Fringe | Companhia teatral “Rolling Puppet” olha para passado e presente de Coloane

“A Space of New and Old” é o nome do espectáculo que a companhia “Rolling Puppet Alternative Theatre” apresenta este fim-de-semana, integrado no festival Fringe. Este é o resultado de uma residência artística realizada no ano passado e que descreve Coloane como ela é através dos relatos dos seus moradores mais velhos, num exercício permanente de imaginação

 

É já amanhã e domingo, às 15h e 17h, que acontece, no âmbito do festival Fringe, o espectáculo “A Space of New and Old” [Um Espaço do Novo e do Velho], protagonizado pela companhia teatral “Rolling Puppet Alternative Theatre”. Este evento acontece no espaço da companhia, “House of Puppets Macau”, em Coloane.

E é precisamente sobre Coloane, o seu passado e o seu presente, que versa este espectáculo. A partir de testemunhos de moradores mais antigos é contada a história muito peculiar da ilha, onde permanece um ambiente ecológico único no território. Com este espectáculo dá-se uma “colisão entre a magia e a arte”, num caminho percorrido “entre o velho e o novo”, com o destaque para as histórias orais visualizadas através do storytelling e da magia. Na performance, um mágico leva o público a revistar histórias antigas e do presente, coisas reais e imaginárias, ambientes e pessoas.

Kevin Chio, produtor, e co-fundador da companhia teatral, em parceria com Teresa Teng Teng Lam, fala ao HM de um espectáculo que nasceu de uma residência artística realizada no ano passado. De frisar que Teresa Teng Teng Lam é a responsável pela dramaturgia do espectáculo e Jason Fong o mágico em palco e criador do projecto.

“Como mágico, Jason [Fong] sempre olhou para a oportunidade de combinar [o formato] de storytelling com a magia. Durante este período criativo, mostramos a zona de Coloane a Jason, que conheceu os moradores mais velhos e recolheu testemunhos orais de histórias e contos. Na sua performance, o Jason combinou todos estes materiais para nos lembrar as pessoas, os eventos e as histórias que caíram no esquecimento”, apontou.

Para Kevin Chio, é importante esta presença no Fringe, pois permite que “A Space of New and Old” cresça “da nossa residência artística para uma plataforma maior”, chegando “a um maior público”. “Espero que isso nos ajude a desenvolver o espectáculo”, acrescentou o produtor.

Um desafio

O espectáculo pode ser visto por pessoas com mais de 13 anos e é apenas em cantonês, tendo a duração de 1h15. Um dos maiores desafios, confessa Kevin Chio, é levar os espectadores até Coloane, “um lugar que fica muito longe do centro da cidade”.

“Por outro lado, é um lugar onde podemos desfrutar do sossego, paz, e da natureza, o que nos permite relaxar.”
Mais do que procurar captar mais público, Kevin Chio destaca também o desafio de produzir este espectáculo no meio de tantos outros, o que se traduz num enorme cansaço das equipas.

“Temos tido muitos eventos culturais desde Novembro. Uma das razões, foi a pausa que fizemos nos meses de Agosto e Setembro, e todas as organizações culturais têm de terminar os seus projectos antes do mês de Março. O facto de essas actividades organizadas pelo Governo terem de corresponder ao ano financeiro faz com que tenhamos, algumas vezes, seis a sete eventos diferentes num só dia. Todos nós, desde artistas, à organização e ao público, estamos exaustos.” Para Kevin Chio, tal pode “diminuir a intenção do público, de ver o espectáculo”.

Festival | Ofertas de fim-de-semana

Além da iniciativa da “Rolling Puppet Alternative Theatre” em Coloane, o festival Fringe apresenta, nos próximos dias, outros espectáculos que revelam diversas performances artísticas. Uma delas, é o teatro de som “Regresso a Casa”, um trabalho original do grupo Edinburgh Fringe Showcase, e que acontece até domingo, na antiga residência do General Ye Ting. Também este sábado e domingo, nos jardins do departamento de património cultural do Instituto Cultural, decorre o espectáculo “Flortitude”, do grupo Zero Distance Cooperative, que revela as pinturas florais da artista visual Jenny Lei, misturadas com uma performance teatral interactiva. As sessões acontecem às 12h, 14h e 17h.

No domingo, estreia a peça teatral “Tenant”, da companhia Ku Ieng Un, que relata o panorama do mercado de arrendamento para habitação no bairro do Iao Hon. Os espectadores irão participar neste espectáculo como se fossem arrendatários de casas, onde deixam as suas memórias. Os próprios moradores deste ano integram a performance. O ponto de encontro é no Centro Cultural e Educacional Yizhen, estando programadas várias sessões até ao dia 22.

Até domingo, decorrem as sessões do espectáculo de teatro e dança “Illegal Immigrant”, do grupo Un Iat Hou. Também aqui, o bairro do Iao Hon assume o protagonismo, com as suas histórias de emigrantes ilegais que vieram da China para Macau em busca de uma vida melhor.

Ainda até domingo, pode ser vista a performance interdisciplinar “Lift Left Life Live”, do PO Art Studio. Durante 45 minutos é explorada a possibilidade imaginária de viajar, agora que a pandemia nos impossibilitou de o fazer livremente. O público é, assim, convidado a fazer as suas malas e a embarcar numa viagem não planeada. Com várias sessões, o ponto de encontro tem lugar na zona dos táxis em frente à Torre de Macau. Outro dos eventos que decorre no domingo, às 11h, no largo de São Domingos, é o espectáculo de dança “Kids Battle Dance”, da companhia The Dancer Studio Macau.

14 Jan 2022

Rolling Puppet: “O teatro serve para nos conhecermos”

Foi criado em 2014 por Kevin Chio e Ten Ten La depois de fazerem um curso em Praga. É a primeira companhia de teatro de marionetas do território em língua chinesa e já conta com espectáculos esgotados em Macau e no exterior. A Rolling Puppet vai apresentar “Notícias sobre Xiao An” nos próximos dias 16 e 17 de Setembro no Edifício do Antigo Tribunal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que é que vamos ter em “Notícias sobre Xiao An”?

K.C. –  É uma adaptação de um texto clássico de literatura chinesa. Usamos  a projecção com marionetas em miniatura em que temos alguns efeitos de imagem. O texto é de um autor conceituado, Yan Lianke, que ganhou  o prémio Franz Kafka em 2014. Conhecemos Yan Lianke em Praga na altura em que lá estávamos a estudar. Falámos acerca deste espectáculo. É um autor com um estilo de escrita que usa a metáfora, o que para nós é sempre material importante para um espectáculo. Já produzimos esta peça no ano passado e estes ano voltamos a ter o “Xiao An” am palco, com algumas alterações.

Que mudanças fizeram?

K.C. –  As modificações que fizemos foram essencialmente respeitantes à relação entre o público e o próprio espectáculo. Quisemos agora, além de manipular os bonecos, ter outro tipo de manipulação: a das pessoas que vão assistir ao condicionar-lhes o sentido dos movimentos.

Porquê esta história em particular? 

T.T.L. – É sobre uma a criança que devido a um acidente perdeu toda a gente, incluindo o seu avô, o único elemento que ainda era vivo. Ficou completamente sozinho, resolveu encontrar uma solução e gastou todo o seu dinheiro para comprar uma televisão. Era também a primeira vez que via televisão e descobriu que na sua aldeia todas as pessoas tinham um momento para aparecer naquela caixa mágica, fosse qual fosse o pretexto. Xiao An também queria aparecer. No fundo é uma metáfora a vários aspectos sociais. Através de uma criança percebe-se a importância dos media na formação das pessoas. Por outro lado é abordada, de alguma forma, a própria censura. Alerta também para o facto de que quando vemos as coisas de perto às vezes não nos apercebemos das falhas e que é necessário distanciarmo-nos para perceber as fragilidades que apresentam. Sinto que toda a história é uma espécie de humor negro mas que simboliza muitas situações reais que são brutais e tentamos mostrar isso através das marionetas de forma simbólica. Desta vez quisemos também retratar a situação actual de Macau. Nesta adaptação, o público começa a ver a história a partir do momento em que Xiao An também morre. Colocamos a audiência num cenário que, simbolicamente, é um museu cheio de produtos e a própria personagem é um deles. As pessoas entram numa espécie de museu e vão a caminho do palco onde é recriada toda a história.

É uma peça para todas as idades?

K.C. –  Sim e é o primeiro espectáculo que abrimos a todos a partir dos seis anos. Normalmente fazemos espectáculos para adultos. É interessante perceber como as diferentes faixas etárias percebem as situações de humor de forma diversa.

Como é que começaram a interessar-se pelo mundo das marionetas? 

T.T.L. – Eu era designer durante o dia e à noite actriz amadora e trabalhava com alguns grupos em Macau. Comecei a pensar que estaria na altura de escolher ou um ou outro trabalho. Conheci uma pessoa de Singapura que me motivou para apostar numa carreira de realização e encenação. Quando comecei à procura de uma formação descobri os cursos de marionetas em Praga. Em Macau não havia nada. Até ir para lá nunca tinha visto uma marioneta. Achei que a manipulação de objectos poderia ser interessante. Encontrei uma escola em Praga e fui.

Descobri um novo mundo, não só sobre o teatro mas acerca de toda a minha vida. No teatro foi surpreendente. Em Macau temos sempre muito material cénico nos espectáculos e ali descobri como fazer as coisas sem nada. Apendemos a usar menos materiais mas também a tornar as peças mais móveis para que se possam deslocar e ser apresentadas em vários sítios. Em Macau tínhamos um grupo de marionetas portuguesas mas não havia nenhum grupo de artistas chineses. Era preciso fazer alguma coisa nesta área e focámo-nos nisto. Por outro lado a República Checa é um país muito político e com intervenção, coisa a que não estávamos acostumados. Tudo é sobre política, e nas artes isso é muito evidente. Com as marionetas podemos também expressar coisas sem palavras e só com os bonecos. Mudou muito a forma como olho a arte em si. Quando regressei quis também deixar de usar peças de autores ocidentais e peguei na literatura chinesa. Transformamos os conteúdos que pertencem ao passado e adaptamos para situações actuais. Quando vejo, por exemplo Lu Xun, tentamos adaptar os textos a uma Macau actual. As coisas não mudaram muito desde Lu Xun até agora. As questões do controlo daquela altura são agora feitas, de outra forma. Tentamos encontrar sempre um conteúdo contemporâneo nos escritores clássicos. Já em 2014 fizemos uma peça baseada num texto de Lu Xun.  Tratava-se de uma foto acerca de um soldado japonês que executa um soldado chinês. Adaptámos a situação, numa altura em que se vivia o Occupy Central, em Hong Kong.  É uma reflexão acerca do espaço e de como as pessoas usam as suas motivações para fazer coisas. Vamos voltar a fazer esta peça para o ano em Hong Kong. Em 2015 fizemos um espectáculo em Praga chamado “Made in Macau” em que usámos objectos e vídeo para falar do território.

E o que mostraram? 

K.C – A ideia surgiu porque sempre que fazíamos novos amigos em Praga as pessoas perguntavam de onde vínhamos. Respondíamos de Macau, a notámos que não tinham ideia nenhuma do que era o território. Quando muito respondiam com a palavra “casino”. Resolvemos juntar objectos e alguma narrativa numa espécie de teatro documental. Por exemplo,  a Ten Ten nasceu praticamente dentro de uma fábrica na década de 1980. Aproveitámos para falar um pouco dessa altura e das vidas das pessoas, e das famílias. Foi um espectáculo também um pouco pessoal para falar da história e da realidade de Macau.

T.T.L. – A minha mãe trabalhava numa das fábricas de têxteis que existiam antes dos casinos. Enquanto crescia, as indústrias do território foram colapsando dando lugar aos casinos. Com a minha história pessoal, aproveitámos para falar dos problemas humanitários. Falámos da mudança de políticas e de como a abertura da China afectou o território, a chegada dos casinos e como isso afectou os mais novos e as suas possibilidades de emprego em vários ângulos, e mais tarde, como é que se vive hoje e como podemos tentar fazer das nossas vidas o que queremos. É uma peça simples, sem grande sofisticação. Por outro lado, o teatro também nos permite escrever a nossa história pessoal, a nossa narrativa, e aproxima as pessoas. Muitas vezes conhecemos outros locais pelas notícias e nada tem a ver com a realidade da vida das pessoas. O teatro serve para nos conhecermos.

Como sentem a adesão do público local ao vosso trabalho?

T.T.L. – Tem sido muito positivo. No início não podíamos abusar em alguns aspectos, para tentar com que este tipo de teatro entrasse suavemente na vida das pessoas. Fizemos sempre teatro para adultos para tentar mostrar que esta também é uma área que, apesar de usar bonecos, não é feita para miúdos. Também juntamos literatura chinesa e temos tido várias encomendas de espectáculos com esta vertentes. Os espetáculos têm esgotados em horas. As pessoas querem ver coisas novas e que reflictam a nossa sociedade e a actualidade. Tentamos usar o mínimo de linguagem oral possível para que as nossas peças não fiquem limitadas à linguagem verbal e que possam ser entendidas por toda a gente.

30 Ago 2017

Espectáculo “Made in Macau 2.0” recorda vivências nas fábricas

É já em Fevereiro que estreia em Macau o espectáculo “Made in Macau 2.0”, que retrata o tempo em que milhares de pessoas vieram do Continente para trabalhar nas fábricas de Macau. Teresa Lam, mentora do espectáculo de teatro documental, optou por contar a sua história de vida, num misto de ficção e realidade

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi por pouco que Teresa Lam não nascia no meio de uma fábrica de têxteis, a meio da noite. A mãe, imigrante oriunda da China, sem posses económicas, sentiu as fortes dores do parto e foi sozinha para o hospital. Estávamos em 1980 e em Macau o boom do turismo ainda não se fazia sentir. Havia dificuldades económicas e muitos procuravam emprego.

Foi esta a realidade que Teresa Lam optou por retratar no projecto de teatro documental “Made in Macau 2.0”, que subirá ao palco do edifício do antigo tribunal nos dias 18 e 19 de Fevereiro. Ao HM, Teresa Lam explicou por que optou por ser a personagem principal da sua própria criação.

“Este projecto é sobre a minha família, que saiu da China para se estabelecer em Macau, e conta a história de como cresci numa fábrica têxtil. Nos anos 80 e 90 as fábricas eram muito comuns. Claro que, depois, a indústria do turismo tornou-se dominante e todas as fábricas foram fechando. Faço parte da geração que assistiu a esta rápida mudança, porque nasci em 1980 e a primeira parte da minha vida vivi-a numa antiga colónia portuguesa, mas depois tive de regressar à China com a minha família. Somos a geração que mais vivenciou esta rápida transformação da história de Macau.”

Sendo uma mistura de teatro documental com storytelling, “Made in Macao 2.0” pretende mostrar à sociedade dos dias de hoje a história de um tempo passado. “Esta é uma colecção de memórias muito especial para as pessoas de Macau. Espero que o público possa recordar os tempos difíceis de Macau por comparação a uma fase em que temos o PIB mais elevado do mundo”, defendeu Teresa Lam.

Para a mentora deste projecto, só faria sentido falar de si mesma se fosse para mostrar a história de tantas outras pessoas. “Pensei que, se fosse falar de mim, teria de ser mostrando toda a Macau e como o território mudou. E como as ideologias foram mudando, porque os nossos pais mudaram-se para Macau devido à situação política na China naquela altura. As suas visões são muito diferentes. O público poderá ver como nascemos e crescemos. Praticamente nasci na fábrica.”

Experiência checa

Esta não é, contudo, a primeira vez que este espectáculo sobe ao palco. Tudo começou em Praga, na República Checa, onde Teresa e Kevin Chio, produtor do espectáculo, fizeram os seus mestrados nesta área.

“Em dois anos fizemos um projecto final e decidimos que tínhamos de fazer algo sobre Macau. Ficámos muito felizes com um contacto que conseguimos com um centro de arte performativa local, um dos maiores de Praga. Foi importante porque a maioria dos teatros são em checo, mas este está aberto a profissionais do estrangeiro e, por isso, conseguimos apresentar o nosso projecto. Também cooperamos com artistas de Praga ligados ao teatro documental.”

Para Teresa Lam, estar em Praga e apresentar lá o seu espectáculo foi importante do ponto de vista criativo. “Conseguiram transmitir-nos uma visão estrangeira ao projecto, porque muitas vezes introduzimos elementos de uma cultura, como os pauzinhos, e não compreendemos como os outros vão olhar e entender esses elementos culturais.”

No ano passado, Teresa Lam e Kevin Chio foram convidados para regressar à capital checa, onde fizeram a segunda fase do “Made in Macau 2.0”, que vai agora ser apresentada ao público local.

Apesar de conter uma boa dose de realidade, “Made in Macao 2.0” também será feito de ficção. “O espectáculo vai mostrar a realidade, mas também alguma imaginação, sobretudo sobre o período anterior ao meu nascimento, quando os meus pais vieram para Macau. Abordo também os amigos dos meus pais, que não tiveram a mesma sorte de vir para o território. Fiz alguma pesquisa sobre isso e criei alguma ficção à volta desse período”, concluiu.

O espectáculo está a cargo da companhia de teatro alternativo Rolling Puppet, fundada por Teresa Lam, e será apresentado ao público no dia 18 de Fevereiro às 20h e no dia 19 de Fevereiro às 15h. Os bilhetes já se encontram à venda.

19 Jan 2017