Sara F. Costa Artes, Letras e IdeiasA lamechice de pensar Quando o treino começa, o líder transmite a obediência regional com as palmas das mãos. Gritos de guerra tornam-se objetos duros pendurados na testa. Os objetos precipitam-se para se tornarem comestíveis. A procura do equilíbrio é a procura do terreno, olhos em forma de guardanapos para limpar o suor, para limpar o esforço físico e polir o ego. Qualquer terreno de visão é comestível quando se trata de alimentar o ego. Quantos hospitais habitam a nossa falta de amor-própio? Os outros têm de morrer e nós temos de sobreviver. Mesmo sabendo que isso é um mero acaso, é-lhes importante fazer disso bandeira. Os homens, duros, homens que se sabem defender, homens-muro onde não entra a lamechice do raciocínio. “É preciso alguém que diga umas verdades” diz um desportista para o outro. “É parar de usar palavras bonitas, é preciso ir-se direto ao assunto”. Homens-muro onde não entra a lamechice do pensamento. “É daqueles gajos que incomoda as mulheres” ou os homens fracos, pessoas com batom vermelho que têm ar de quem lhes deve dinheiro. A ferocidade da falta de propósito, o vazio da rotina, a vontade de outra coisa. Outra coisa qualquer desde que haja contenda. Treinam há anos e nunca estiveram numa guerra. Give me a cause to die for. “Minorias étnicas é conversa de larilas”. Subitamente o desprezo por qualquer demonstração de inteligência. Homens duros onde não entra a lamechice da emoção. Conversa de mulher, muito articulada, à procura de vítimas nas vítimas, com pena dos pobres. Homens-muro onde não entra a lamechice da empatia. “Era pô-los a todos na garagem e vê-los transformarem-se em arco-iris nus”. “Era pô-los no hospital a salivar com as papilas vermelhas e alimentar só a ponta da língua”. Trabalham e outros não trabalham. Queriam a vida de outros mas os outros só podem ter a vida que têm, porque eles não a têm. Porque eles trabalham. Dignidade importada de existir sem estar presente. Centros de treino geridas por totalitarismo patriarcal. As vítimas não são os refugiados de guerra nenhuma. Precisam de atenção. As vítimas roubam-lhes a atenção. E são vítimas de exploração, arbitrariedades e violências. A fome de violência na crise existencial pousada nos sacos de pancada. As vítimas não são os refugiados de guerra nenhuma mas já que insistem, pode-se fazer uma guerra aqui. Se todos os sítios estiverem em guerra, já ninguém foge da guerra. Assim os impostos a serem usados de forma muito mais justa. Em armamento-esforço. O esforço de existir sem causas mas ser-se digno. Correr como quem tem poder. Um dia ouviram falar de interseccionalidades com as feminilidades e fizeram logo duzentas flexões seguidas. Homens que nunca cumprem regras porque são superiores a elas mas acham que a lei é para ser aplicada e a constituição alterada com todas as limpezas de um germofóbico. Libertam-se na atividade bélica porque o único confinamento necessário é o do horizonte. Todo o ódio acumulado numa falsa causa. Afinal, pensar é lamechas e idolatrar um tirano é transformar-se em tirano.