Quevedo Camoniano

Nasceu Francisco Quevedo em 1580 no Ano Da Graça da morte de Camões, ele que seria um dos maiores escritores do Barroco espanhol ocupando assim na literatura ibérica um lugar imenso de acordo com a complexidade do estilo a que preside, multifacetado, vamos encontrá-lo no entanto carregado de influência maneirista ou camoniana nos poemas que deixou, que muita da sua escrita se reparte por outros ramos estilísticos que sua vida exigiu no cumprimento das funções sociais.

Intricadas funções a partir do lendário Duque de Olivares de que nos falará mais tarde Ramón- del Valle – Inclán, esse Duque truculento que simboliza a nobreza corrupta, pois que Quevedo sempre gravitara ao redor de certas influências reais. A guerra com Gôngora adensa ainda mais o seu estado de comprometimento que completa uma vida bastante acidentada.

Para além das analogias dos desterros, viagens e prisões, é com imensa alegria que o sabemos um herdeiro de Camões, tendo à época testado o então desconhecido hipertexto que está marcado no registo dos seus poemas, se não vejamos: « É gelo abrasador, fogo gelado, é ferida que dói e não se sente…. ( Soneto Amoroso Definindo o Amor) : Quando me volto para trás a ver os anos que minha idade cobriu de neve fria; ( Salmo IX de « Heráclito Cristiano)» há no entanto que atender a uma maior complexidade léxica e sintática que nos levaria a todos os campos deste novo estilo, só que, na sua perfusão, Quevedo arranca com o mote e frases literais extraídas ainda da compenetração clássica do nosso poeta.

Que dizer também do Adamastor camoniano, esse ser triste e cativo, rugindo entre penhascos e vítima amaldiçoada do Amor? Um emblema da compaixão pelo medo e a pena que temos dele, mas onde os bravos não recuam, também Quevedo o ressuscita no conhecimento que tirara dos Lusíadas: «Vês tu este gigante corpulento que solene e soberbo se inclina? ….mas quem seu modo rígido examina despreza tal figura e ornamento…» Tudo estava tão perto, as correntes tão unidas, que mitologia havia nestas matérias que se estreitavam até serem quase únicas, mas, ninguém mais era tão digno de influenciar em cântico de perfeição que este poeta que o destino fez nascer em terras lusas. Quevedo era outro homem, tendo tido poemas que poderemos remetê-los para o escárnio, o maldizer, escatológico, portanto, o que em Camões não vamos encontrar, mas também esse pulsar da fonte ” bárbara” não deverá para a nossa identidade ser surpresa. Temos do melhor que há nessa matéria.

Se nos poemas Heráclito cristiano assistimos ao arrependimento deste poeta por erros passados, em Camões tudo se torna mais lírico, precioso e livre. Uma situação que não resulta de uma emboscada do tempo, mas numa lucidez muito gentil e magoada por todas as fontes do processo de evolução que seu ser ardente queimou sem ver. O problema da visão deve-lhe ter dado capacidades improváveis que outros não têm e composto uma versão mais completa. É o trabalho de uma vida averiguar todos estes dons, fontes, desdobramentos e influências, que se pode estar sempre trabalhando em busca de correlacionar o que de bom a Humanidade faz. Ela, a que se repete, não é no entanto a que expomos aqui, que neste local as coisas não são de modo grácil a produzir satisfações, nem os poetas desta dimensão têm de entreter os espaços vazios do já quase insustentável desdobramento de cada um.

Um corpo de obra tão vasto não será nunca circunscrito, mas, muito do muito bom que aqui se encontra tem a marca do que de melhor nos aconteceu.- Este Quevedo português!

15 Jun 2022