Hoje Macau EventosExiste necessidade urgente de repensar a questão da identidade, diz Amin Maalouf [dropcap]O[/dropcap] escritor e ensaísta Amin Maalouf, vencedor do Prémio Gulbenkian 2019 manifestou em entrevista à Lusa profunda “inquietação” pela actual situação mundial, onde deixou de existir “credibilidade moral”, e assinalou a urgente necessidade de “repensar” a questão da identidade. “Não é uma questão simples. Não há uma solução milagrosa, estamos num mundo que atravessa um momento extremamente delicado, na minha perspectiva uma das coisas essenciais reside na necessidade de repensar a questão da identidade”, assinalou na sede da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, onde na sexta-feira recebeu o Prémio Calouste Gulbenkian 2019 por um júri presidido por Jorge Sampaio e também justificado pela sua “promoção activa da fluidez cultural”. Filho de pais libaneses – mãe nasceu no Egipto – Amin Maalouf, natural de Beirute, 70 anos, tem dupla nacionalidade libanesa e francesa e é apontado como um dos mais empenhados intelectuais na busca de um novo caminho de convivência multiétnica, multirreligiosa, multicultural. No seu recente ensaio “O Naufrágio das Civilizações” (2019), vários anos após “As Identidades Assassinas” (1998), retoma a abordagem das diversas derivas e feridas do mundo presente. E no qual detecta uma relação de “causa-efeito” entre o naufrágio do Levante, a região do Mediterrâneo Oriental, do Médio Oriente, e o naufrágio de outras civilizações. “Temos necessidade de mudar a atitude que consiste em resumir a identidade de uma pessoa a um aspecto, seja religioso, nacional ou outro, e é necessário ajudar as pessoas a assumir o conjunto da sua identidade, o conjunto da sua pertença. Quando algumas pessoas têm uma pátria de origem e uma pátria de acolhimento, é necessário que possam assumir plenamente a sua pertença às duas”, assinala o autor de “As Cruzadas Vistas pelos Árabes” (1983) e “Leão, o Africano” (1986). O escritor, vencedor do Prémio Gouncourt em 1993 pelo seu livro “O Rochedo de Tanios” e que foi eleito para a Academia Francesa em 2011, sublinha o “importante trabalho a fazer para garantir uma coexistência harmoniosa”, que considera “o grande projecto” da época actual. “Mas tenho a impressão que não fizemos o suficiente por isso”, ressalvou. A “má gestão” das questões em torno das identidades, em particular na região do Mediterrâneo Oriental, continua a manifestar-se, apesar de recordar que o século XX foi “desastroso” desse ponto de vista. “Houve evidentemente a tragédia arménia, todas as tragédias que se sucederam, nem as contamos, toda essa região que era uma região de reencontro, de Sarajevo a Alexandria, de Bagdad a Constantinopla, toda essa região que tinha potencialidades gigantescas, que poderia ter sido um pólo de progresso para todo o mundo. Foi uma verdadeira tragédia o que aconteceu”, lamentou. Na sua inquietação, Maalouf depara-se hoje com uma época de imensos sucessos, mas também de profundos fracassos, de uma ordem internacional em colapso, de um mundo árabe, “do meu Levante” como refere, que atravessa um dos momentos mais negros da sua história, da grande potência ocidental que perdeu a autoridade moral. “Existem relações muito pouco saudáveis entre diversas partes do mundo, estamos num mundo que precisa de coexistência, de uma gestão serena das identidades, e não caminhamos nessa direcção”, sublinhou. Lucidez é uma palavra muito presente no seu amplo vocabulário. “Temos necessidade de lucidez, frequentemente somos regidos seja por preconceitos seja por bons sentimentos… Penso ser necessário ver o mundo tal qual ele é, tentar compreender os mecanismos do problema, e tentar verdadeiramente resolvê-los”, sugeriu. “O que me perturba sempre, e trata-se de uma característica da nossa época, é que falamos muito dos grandes problemas e temos a impressão de resolvê-los porque falámos deles. É verdade para o clima, é verdade para outras situações, falamos, os problemas estão presentes, agravam-se de uma década para a seguinte e não fazemos nada de decisivo para terminar com essa deriva”, acentuou. O ensaísta, que viveu a sua infância no Líbano – “havia qualquer coisa no Líbano que era promissora, infelizmente a experiência não conseguiu manter essa promessa”, disse – depara-se com novos fenómenos que acentuam a inquietação que percorre a sua obra. “Já ninguém possui uma verdadeira credibilidade moral. Nem pessoas, nem instituições, nem referências morais, estamos numa época em que tudo é posto em causa, tudo parece em vias de perder a sua capacidade de exercer uma autoridade moral. Vai da Casa Branca ao Vaticano, por todo o lado as instituições estão em profunda crise e cuja credibilidade foi abalada”, concluiu.
Hoje Macau EventosEscritor Amin Maalouf vence Prémio Calouste Gulbenkian 2019 [dropcap]O[/dropcap] jornalista e escritor líbano-francês Amin Maalouf é o vencedor do Prémio Calouste Gulbenkian 2019, no valor de 100 mil euros, anunciou a fundação, que vai também premiar a Associação de Apoio à Vitima, um programa de rádio e o Teatro Metaphora, em Portugal. Segundo a fundação, o Prémio Calouste Gulbenkian 2019 será entregue na sexta-feira a Maalouf, “reconhecido como um dos nomes mais influentes e respeitados do mundo árabe” e que foi escolhido por um júri presidido por Jorge Sampaio. Amin Maalouf “tem sido um incansável construtor de pontes, procurando mostrar o caminho das reformas necessárias para construir um mundo em paz, de acordo com um modo de vida mais justo e sustentável”, escreve a Gulbenkian. “Na sua mais recente obra – Le Naufrage des Civilizations – Amin Maalouf, que prossegue a sua análise sobre a crise do ‘vivre ensemble’, analisa as derivas e as feridas que se podem abrir nas civilizações modernas e apresenta pistas para que europeus e árabes possam cooperar na construção de um mundo melhor, no respeito pelo Estado de Direito e os Direitos Humanos”, acrescenta a fundação. O Prémio Calouste Gulkenkian 2019 será entregue pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, no ano do 150.º aniversário do nascimento de Calouste Sarkis Gulbenkian. Na sexta-feira, a cerimónia, que assinala os 63 anos da Fundação Calouste Gulbenkian, termina com um concerto pela Orquestra Gulbenkian.