Pedro Lystmann h | Artes, Letras e IdeiasO melhor bar do mundo [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s 412 membros da Academia votaram. O melhor bar do mundo é o Artesian (1C Portland Place, Regent Street, London, UK.).* O leitor não deve, desta feita, temer aborrecidas listas de bares, estatísticas e números. A apreciação da competição que levou à escolha do Artesian serve apenas para perceber o que é que anima esta eleição. No fundo, o mais importante é dito logo no início da longa relação que explica todo este processo: in the end a great bar is one people enjoy visiting. O meu bar preferido em Hong Kong é de uma banalidade atroz mas é um sítio onde me sinto muito bem e em cujo balcão descanso de longas viagens. Ter um bar preferido é uma grande vantagem de vida. Não haver em Macau um que esteja à altura é uma insuficiência tíbia que diz muito sobre as escolhas que no território se praticam. Os votantes têm origens muito diversas, não apenas em cidades de bebida como Nova Iorque, Londres ou Sidney mas também Hong Kong, Dubai, Cidade do México ou países como o Camboja, o Líbano, a Malásia ou o Quénia.** Os lugares constantes da lista são de muitos tipos: bares de hotel, bares tiki, bares de hostels – como o intrigante Broken Shaker, em Miami Beach – velhos bares de bairro, speakeasies, ou lounges. Muitos deles são relativamente recentes, o que interessa a um lugar, como Macau, em que tudo o que tem de ver com bares e hotéis é muito recente. Aqui não permanece, como já foi dito muitas vezes, nenhum antigo bar de hotel. Assim, esta lista não sofre de um mal global frequente neste tipo de classificações – a nostalgia. Os factores mais importantes (e esta é a definição que mais interessa fazer) são fáceis de determinar. Supremo é a qualidade das bebidas misturadas, nuclear numa altura em que a regressada moda do cocktail mostra uma vitalidade que já teve no passado e uma propensão experimentalista que é nova. Muitos dos membros da Academia são bartenders e a maior parte dos elogios recai sobre a qualidade dos cocktails. Uma parcela muito importante é dedicada à hospitalidade, o que não é a mesma coisa que serviço. É a capacidade de fazer o cliente ocasional ou regular sentir-se bem vindo e acarinhado, algo que, em Macau, se consegue no Whisky bar do Hotel Star World, no Macallan ou no pouco conhecido Rendez-vous, no Sofitel. O Artesian alcançou a primeira posição, pela quarta ou quinta vez, por aliar a qualidade das misturas a uma generosa hospitalidade e à qualidade que de seguida se indica. Esta, muito elogiada em bares desta classificação, é o constante apuramento ou reinvenção dos cardápios e a atenção dispensada aos pormenores: o gelo, a música, o serviço, a ambiência. No The Dead Rabbit (bar que preenche o segundo lugar, sito em Nova Iorque), também conhecido pelos seus cocktails, a ementa – que tem 64 entradas – muda todos os anos, um processo que leva cerca de 5 meses a apurar. Serve 3500 cocktails por semana. A dedicação dá resultados: 9 horas por dia dedicadas à preparação de ingredientes por vezes comprados às 5 da manhã é o que acontece no bar Nightjar, em Londres (3º classificado da lista). Plâncton, tinta de chocos e pólen de abelha fazem parte de algumas das misturas. Não há, em Macau, nenhum bar que possa alcançar o luxo da constante renovação das misturas – nem há clientela que o justifique. A distinção atinge-se ainda quando um bar exibe uma oferta generosa de uma bebida particular, whisky ou, por exemplo, gin ou rum. Em Macau distingue-se a oferta de mais de 400 whiskys e whiskeys do bar Macallan e pouco mais. O mesmo se passa no The Baxter Inn, sito em Sydney, o primeiro da Australásia e sexto em geral. *** O The Baxter Inn tem aquilo que no artigo se chama uma alta staff retention rate (taxa de retenção do pessoal), a capacidade para manter o mesmo grupo de trabalhadores durante muito tempo, uma vantagem que encontramos, por exemplo, no Whisky bar do Hotel Star World, em Macau. Mas, ao contrário do que acontece localmente, sinal nuclear de uma verdadeira dedicação à bebida e ao convívio que distingue também Hong Kong, o bar de Sydney enche todos os dias da semana. No que pertence à geografia que nos é mais próxima, os países ou regiões que figuram na lista são Hong Kong (com o Lobster e o Quinary, respectivamente em 18º e 39º lugar, o segundo dos quais conhecido deste cronista que nele apercebe só uma boa oferta de cocktails. Não apercebe sinais hospitaleiros. Abriu em 2012 e é conhecido pelo empenho na mixologia molecular), Singapura (o 28 Hongkong Street em 7º lugar e o Manhattan Bar em 35º) e Tóquio (High Five, 13º lugar****). Desilusão: em nenhum destes 50 bares (como acontece em Macau) se nota um desejo de oferecer um desenho arrojado, verdadeiramente contemporâneo. Predomina a madeira. O Manhattan Bar, em Singapura, é o exemplo perfeito deste irritante anacronismo. Data de 2014 mas segue o desenho de um bar nova-iorquino do século XIX, altura em que os frenesins do consumo de cocktail começaram a impor-se. A persistência deste tipo de escolha prova que é isto que os seus patronos desejam e demonstra a tendência da Drinks International – que não parece dar muito peso à intrepidez do desenho. Já se afirmou isso à exaustão a propósito do que se passa em Macau. Uma possível excepção é o Buck & Breck, em Berlim. O dono, Gonçalo de Sousa Monteiro, tende a valorizar a consistência e a não mudar muito a oferta pelo que esta tendência, muito generalizada, sendo definidora não é obrigatória. O desenho é íntimo mas mostra alguma audácia. * veja-se a página da internet da Drinks International. ** além de votantes em 24 países europeus. 15% dos votos vêm da Ásia. Mas não há que esconder a verdade: a maior parte dos lugares escolhidos tem uma envolvência anglo-saxónica. Londres e Nova Iorque figuram em destaque. A Austrália, como se sabe, dedica um amor firme aos bares, neste árido continente se encontrando alguns dos bares mais interessantes do mundo, inclusivamente a nível do seu desenho. *** em Macau existem bares agregados a hotéis que têm menus mais extensos (por exemplo de vinhos de mesa) mas que permanecem desconhecidos dos clientes menos habituais ou menos atentos. **** o High Five, no entanto, fechou no passado mês de Setembro. A Drinks International informa que o bar, sempre cheio, não era suficiente ao número de bebentes que o procuravam. Abrirá outro, sempre sob a orientação de Hidetsugu Ueno, ligeiramente maior mas continuadamente íntimo.