Margarida Moz: “Não há festival que não queira ter um filme português”

Margarida Moz, antropóloga que viveu a adolescência em Macau, é directora da Portugal Film, a agência “filha” do Indie Lisboa que traz, este fim-de-semana, à Cinemateca Paixão uma mostra do que melhor se faz no cinema Português

[dropcap]C[/dropcap]omo nasceu a Portugal Film? Uma filha do Indie Lisboa?
A Portugal Film é, de facto, uma filha do Indie. A Associação Indie Lisboa inicialmente só realizava o festival. O que acontecia é que também era uma montra para alguns realizadores independentes ou algumas produções próprias. Os filmes eram vistos no festival mas, ao longo do ano, não continuavam em nenhum circuito Internacional. Por outro lado também vinham ao festival muitos programadores estrangeiros que viam alguns filmes nacionais e que acabavam por os levar para outras paragens. A determinada altura o Nuno Sena e a Ana Isabel Strindberg, decidiram criar esta agência de modo a poder dar continuidade à carreira de filmes que passam no Indie.

Uma forma de dar a conhecer o cinema português ao mundo e de trazer o mundo ao que se faz em Portugal?
Sim. Nós além de promovermos e levarmos os nosso filmes aos festivais de cinema internacionais temos também dentro do Indie Lisboa a rubrica “Lisbon Sreenings” em que trazemos programadores, indústria e jornalistas estrangeiros. É uma maratona de três dias de projecções com os filmes que achamos mais interessantes. Por exemplo, este ano mostrámos uma curta que não participava no festival por ainda estar em pós produção. Os programadores vêm assim os filmes em Abril que poderão estar prontos atempadamente para a sua programação. Por outro lado os realizadores sabendo de antemão que o filme suscitou interesse tendem a apressar o fim dos memos. No ano passado mostrámos a “Balada de um Batráquio” por exemplo, e o programador de Roterdão ficou logo interessado. Berlim também mostrou interesse e como foi o primeiro a aceitar o filme esteve na Berlinale onde ganhou o Leão de Ouro.

A agência tem alguns veteranos do cinema português mas também já apresenta um bom número de jovens cineastas. Apostam efectivamente nos novos talentos portugueses?
Não há duvida de que realizadores como Pedro Costa, Manuel de Oliveira, João Botelho, João Nicolau, etc, as pessoas já conhecem. Por outro lado as pessoas têm a ideia feita de que o cinema português é muito pausado e contemplativo. Mas a verdade é que estes jovens realizadores são todos muito diferentes entre eles e chamaram outra vez a atenção para o que se faz em Portugal. Neste momento não há festival nenhum que não queira ter um filme português ou ver alguns. Também temos uma ligação à Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa onde vamos ver os trabalhos finais dos alunos e em que começamos a ter conhecimento destes novos realizadores. Aliás neste aspecto a Leonor Teles destacou-se de imediato pela forma como fazia os filmes.

Vem aí uma lufada de ar fresco no cinema português?
Nós vemos muitos filmes e nem sempre há uma identidade nos realizadores. Por vezes vemos filmes muito bem feitos mas que não têm frescura ou ousadia. Falta risco. Depois há aqueles que se destacam. Por vezes são filmes com mais fragilidades a nível de realização mas que já têm a identidade de quem o faz.

Têm levado trabalhos a festivais icónicos como Roterdão, Berlim, Clermont-Ferrand. O que se segue?
Em Cannes já tivemos este ano dois filmes na semana da crítica. O “Ascensão”, do Pedro Peralta, e o “Campo de Víboras”, da Cristèle Alves Meira. Agora queremos Locarno e Veneza.

Quais as maiores dificuldades que têm sentido?
Começamos agora a sentir algumas. Por um lado, elevámos a fasquia de tal maneira que todos os realizadores têm uma grande expectativa em relação à agência. É como que se: se nos derem o agenciamento do filme, já é garantia de que vai circular. Por outro, continuamos a ter esta postura que pode parecer arrogante, mas que não o é, em que recusamos muitos dos filmes que nos propõem. Não podemos ter um catálogo com centenas de filmes e desde o início que estabelecemos um limite máximo de curtas e longas a agenciar anualmente. Se queremos acompanhar com proximidade realizadores e filmes, é humanamente impossível ser feito por três pessoas. A Portugal Film funciona comigo e com a Ana Isabel Strindberg a tempo inteiro e o Gonçalo Mata e o Rui Mendes que alternadamente vão fazendo outras coisas como as inscrições etc.

Passou a adolescência em Macau e está de regresso em visita. Reconhece a RAEM?
Mudou tudo. Já fui dar um passeio e perco-me. Há uma familiaridade que não muda como estes cheiros ou a quantidade de gente. Não é que goste mas não me são estranhos. Vivi aqui numa idade muito importante, dos 10 aos 18, uma idade muito marcante.

O que espera da mostra cá?

Começámos a pensar no que trazer ainda no ano passado. A “Balada de um Batráquio” não era para vir mas acabámos por trazer pela premiação em Hong Kong. “Os olhos de André” também estiveram no mesmo festival e também acabou por vir dada a aceitação. Por outro lado, também é um filme que aborda a família que acho que é um tema universal. Aliás vamos ter três filmes que de alguma forma abordam este tema. Ainda temos “A toca do lobo” sobre o avô da Catarina Mourão, o “Gipsofilia” sobre a avó da Margarida Leitão. Eu também sou antropóloga de formação e trabalhei na área da família e do parentesco. São-me temas muito próximos também.

Como é que a antropóloga foi parar ao cinema?

Casualmente. Sempre estive na área de género, família e sexualidade. Fiz uma tese de mestrado em que trabalhava como voluntária na Associação Gay e Lésbica de Lisboa. A actividade da associação com maior apoio da câmara era o festival de cinema que aliás foi dos primeiro se não o primeiro em Lisboa, o Queer. Curiosamente agora estamos no mesmo edifício. A câmara de Lisboa aluga a preço simbólico vários espaços para a área do cinema e estamos lá todos, o Doc Lisboa, o Indie, a Monstra, a Academia de Cinema, etc. Mas continuo ligada à Antropologia, ainda dou aulas na escola Superior de Enfermagem de Lisboa.

Essa proximidade entre as várias entidades tem sido benéfica?
Sim, muito. Se recebemos por exemplo filmes do Indie que não são seleccionados passamos àqueles que achamos mais apropriados.

Do cinema que se faz em Macau, qual a sua opinião?
Conheço muito pouco . Recebemos, há tempos, um filme de cá que esteve praticamente a ser seleccionado. Muito interessante. Mas era muito longo e não havia na programação espaço suficiente. Depois há o Ivo Ferreira ou a Leonor Noivo que são muito bons.

E do que se faz na Ásia?
Aí sim há mais acesso. Os filmes apesar de ainda serem muito locais já têm uma grande representação em festivais europeus. Taiwan, Hong Kong e mesmo Macau ao lado da Coreia do Sul ou do Japão já têm representações. O cinema asiático já tem uma forte presença nos mercados.

10 Jun 2016