proibidas em muitos países da Europa.
A lista de problemáticas é extensa e não irei falar sobre elas em detalhe, mas recomendo leituras para um entendimento mais extenso. Vale a pena. Este é mais um aviso para quem está a pensar encher a sua despensa sexual para fazê-lo bem informado. Porque apesar de haver muitos produtos não controlados, existem lojas e sites que já são sensíveis a estas questões e que são organizadas por comunidades informadas e que promovem o uso de brinquedos sexuais não tóxicos, procurando fábricas, marcas e comercializadores com a mesma preocupação.
Se querem uma sugestão de nicho de mercado aqui está: comecem uma linha de produtos sexuais ecológicos, recicláveis, saudáveis, biológicos e ‘verdes’. Os consumidores agradecem. #nontoxicsextoys

13 Set 2016

Na praia com o preconceito

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]orque ainda estamos nos meses de Verão, e porque muitos ainda se despem e se banham em praias paradisíacas, não podemos deixar de falar do que aconteceu ainda no nosso querido mês de Agosto, desta vez, no sul de França. O que é que aconteceu na praia no sul de França? Medidas um tanto ou quanto xenófobas.
E o que isso tem que ver com sexo? Tem muita coisa – especialmente com o género e o corpo feminino. Ideologias ditas democráticas e liberais ditam que a mulher não tem que esconder o seu corpo. Deve ir à praia despir-se o mais possível – as mais aventureiras mostram a barriga ou as maminhas – mas o que importa (supostamente) são as normas progressivo-europeias que permitem as mulheres tomarem controlo das suas decisões corpóreas.
Contudo, parece que é extremamente difícil perceber o que é liberdade de expressão e de que forma as mulheres se podem sentir empoderadas com o seu corpo: a fórmula não é aplicável a toda e a qualquer pessoa. Não é universal a ideia de que uma mulher só é emancipada quando se sente no direito e no à vontade de se despir – nunca é assim tão simples.
Refiro-me à parvoíce que foi quando o burkini foi proibido nas praias do sul de França. Eu ainda dou a mão à palmatória porque o ataque em Nice não foi há muito tempo e as pessoas estão com medo. Mas essa é só a reacção inicial – mentes que pensam rapidamente chegam à conclusão que a generalização religioso-racial de profundo preconceito não traz vantagem nenhuma à sociedade. Aliás, ódio e atitudes estigmatizadoras é tudo de bom para o Daesh, porque de alguma forma precipita processos de radicalização – mas não entrarei por aí.
O que foi verdadeiramente chocante foi a forma como a polícia de choque, equipados de metralhadora e com caras de mau, andava a patrulhar as praias e a multar mulheres, por estarem vestidas demais. Porque já houve o tempo quando a polícia andava a multar e a ridicularizar as pessoas que estavam vestidas de menos: voltámos a um tempo antigo demais, onde a liberdade de expressão é estrangulada pelos conservadorismos de muitos.
Diz a criadora do burkini que as vendas têm atingido níveis nunca vistos, por isso, pelo menos, a proibição fez com que esta peça de moda de praia tenha aumentado em popularidade. Nas várias entrevistas realizadas acerca do que se passou em França, a criadora Libanesa-australiana tem insistido que a peça deveria ser um símbolo de diversão, bem-estar e fitness. Oferecendo a flexibilidade de vestuário que a mulher muçulmana tanto necessitava para se mexer como quer e fazer o que quer.
Mas o ocidente gosta de contrariar as formas (criativas) que as pessoas arranjam para serem elas próprias e definirem a sua identidade. Para quem acha que usar um hijab, um niqab ou uma burka e, agora, um burkini é obrigatoriamente um sinal de uma mulher extremista, desengane-se, e sugiro muita calma nesses pré – conceitos. Estas são mulheres que querem ir à praia, tranquilamente, e que querem usar algo que as faça sentir bem. Repito: são diversas as formas de empoderamento: podes estar nua ou tapada da cabeça aos pés, depende de cada um.
Não foi há muito tempo que as mulheres chinesas começaram a moda do facekini, uma visão bem mais assustadora (tipo, Jason do Sexta-feira 13 a ir à praia), com o simples propósito de proteger a pele facial do tão indesejável sol. Totalmente legítimo, mas ainda bem que nenhuma desgraçada teve a feliz ideia de usá-lo nestas praias patrulhadas a favor de exposição solar! Acho que teria confundido o esquadrão de serviço.
O mais incrível é que este tipo de políticas discriminatórias não contribuem para absolutamente nada, só para irritar as pessoas e não permitir as mulheres muçulmanas de ir à praia. Vai parar a radicalização? Não. Vai parar com a repressão feminina? Não. Vai parar com a estupidez humana? Nunca.

6 Set 2016

Asfixia

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap]s vezes sentimo-nos asfixiados, por várias razões. Levamos uma vida que asfixia a nossa criatividade ou o nosso prazer. Tentamos ser humanos e tentamos inserirmo-nos nas normas bem estabelecidas, nas normas que deveriam guiar o nosso pensamento e a nossa acção. Asfixiamo-nos a nós próprios e, com sorte, apercebemo-nos quando ainda não é tarde demais. Há sempre qualquer coisa a asfixiar-nos, com o trabalho chato, com o patrão que é pouco razoável, com as memórias que nos atormentam, com os traumas que não desaparecem, com os filhos que choram e não percebemos porquê. Asfixiamos a nossa sexualidade porque tentamos ser normais, ou às vezes asfixiamo-nos mesmo, literalmente.
A asfixia erótica ou (autoerótica) tem os seus primeiros registos no século XVII quando se começou a reparar que homens condenados à forca tinham muitas vezes uma erecção no momento da morte. O mecanismo de supressão de sangue ao cérebro estimula sensações de prazer e facilitadoras do orgasmo e, por isso, houve quem usasse a técnica de asfixia para o tratamento de disfunções erécteis. Mas não só, os curiosos do sexo experimentavam-no sozinhos e acompanhados. Mas atenção que este fetiche (que é considerado uma parafilía) pode levar à morte acidental. Para um adepto de bondage, a ideia de ter alguém a apertar o seu pescoço é excitante o suficiente, os outros praticantes dependem da questão fisiológica: a asfixia erótica pode ser tão viciante como a cocaína. Orgasmos exaltados pela ausência de sangue no cérebro.
Desconfia-se que a primeira morte acidental por asfixia erótica tenha sido de um homem que, de facto, pediu assistência profissional para levar a cabo a experiência – uma prostituta de uma Londres de alguns séculos atrás – mas que gostou tanto que decidiu continuar, mesmo depois de ela ter-se ido embora. Sozinhos somos menos capazes de travar o que é que seja que provoque a asfixia. Estima-se que acidentes desta natureza sejam frequentes, mas nem sempre são identificados. Para os adolescentes que são encontrados mortos com os órgãos genitais em mão e pornografia ao lado, a família tende a ‘limpar’ o cenário, para que a sua última imagem não seja tão sexualizada.
Mas a asfixia pode culminar das mais variadas circunstâncias – talvez vinda de um campeonato europeu de futebol? São jogos futebolísticos que para além de causadores de stress, não permitem o oxigénio circular livremente no corpo. Uma tensão (e asfixia) não erótica, no verdadeiro sentido do termo, mas potencialmente sexy. Jogadores a correrem de pernas ao léu de lá para cá, de cá para lá, com o calor do verão a fazer-nos transpirar que nem porcos, mas a guinchar de excitação. Chutos e pontapés mal dados que fazem saltar um batimento cardíaco, acoplados de sorrisos que nos fazem ter esperança…
A asfixia pode ser tanta coisa, na prática e no conceito. Contudo, só pode ser exercitada com cuidado (muito cuidado), e às vezes com algum entusiasmo. Nos últimos dias desta pobre alma que vos escreve, a asfixia tem sido a descrição básica diária. Mas, quem poderia adivinhar? Portugal ganha o Campeonato Europeu de Futebol e parece que nada mais importa. Na asfixia quotidiana e (ocasionalmente) sexual, o alívio de ter um orgasmo prevalece, e aquela soneca pós-coito impõem-se, como sempre, com sonhos de vitória.
Depois de doze anos a suster a respiração pelos 11 (mais pelos jogadores e menos pelos milhões), já podemos respirar de alívio. Já se alcançou o objectivo, já vimos os meninos jeitosos a abanarem os bícepes sem camisa. O orgulho da diáspora Portuguesa exaltou-se! Usam-se camisas vermelhas e verdes, ou ‘verde bebés’.
A expansão e a retracção de oxigénio mal explicada pelo futebol, contribuí para a popularidade do jogo, onde se usa uma bola (e não duas). Especialmente, enquanto analisava asfixia erótica ( assuntos sérios!) – algo aconteceu em Paris que deixou o pessoal contente, até a mim. Dedico, por isso, o que é que seja de sexo, ao futebol de Portugal. A asfixia fica para a próxima.

12 Jul 2016

Orlando

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Orlando em Orlando vai a uma discoteca à noite para dançar. O lugar chama-se Pulse e não discrimina nem rejeita ninguém. Esta foi a primeira ida à discoteca e não foi difícil para o Orlando adorar o ambiente, a música e as pessoas.
Mas o Orlando em Orlando não estava à espera de presenciar o terror tão de perto, tão pessoalmente. Ninguém entende à primeira o que se passa. Uma discoteca, por definição, é um lugar barulhento, confuso e escuro. Quanto entra um homem a disparar com uma arma de fogo, o ruído dos tiros podiam ser parte da música. Mas não eram.
Foi a tragédia na qual o Orlando de Orlando saiu ileso quando muitos foram fatalmente alvejados e outros ficaram em estado muito grave. Os olhos do mundo viraram-se para Orlando e para a pequena discoteca que viu o que nunca esperaria ver: medo, violência e morte. O resto vimos nós nas notícias. Mas o Orlando de Orlando é fictício, apesar de poder descrever qualquer sobrevivente desta fatídica noite de saída nocturna, à partida inofensiva.
A discoteca Pulse é uma discoteca gay, frequentada por gays, simpatizantes, exploradores, pessoas que acreditam e respeitam a liberdade sexual de cada um. O atirador que entrou ali dentro matou sem dó nem piedade por razões que ainda não são claras. Poderão ser sido razões ideológicas, psicológicas ou sociais. O comportamento social humano é assim, muito complexo, complexo demais para reduzir qualquer infeliz acto à tendência Trump-tizada que justificam comportamentos e pensamentos islamofóbicos. O atirador era, muito provavelmente, um homem com dificuldades psicológicas e emocionais que se desenvolveram ao longo dos anos, em combinação com uma ou outra pressão social por aceitação e bem-estar, e a cereja em cima do bolo, o fácil acesso a uma arma de fogo. Um criminoso carrega em si uma complexidade imensa de entendimento do mundo em que dá sentido a actos atrozes como este. Para este homem, o que é que seja que o tenha movido, o alvo seriam os homossexuais. O alvo foram as pessoas que amam livremente, fora da norma expectável homem – mulher e que muitos ainda julgam ‘imoral’ e pouco ‘natural’.
Não consigo deixar de reparar que esta violência contra um grupo, é movida por um ódio incompreensível que existe e que se generaliza a todos os membros afiliados. Os ‘gay,’ os ‘muçulmanos’, os ‘judeus’, os isto, os aquilo, os, os… São discursos e actos comunicativos que espalham uma norma onde é aceitável discriminar pessoas, só porque as percebemos como parte de um grupo diferente, desconhecido e pouco compreendido. A violência ainda existe contra os homossexuais, todos os dias, de todas as formas. A mais recente tendência preconceituosa onde julgam todos muçulmanos terroristas, cresce as olhos vistos. Isto tem que parar.
Ultimamente que a comunicação social traz ao nosso conhecimento o que de horrível tem acontecido, o desespero e o stress colectivo e individual aumenta. E é perfeitamente normal, envolvermo-nos em ideias ainda mais rancorosas perpetuando a violência e a incompreensão é que não. O amor, aquele sentimento mais puro e que une as pessoas, tem que ganhar. É por amor que nos juntamos, é por amor que somos homossexuais, heterossexuais ou bissexuais. O amor vencerá se amarmos esta humanidade que mais parece podre de ideias generalistas, preconceituosas e discriminatórias. O Orlando foi à discoteca para conhecer alguém, para dar uns beijinhos, para sair umas quantas vezes e para se divertir. Celebrava-se a liberdade no amor quando, inesperadamente, o cenário mostrou-se uma banheira de sangue. O Orlando só queria ser feliz.
O Orlando somos todos nós, nós pessoas que saímos e nos divertimos esperando unicamente uma valente ressaca no dia a seguir. O Orlando somos nós à procura do amor e a procurá-lo nos sítios que julgamos certos, com as pessoas certas. Nós somos todos Orlando, quer queiram, quer não.

21 Jun 2016

Queres beber café comigo? Não?

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ão-de ter reparado na inundação na imprensa internacional do caso da ‘mulher inconsciente’ e do seu agressor, Brock Turner, e do caso da menor brasileira que ‘engravidou de mais de 30’, pelas palavras dos estupradores. O consentimento sexual não parece estar no vocabulário destas pessoas.
No Brasil começa-se a falar da cultura do estupro. Uma cultura que não condena o abuso sexual. Um grupo de 33 homens violou uma menor de 16 anos no Rio de Janeiro e o caso veio a ser descoberto porque alguns desses homens gravaram cenas e postaram-nas nas redes sociais. Sem medo de represálias. Num grupo de 33 homens ninguém achou anormal ou estranho o que se estava ali a passar. Os vídeos gravados mostram o corpo semi-nu de uma jovem inconsciente, enquanto que eles se punham em posição de selfies e faziam comentários jocosos. A reacção pública foi diversa, mas muitos sugeriam que certamente que a jovem fez alguma coisa para merecer aquilo. Quem manda usar mini-saia? Quem manda ser sensual? Quem manda ser mulher?
O entendimento vigente do que pode ser considerado uma violação ou uma relação sexual consentida perde-se em difusas interpretações onde as mulheres continuam a ser desconsideradas. A culpabilização da vítima continua a ser a estratégia mais utilizada para proteger e perpetuar a hegemonia masculina. Os casos são tantos que já irrita.
Como é que duas raparigas são assassinadas no Equador por resistirem uma violação e ainda assim foram culpabilizadas, por, talvez, terem usado calções curtos? Como é que um puto de 19 anos foi apanhado no acto de abusar uma mulher inconsciente e não foi automaticamente de cana? Como é que 30 homens julgam uma violação colectiva perfeitamente aceitável? Como é que só muito recentemente se percebeu que uma violação é uma violação, mesmo em contexto matrimonial? Como é que uma juíza pode ignorar uma queixa de violação porque ‘a vítima é uma mãe adolescente, por isso claramente tem tendência para o acto’? O que é se passa com as pessoas? Como é que no século XXI, o século do futuro, da inovação e do progresso, tudo isto ainda aconteça?
O instinto sexual não é uma micção urinária, não é inevitável. Não se descontrola ao ponto de mijo escorrer pelas pernas abaixo. Sexo não é um direito pessoal, uma afirmação categórica nem uma obrigação. O estímulo, o impulso e o acto não têm uma ligação directa, imediata e inevitável. Não há vestido sexy no mundo que sugira uma violação, nem álcool (demais ou de menos) que preveja um abuso.
Mas mesmo assim o corpo da mulher é percebido como um objecto, e para essa concepção contribuímos todos. Não se trata de um homem isolado de mente disruptiva e comportamento desviante. Os media, os tribunais, os juízes e a população em geral perpetuam princípios onde só os homens brancos estão no topo da cadeia (cadeia hierárquica, god forbid se fosse a prisão). Todas as fotos publicadas do Brock Turner, o agressor sexual de um caso na universidade de Stanford que tem corrido muita tinta, mostram-no de carinha laroca, de cara inocente, sorridente e angelical. Foi julgado com seis meses de prisão porque ‘não tem antecedentes de actos agressivos’, como se todos os agressores sexuais não tivessem começado com um primeiro acto, sem antecedentes. Até o pai do agressor escreve ao juiz a pedir-lhe que uma carreira tão promissora (sim, porque o menino estava numa universidade da liga ivy com uma bolsa de desporto) não fosse destruída por ‘20 minutos de acção’. Acção essa que não foi consentida, com uma mulher inconsciente atrás de contentores. Mas o que é que isso interessa? Como é que interessa a forma como este rapaz destruiu a vida desta rapariga? Como a fez sentir-se humilhada, como a obrigou a ter que se defender em tribunal dos ataques de um advogado de defesa que insinuava um ‘historial potencialmente promíscuo’? Porque a defesa é assim, a escrutinar o possível consentimento que ela poderá ter dito quando inconsciente, mas que nunca existiu.
O consentimento sexual não deveria ser um conceito complicado de entender. Queres beber café comigo? Não. Talvez. Silêncio absoluto. Estas são as opções que sugerem não consentimento. O consentimento implica iniciativa absoluta, até ao final. Se vocês já estão na cafeteria e já pediram o café, ambas as partes ainda estão no direito de o recusar. Imaginem o estranho que seria forçar alguém a beber um café por um tubo enfiado pelo esófago. Simples de entender, não é?

14 Jun 2016

Acidentes com sexo

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sexo é muito, mas mesmo muito, bom. É o melhor para relaxar o corpo e a mente, é o melhor para a nossa auto-estima, é o melhor para espalhar o nosso amor. Mas o sexo tem perigos, uns mais comuns que outros. Não há nada como nos precavermos daquelas coisas que já conhecemos e termos alguma consciência dos inesperados que poderão surgir. Inesperado será sempre inesperado, potencialmente doloroso, mas muito provavelmente engraçado.
Faz-me lembrar aquele episódio da série Seinfeld quando um proctologista faz contínuas anedotas sobre a panóplia de objectos que o pessoal mete nos seus rabinhos e que ficam lá presos. No calor do momento ninguém pensa muito detalhadamente nos riscos que um momento íntimo de prazer poderá trazer. O que nos prepara para a vergonha quando somos obrigados a partilhá-lo com médicos, enfermeiros ou ambulâncias? Nada. De qualquer forma, a probabilidade de ter um acidente sério é muito pequena, mas em casos raros pode ser fatal.

1.Brinquedos sexuais são caros, por isso as pessoas tentam improvisar como podem. O improviso, porém, pode não ser simpático com o nosso corpinho, massacrando-o de formas inimagináveis. É preciso ter cuidado com aquilo que se mete na vagina ou no rabinho, podem ser pequenos demais ao ponto de se ‘perderem’ ou grandes demais para magoarem à séria. É que depois só num hospital há material especializado para explorar as caves interiores e retirar os objectos estranhos. Não os deixem lá dentro durante muito tempo. Evitem lâmpadas LED ou termómetros de aquário (tudo o que se possa estilhaçar é expressamente proibido, por mais fálicos que sejam) e evitem superfícies rugosas que possam arranhar ou ferir (houve alguém que se lembrou de enfiar uma flor pela uretra e arrependeu-se). Em relação à vagina em particular, esta tem um ambiente delicado com um pH específico indispensável à sua saúde. Se se meterem objectos estranhos que segreguem algum líquido, ou deixem ‘restos’, estou a pensar por exemplo, numa banana, a vagina pode ficar infeliz com a sujidade.

2.Não há nada como espontaneidade sexual em todos os recantos do quarto, da casa, da cidade e do planeta. Mas cuidado onde o fazem. Há quem tenha feito contra uma janela e caído, ou numa mata e caído num poço, ou a conduzir e ter tido um acidente (imaginem um broche enquanto conduzem e baterem contra alguém… acho que não preciso ser muito gráfica), ou no chuveiro e escorregarem e verem-se num cenário ensanguentado. Quer-se espontaneidade com segurança.

3.Às vezes o sexo dá para umas pancadinhas de amor, umas palmadinhas aqui e ali, nada de muito exagerado para quem não é um adepto de BDSM. Mas tanto movimento traz algumas pancadas acidentais. Contra a parede, quedas da cama, cabeçadas, palmadas com mais força do que esperado, posições que dobram o pénis em dolorosas acrobacias (o pénis não precisa de ter ossos para se partir quando erecto…), joelhadas inesperadas (ou cotoveladas) e arranhadelas. Uma dentada de amor, por exemplo, pode ser perigosa também. Na Nova Zelândia uma senhora começou a ter sintomas de um AVC sem causa aparente, quando os médicos repararam no valente chupão que tinha no pescoço, que fez bloquear uma importante artéria. Dramático.

4.Penis captivus é uma condição rara onde a vagina se comprime ao ponto do pénis não ser capaz de sair. É necessária atenção médica para relaxar os músculos da vagina e desfazer o coito. Aconteceu a um casal italiano que estava a praticar o sexo no mar mediterrâneo. Nem quero imaginar como conseguiram pedir ajuda, ou chegar ao hospital. Suponho que, assim que saíram daquela, deram uma pausa na sua vida sexual, bem necessária.

Não quero de modo algum assustar ninguém com estas histórias levadas da breca, são coisas que acontecem que, bem tratadas, não deixam mais do que uma história engraçada para contar. Há perigos mais reais do que uma cabeçada contra a cabeceira da cama. Há infecções e doenças sexualmente transmissíveis que são bem comuns e muito mais fáceis de prevenir. Preservativo SEMPRE. Os outros acidentes, esperam-se pouco disruptivos. Aproveitem que está cada vez mais calor, vão lá divertir-se, em segurança.

7 Jun 2016

Contracepção

O grito de liberdade sexual veio com os desejados métodos contraceptivos. Finalmente decisões poderiam ser tomadas relativamente à prática sexual e à gravidez indesejável. Assim chegou-se à era do gozo sexual não necessariamente procriativo que em muito contribuiu à revolução sexual do último século. Mas os métodos contraceptivos não são sexy per se (e escrever sobre eles também não será). Fazem parte de uma sexualidade saudável, sem dúvida, mas por alguma razão ainda falham. Falham porque ainda há gravidez adolescente e porque as doenças e infecções sexualmente transmissíveis continuam a ser espalhadas por aí.
A variedade de métodos é extensa: preservativo masculino e feminino, DIU, diafragma, esponja vaginal, terapêuticas hormonais (pílula, anel vaginal, implantes, patches), vasectomia ou laqueação de trompas. Escolhas que deverão ser personalizadas de acordo com idade, actividade sexual, estado de saúde geral, etc. Todos estes métodos têm uma percentagem de eficácia diferente, portanto, alguns são mais falíveis que outros, mas só o preservativo é capaz de travar infecções indesejáveis. Aliás, o preservativo foi inventado exactamente na prevenção da Sífilis durante o séc. XV. Assemelhava-se a uma meia de vidro desbotada e era feito com paredes do intestino grosso de diferentes animais. Depois vieram os produtos sintéticos que trouxeram o preservativo de latex que conhecemos hoje, no início do séc. XX.
Todas as campanhas que divulgam o uso do preservativo, tentam apelar pela utilidade do dito cujo. Quase não se sente, protege-nos de STD’s, impede a gravidez indesejável: perfeito. O preservativo deve ser usado s-e-m-p-r-e, não há dúvidas disso. O que se esquecem de dizer é que às vezes pode ser desconfortável ou pode desfazer o tesão, i.e., o brochar o orgão sexual masculino. Há os que se recusam, os que não conseguem, os que não gostam e os que desenvolvem profundas crenças que incentivam o seu não uso. Como contornar a questão? Não é fácil. Em relacionamentos que se prevêem de longa-duração, poder-se-á optar por uma vida sexual sem preservativo depois dos devidos testes de sangue serem feitos. Em qualquer outra situação o uso deverá ser obrigatório, e o pessoal que não se arme em esquisito. As tentativas de tornarem o preservativo um pouco mais atraente levou a que as marcas conhecidas do mercado fizessem variações do produto, ora com sabores, ora com texturas, ora com cores. Não há grandes desculpas para justificar a sua ausência, mas a verdade é que o sexo é significativamente melhor sem. Há uma maior proximidade ao vosso apaixonado/a porque não há barreiras absolutamente nenhumas entre a intimidade de um e de outro. Por isso para os que podem, e já mostraram não ter nenhuma doença nefasta a transmitir, ultrapassa-se o uso do preservativo para métodos exclusivos a prevenção da gravidez.
O normal é para a mulher começar a usar a pílula, ideal para quem é organizado e pouco esquecido, e basta tomar um comprimido por dia (exceptuando durante a menstruação) e não incomodar a normatividade do acto sexual em si. Até aqui, parece tudo bem. Acontece que outros efeitos secundários podem advir, afamados desiquilíbrios emocionais, e até conheço pessoas que desenvolveram ataques de pânico. Isto na pior das hipóteses, porque depois há problemas de cariz menor, tipo celulite e retenção de líquidos. A contracepção não é um mar de rosas, mas o que tem de ser, tem muita força.
Contudo (e felizmente) começaram a ser testadas formas de ‘pílula’ masculina não hormonais, e, por isso, sem alterar os ciclos naturais. As opções são diversas e os projectos ainda se encontram numa fase embrionária, salientam-se: 1.injecção para bloqueio dos canais de transporte de esperma, uma quasi-vasectomia menos invasiva e reversível; 2. Medicação para não permitir os espermatozóides de fertilizar o óvulo; 3. Medicação para alterar a capacidade de locomoção do esperma.
A vantagem é que com uma maior possibilidade de contraceptivos masculinos, a responsabilidade e preocupação contraceptiva não ficará totalmente nas mãos da mulher. Espera-se que seja um tema que possa ser discutido pelo casal e em cooperação, percebendo as vantagens e desvantagens de cada método. Visto que a maioria dos produtos de contracepção são para mulheres, há uma tendência natural para julgar que as precauções contraceptivas são maiores para quem de facto carrega uma barrigona por 9 meses. Mas visto que ‘takes two to tango’ a responsabilização pela outra parte também é necessária. O investimento em novas formas de contracepção trazem a esperança de formas mais eficazes de prevenção e uma muito desejada consciencialização social.

2 Fev 2016