Pedro Alexandrino da Cunha | Governador de Macau por 37 dias

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha nasceu a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa e com um percurso promissor de estudante feito no Colégio da Luz, após terminar o curso em 1819, logo iniciou a carreira militar. Assentou praça na Brigada Real da Marinha onde, a 22 de Março de 1821 passou a Alferes, mas integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército.

Estudava Matemáticas na Academia da Marinha quando a 30 de Abril de 1824, por ser um convicto liberal, durante a perseguição miguelista foi preso com outros oficiais no Forte de Peniche. Após nove dias na prisão, foi libertado e voltando à Academia terminou o curso, inscrevendo-se logo de seguida na Academia de Fortificação, onde em Julho de 1827 foi promovido a Tenente, ficando no Regimento 13 de Infantaria. Devido a D. Miguel ocupar a Coroa de Portugal em 1828, Pedro Alexandrino da Cunha emigrou, como tantos outros oficiais, para Inglaterra. Encontrando-se Portugal dominado pelos absolutistas, ocorre uma guerra civil, estabelecendo os liberais o seu quartel-general na Ilha Terceira, nos Açores. Para aí seguiu Pedro Alexandrino a reparar as fortificações e integrar o governo liberal da Terceira e onde na Batalha da Praia em Janeiro de 1829 os realistas são derrotados. Ingressou na Armada em 1831 e rapidamente subiu de posto enquanto vai comandando alguns navios de guerra. Preparou no Porto a chegada de D. Pedro, que regressava do Brasil para lutar contra o irmão D. Miguel pela Coroa, organizando aí as guarnições ligadas à Marinha. Na arrojada expedição ao Mindelo veio ele igualmente, fazendo parte da esquadra libertadora, comandada pelo Vice-Almirante R. G. Sertorius.

Após a vitória dos liberais em 1834, Pedro Alexandrino da Cunha navegou até ao Brasil e seguiu depois para África, onde passou cinco anos. Mais tarde, a 6 de Setembro de 1845 tomou posse como Governador de Angola, ficando com o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra. Encontrava-se no Brasil, numa missão comercial, quando por decreto de 5 de Novembro de 1849 foi nomeado para o cargo de Governador de Macau, altura em que fica a saber ter o seu amigo, o Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral sido assassinado pois, esse decreto também exonerava o Capitão Feliciano António Marques Pereira do Governo interino de Macau, que substituíra o falecido Governador.

Após Ferreira do Amaral (1846-1849), Pedro Alexandrino da Cunha viria a ser o segundo Governador-Geral de Macau pois, pelo decreto do Governador da Índia, José Ferreira Pestana (1844-51), em 20 de Setembro de 1844 dera-se a criação da Província de Macau, Timor e Solor. O Governador dessa nova província ficou independente da jurisdição do Governo de Goa, que deixava de o nomear, passando ele a residir em Macau, e Timor, com Solor, tinha um governador seu subalterno.

Ataque de cólera

Como Governador, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Alexandrino da Cunha, desembarcou em Macau a 26 de Maio de 1850 e tomou posse a 30 deste mês. Após um mês de governação, “com a tomada de uma porção de neve (gelados de creme e de limão e em seguida geleia e whisky)” a gastrenterite crónica de que padecia agravou-se. Tomás José de Freitas auscultou-o pela primeira vez a 5 de Julho e tratou-o durante a doença, mas esta “degenerou num fulminante e insidioso ataque de cólera, que, dentro em poucas horas, o privou inteiramente de vida.” No relatório do Serviço de Saúde de 1862, o Dr. Lúcio Augusto da Silva escreveu: “A doença do Governador Pedro Alexandrino da Cunha começou por abundante diarreia, vómitos, sede, ansiedade e abatimento geral. O facultativo assistente observou na sua primeira visita: prostração, voz rouca, vómitos e dejecções de um líquido escuro e fétido, pulso filiforme, suor copioso e frio, resfriamento nas extremidades e dores nos joelhos. Mais tarde teve o doente dejecções de líquido amarelo claro, turvo e inodoro, resfriamento pronunciado e quase geral, lábios arroxeados, sede ardente, língua esbranquiçada, pouco húmida e não fria, dor intensa no epigastro. Depois supressão de evacuações, excepto a urinosa, pulso imperceptível, voz rouca, palavra difícil, conservando porém intacta a inteligência, olhos encovados, pálpebras entreabertas, feições alteradas, sem contudo ocultar de todo a fisionomia; finalmente suores viscosos, respiração curta, cianose em diferentes partes do corpo, sendo mais pronunciada nas mãos e nos pés, alguma magreza e o estado rugoso da pele, foram os sintomas que completaram aquele quadro e que o acompanharam até o fim da existência. Estes sintomas e muitos casos que então apareceram com eles fazem acreditar que houve efectivamente uma epidemia de cólera-morbus em Macau no ano de 1850.” Mas porquê esta dúvida?

Num opúsculo sobre <Pedro Alexandrino da Cunha>, o autor Joaquim Duarte Silva diz <que a morte súbita de Pedro Alexandrino despertou desde logo, em Macau, suspeitas de que ele fora envenenado>. Tal tese devia-se ao pouco conhecimento da existência em Macau de casos de cólera, que começaram a grassar na cidade nesse ano. O seu cadáver foi autopsiado por cinco cirurgiões militares e da armada que no relatório descreveram minuciosamente todas as lesões anátomo-patológicas, classificando a doença de gastroenterite. O relatório da autópsia termina: <A causa da morte seria simplesmente gastroenterite ou, concorreria também alguma influência meteorológica? Não sabemos! Contudo é possível admitir-se a existência de alguma causa especial que actuasse na produção dos sintomas mais graves, que ao mesmo tempo dirige a sua influência sobre muitos indivíduos, atendendo a aparição de três casos quase análogos a este, que tiveram a mesma terminação, e de outros muitos que têm continuado a aparecer com sintomas tão graves e que não têm sido fatais>. O Dr. Peregrino da Costa em Relatórios das Epidemias de Cólera de 1937 e 1938 refere, <Estas considerações dão a impressão de que estando-se em plena epidemia de cólera, embora no seu início, como mais tarde se veio a confirmar, os médicos da época – os cinco cirurgiões militares e médicos da armada que assinam o relatório da autópsia e no qual aliás as lesões anátomo-patológicas são minuciosamente descritas, ou não quiseram aceitar logo a evidência dos factos, para não atemorizar a população já alarmada com o assassinato de Ferreira do Amaral, ou pretenderam então afastar, por razões políticas, a ideia de o Governador ter sido vítima de cólera>.

Governador de Macau por 37 dias, Pedro Alexandrino da Cunha faleceu com 48 anos de idade pelas três e meia da tarde do dia 6 de Julho de 1850 e foi uma das primeiras vítimas da epidemia de cólera, que grassou na cidade. Sepultado no Cemitério de S. Paulo em Macau, segundo o Padre Manuel Teixeira, é “provável que os seus restos mortais fossem removidos com outros para o Cemitério de S. Miguel, construído quatro anos depois, mas hoje desconhecesse o local onde eles repousam.” Pagas as dívidas do finado e deduzidas as custas e despesas legais, o produto líquido dos seus bens foram introduzidos no Cofre da Fazenda Pública de Macau.

Se em Macau Pedro Alexandrino da Cunha não teve tempo para governar, ficam os seus relevantes serviços prestados a Angola como Governador-Geral, cargo que exerceu de 31 de Maio de 1845 a 18 de Fevereiro de 1848, a justificar a sua estátua na cidade de Luanda.

26 Mai 2017

O Governador de Angola Pedro Alexandrino da Cunha

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]omeado a 31 de Maio de 1845 Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha tentando “harmonizar as leis da metrópole com a prática colonial, conseguira que a administração portuguesa em Angola deixasse de depender dos direitos alfandegários que incidiam sobre as exportações ilegais. Ao mesmo tempo, Luanda e Benguela abriam-se à navegação estrangeira, tornando-se já visível a modificação da estrutura das trocas, com o crescimento e a diversificação das exportações de produtos de colheita directa e da caça, como a urzela (musgo com aplicação na tinturaria) e o marfim. Mas não tardaria que o tráfico, banido dos portos principais, fosse reimplantar-se noutros pontos do litoral, como Ambriz e Moçâmedes, procurados pelos comerciantes luso-brasileiros para escapar às alfândegas e ao patrulhamento britânico”, como se refere no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, [que constava não existir, pois perdido entre documentos microfilmados do Arquivo Histórico de Macau].

“A burguesia colonial de Angola era constituída não só pelos agentes directos dos poderosos mercadores residentes no Brasil e por alguns negociantes emigrados de Portugal, como pelas grandes famílias crioulas, bem implantadas e adaptadas ao clima, mantendo ligações estreitas com Portugal e com o Brasil e desenvolvendo, ao mesmo tempo, um bom relacionamento com os Africanos. Chegou a afirmar-se que, nesta altura, Angola mais parecia uma colónia brasileira que portuguesa e não foram raras as tentativas no sentido de uma união com o Brasil com vista a garantir a manutenção do tráfico, mas que a Inglaterra sempre conseguiu contrariar. Apesar de tudo, os indícios de mudança continuavam a manifestar-se e era já muito clara a importância económica que as colónias africanas iam assumindo para alguns sectores da sociedade portuguesa”, segundo Maria Manuela Lucas, que refere Angola representar “o baluarte mais sólido do poderio português em África”.
A 6 de Setembro de 1845, na mesma altura em que tomou posse como Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha foi promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra.

Bons préstimos

“A arte agrícola foi aqui [Angola] quase sempre abandonada pela autoridade, e nesta parte, curto é o espaço para descrever o muito que devemos ao Exmo. Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, que se esforçou, quanto cabia nas forças humanas, para o seu desenvolvimento” e seguindo com o Boletim Oficial, “Os talentos administrativos deste Governador chegaram mesmo a exceder o que dele se esperava, e para desviar todas as suspeitas de parcialidade, repetirei o que a própria Câmara Municipal de Luanda se abalançou a dizer ao seu sucessor naquele governo-geral.

Presságio de maior desgraça

“A exoneração do governo de Angola foi dada ao Sr. Pedro Alexandrino por Decreto da 18 de Fevereiro de 1848, reservando-se Sua Majestade a colocá-lo em lugar de não menos conveniência pública, como prova dos valiosos e aturados serviços, dizia o mesmo Decreto, por ele prestados nas Possessões portuguesas de África Ocidental além do Equador. A saída do Sr. Pedro Alexandrino de Angola para a Ilha de Luanda, foi um verdadeiro e irrefragável testemunho da sua boa conduta, por lhe ser dado espontaneamente pelos habitantes de Luanda, no mesmo momento em que ele deixava de todo o poder: alas de archotes se lhe fizeram até ao cais, duas bandas de música o acompanharam, e multiplicados abraços se lhe deram no acto do seu embarque misturados de repetidos vivas. Chegado a Lisboa o bordo do brigue Audaz, em 12 de Dezembro de 1848, depois de uma nova estada em Angola de cinca anos, Sua Majestade, por Galardão dos seus relevantes serviços, e não menos por consideração às recomendações que por mais de uma vez o governo britânico tinha feito de tão distinto empregado, o condecorou com a Comenda da Torre e Espada, e o Governo o nomeou, em 1849, Comandante da nau Vasco da Gama, mandada em comissão ao Rio de Janeiro. Já defronte da barra daquela Capital um violento pampeiro (vento) arrasou a mesma nau, levando-lhe o pano, e partindo-lhe os mastros pelas enoras. Este contratempo, presságio de maior desgraça, encheu dos mais cruéis dissabores o coração do Sr. Pedro Alexandrino; o seu temperamento, sempre no mais alto grau melancólico, e agravado não menos com a notícia do trágico fim que tivera em Macau o seu particular amigo, o Conselheiro João Maria Ferreira do Amaral, tornava-se cada vez mais sombrio, e pouco comunicativo. Tudo isto reunido com as infundadas apreensões que concebera, quando recebeu a nomeação de sucessor daquele distinto Oficial, quase lhe cortaram de todo a existência que apenas lhe chegou para, do Rio de Janeiro, seguir viagem para o lugar do seu novo destino a bordo da corveta D. João I, que aportara a Macau a 26 de Maio do corrente ano (1850), tomando posse do respectivo governo o Sr. Pedro Alexandrino”.

19 Mai 2017

O trabalho de Pedro Alexandrino em Angola

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 1834, após as batalhas de Almoster, em Fevereiro e de Asseiceira, em Maio, ainda nesse mês foi eleita uma Câmara Constitucional e logo uma semana depois, o monarca absolutista D. Miguel abdicou, tendo-se exilado em Itália. O Rei D. Pedro IV vencia o seu irmão e pela vitória liberal, a burguesia recupera o poder no Estado, quando se realizou em Junho eleições para formar as Cortes. Segundo refere Luís Filipe Torgal, “O sufrágio era masculino, indirecto e censitário: só os maiores de 25 anos ou de 21 anos, conforme o estado civil e o estatuto profissional, detentores de um rendimento anual líquido não inferior a cem mil réis, poderiam votar nas assembleias paroquiais. Os escolhidos nestas, possuidores de um rendimento a partir de duzentos mil réis, reuniam-se depois nas capitais de província e elegiam, por sua vez, os deputados.” D. Pedro IV reinou até Setembro de 1834, quando faleceu, subindo assim ao trono de Portugal a sua filha D. Maria II (1834-53).

Pedro Alexandrino da Cunha, comandando a Corveta D. Isabel Maria saiu de Lisboa a 9 de Dezembro de 1836 e após se dirigir para as Ilhas de Cabo Verde, dali seguiu viagem para Pernambuco, estacionando na Baía com o fim de prestar auxílio aos súbditos portugueses aí residentes. “Algum tempo depois passou ao Rio de Janeiro para tomar mantimentos, e continuar na sua comissão para a Costa de África Ocidental, para onde seguiu viagem”, segundo o Boletim Oficial de 1851, cujo redactor era então Carlos José Caldeira.
“Nas possessões portuguesas da África atlântica, a realidade evoluía de forma peculiar pois estava muito dependente do mercado brasileiro. O impulso que Sá da Bandeira imprimira aos negócios do ultramar a partir de 1835-1836 começava a ter os primeiros efeitos, sobretudo em Angola”, segundo Maria Manuela Lucas.
“Abolido o monopólio do comércio do marfim, em 1834, e autorizada a colheita da urzela, ensaiam-se novas plantações, que incluem a cana e o café, com base no trabalho escravo”, como refere Maria Manuela Lucas, que complementa, “Desenvolvia-se agora o comércio dito legítimo, ao mesmo tempo que persistia a prática do tráfico de escravos, ilegal desde 1836 e cada vez mais severamente ameaçado, não obstante a luta dos negreiros contra o poder central e contra os seus próprios concorrentes, que utilizavam localmente a referida mão-de-obra”.

Das mudanças

Pedro Alexandrino da Cunha, que chegara a Angola entre finais de 1836, ou início de 1837, aí esteve em comissão durante perto de cinco anos.
“As primeiras décadas do liberalismo português coincidiram, em Angola com um período de transição histórica, no fim do qual a maioria dos principais habitantes da colónia tinham sido forçados, finalmente, a abandonar o comércio de escravos para o Brasil e a entrar numa nova relação económica com Portugal, baseada na exportação de outros produtos. Esta mudança verificava-se principalmente através das pressões de interesses e acontecimentos internacionais, e só muito parcialmente através de esforços metropolitanos para racionalizar as relações coloniais com Angola a partir dos anos de 1820. As tentativas feitas por sucessivos governos nacionais entre 1820 e 1850, no sentido de acabar com o comércio de escravos e de aproximar a colónia de Angola à metrópole, criando uma dependência económica e política mais estreita, foram fortemente resistidas pelos vários grupos de interesses de que se compunha a sociedade colonial. A violência e os conflitos políticos que caracterizavam a história daquela colónia neste período derivavam, basicamente, de divergências socioeconómicas profundas entre Angola e Portugal, e de uma confrontação clássica entre grupos de interesse coloniais e metropolitanos”, segundo Jill R. Dias, em A Sociedade Colonial de Angola e o liberalismo português (c.1820-1850), que segue referindo, “O carácter e a estrutura da sociedade da colónia angolana nos anos de 1820 reflectiam o seu envolvimento de longa data com o comércio de escravos para a exportação. Desde o século XVII, o comércio externo de Angola tinha sido principalmente um comércio de escravos, canalizado quase exclusivamente para as plantações e minas do Brasil e das Américas. As exportações legais de escravos a partir de Luanda e Benguela para o Brasil tinham aumentado regularmente ao longo do século XVIII. Este fluxo de mão-de-obra de Angola e de outras partes da África colonial portuguesa formava a base produtiva de todo o sistema comercial luso-brasileiro e das suas relações com a Europa do Norte, das quais dependia a prosperidade de Portugal nos princípios de 1800. Contudo, os mercadores metropolitanos eram excluídos em grande parte da participação directa no comércio de escravos angolano nesta data. O controlo financeiro estava centralizado principalmente nas mãos dos mercadores estabelecidos no Brasil. Eram eles que tratavam da exportação para Angola dos produtos europeus e asiáticos usados para comprar escravos, derivando o seu domínio de circunstâncias históricas, reforçado pela proximidade geográfica e pelos favoráveis ventos e correntes do Atlântico Sul”.

Do trabalho

Regressando ao Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, “Os importantes serviços que então [Pedro Alexandrino] prestou em Angola, já na repressão do tráfico da escravatura, e já no miúdo exame, que foi fazer à Costa do Sul de Benguela, são bem notórios, e se acham consignados, tanto nos seus Ofícios, dirigidos ao Ministério da Marina, como nas publicações que deles se fizeram nos Jornais Marítimos e Coloniais, e da Estatística das Possessões Ultramarinas, na parte que diz respeito a Moçâmedes, e que quase se pode dizer ele novamente descobriu, sendo causa da importância e impulso que hoje tem, e que por ventura virá a ter no futuro. Desta comissão de Angola, que durou perto de cinco anos, voltou ele ao Reino em 1841, sendo depois nomeado para Membro de diferentes Comissões. Eleito Deputado às Cortes pela Província de S. Tomé e Príncipe nelas tomou assento em 3 de Janeiro de 1843; mas sendo pedido à Câmara dos Deputados para uma nova comissão de serviço, saiu outra vez para Angola em 27 de Abril a bordo da Corveta Urunia que comandava. Chegando a Luanda, assumiu o comando de toda a Estação Naval, criando lá, (na Ilha chamada de Luanda) um pequeno Arsenal que no seu género podia servir de modelo a semelhantes estabelecimentos, e sem o qual não era possível manter a sobredita Estação. Durante este serviço foi promovido a Capitão-de-Fragata por Decreto de 14 de Fevereiro de 1844.
Em 31 de Maio do seguinte ano passou a Governador-Geral da Província de Angola, (lugar do que tomou posse aos 6 de Setembro), sendo então promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra. Pouco depois Sua Majestade o honrou com o título do seu Conselho, e a comutação da Comenda da Ordem de Cristo para a de Aviz”.

12 Mai 2017

Pedro Alexandrino da Cunha na Ilha Terceira

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Junta Provisória do Porto, que tinha criado um governo revolucionário contra o regresso à monarquia absolutista instaurada em Março por D. Miguel, declarara em 18 de Maio de 1828 lealdade a D. Pedro, à sua filha D. Maria II e à Carta Constitucional, outorgada a 29 de Abril de 1826. O autoproclamado Rei D. Miguel conseguiu o desmancho da Junta e reprimir essas rebeliões liberais, que se tinham estendido a outras cidades e alastravam pelo país numa guerra civil, levando à prisão milhares de liberais, muitos condenados à morte, tendo outros escapado para Espanha e Inglaterra. “A instauração miguelista não ocorre sem reacções de vulto ao nível de personalidades e de dados estratos sociais urbanos (Belfastada, 1828), que se traduziu pela primeira grande vaga de expatriamento político”, segundo Joel Serrão. O decidido partidário das doutrinas liberais Pedro Alexandrino da Cunha foi para Inglaterra a bordo do Paquete.

No Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851 lê-se, “A emigração apresentava-se com o sombrio carácter de larga duração era portanto necessário manter a Ilha Terceira para que seguros pudessem os emigrados nela recolher-se, e com estas vistas saiu de Inglaterra a Fragata brasileira Isabel, que em fins de Setembro de 1828 deitou na referida Ilha a primeira porção de Oficiais, entre os quais se contava o Sr. Pedro Alexandrino. Apenas desembarcado passou a ser incumbido da reparação das baterias e fortificações do Castelo de S. João Baptista do Monte Brasil, emprego a que a respectiva Junta Provisória juntou depois as funções de Director de uma Imprensa, que ele próprio montou, e pôs em acção; Imprensa que o Marquês de Palmela para ali mandara para as Publicações Oficiais do Governo”.

A 29 de Março de 1829, os exilados liberais desembarcaram na Ilha Terceira e venceram os miguelistas na Batalha da Praia, sendo no ano seguinte aí constituído o Conselho da Regência Liberal, presidido pelo marquês de Palmela.

“A Regência da Terceira abalançara-se à temerária empresa da expedição às Ilhas de Oeste, muito dificultada pela extrema necessidade que havia de Oficiais de Marinha. Foi então que a aptidão, que para tudo se tinha sempre encontrado no Sr. Pedro Alexandrino, e a regularidade dos seus estudos, o fizeram lembrado a um seu íntimo e particular amigo, que junto da Regência servia na qualidade de seu Secretário. As repetidas instâncias que este alto Empregado em nome do Governo lhe fez, reunidas aos rogos e empenhos de amizade, que também lhe apresentara e sobre tudo a sua natural dedicação ao serviço do país, puderam finalmente vencer a repugnância que mostrara em passar do exército de terra para a força do mar, passagem que desinteressadamente aceitou no Posto de Segundo Tenente que se lhe conferiu por Decreto de 25 de Fevereiro de 1831, mais pela ideia de servir a causa constitucional, que abraçara, e de ser útil à pátria, cujo amor ninguém nutria com intenções mais puras, nem no mais alto grau possuía, do que por motivo de engrandecimento próprio, ou de preterir qualquer dos Oficiais da Armada, como tão injustamente alguém tem pensado, e bem claramente se mostra ainda hoje pelo pequeno Posto que se lhe concedera”, segundo o Boletim do Governo de 1851.

Rápida promoção na carreira

Em 7 de Abril de 1831, o Imperador D. Pedro I abdicou da coroa do Brasil em favor do seu filho D. Pedro II, na altura com cinco anos e veio para a Europa, a fim de assumir a regência de Portugal em nome de sua filha D. Maria II, então com treze anos. Aportando em Inglaterra, apesar de não ser muito bem recebido pelos liberais mais radicais, organizou uma expedição militar destinada a desembarcar em Portugal e dirigiu-se para os Açores, onde no exílio se encontrava o governo liberal.

A esquadra liberal com cinquenta navios e oito mil homens partia da Ilha Terceira a 27 Junho de 1832 e para apanhar desprevenidas as forças miguelistas desembarcou um pouco a Norte do Porto, na Praia do Mindelo a 8 de Julho. Quinze dias depois, a 23, os miguelistas cercaram o Porto.

Em Julho de 1832 foi Pedro Alexandrino da Cunha “mandado servir a bordo do Brigue Conde de Vila Flor, donde em 4 de Setembro desembarcou para tomar o comando interino da Corveta Vila da Praia, fundeada no Rio Douro, achando-se já neste tempo na patente de Primeiro-Tenente, a que fora promovido por Decreto de 28 de Agosto do mesmo ano 1832. Em 25 de Outubro seguinte foi no Porto mandado servir às ordens do Ministro da Marinha, donde passou a Comandante Geral das praças de marinhagem, destacadas nas diversas baterias daquela Cidade, tornando a ser depois nomeado para servir às ordens do Ministro da Marinha, em 28 de Fevereiro de 1833. Em 18 de Julho deste mesmo ano passou a comandar a Charrua Maia Cardoso, que D. Miguel armara em Fragata, e que por essa causa foi apresada pela Esquadra Libertadora na famosa acção naval de 5 de Julho, tendo cruzado com ela na costa do Algarve, veio a entrar em Lisboa três dias depois da morte de sua mãe, que falecera de um fulminante ataque de cólera-morbus. Em Outubro de 1833 foi de guarnição para a Fragata D. Pedro, que de Lisboa saiu para Inglaterra”, levando “informações ao Capitão Elliot sobre os sucessos do movimento liberal em Portugal. De regresso ao reino participou na tomada de algumas cidades”, segundo o referido no livro Os Governadores de Macau, da Editora Livros do Oriente. E voltando ao Boletim do Governo de 1851, “Na sua volta se conservou sobre a Costa de Portugal para cooperar na tomada de Caminha, Viana, Praça de Valença e Figueira. A bordo desta Fragata tornou a sair para o bloqueio da Madeira, onde fora encarregado do governo da Fortaleza do Pico, e regressando a Lisboa em Agosto de 1834, foi por Decreto de 22 de Outubro deste mesmo ano promovido a Capitão Tenente com a antiguidade de 5 de Julho do ano anterior”. [De salientar que D. Miguel fora derrotado no regresso a Lisboa, após perder a esperança de conquistar o Porto e a paz foi declarada em Maio de 1834, sendo D. Miguel expulso de Portugal, restaurando D. Pedro a Carta Constitucional.]

Pedro Alexandrino tornou a Inglaterra “em Janeiro de 1835 para se unir às forças que se mandaram pôr às ordens do Príncipe D. Augusto, primeiro Esposo de Sua Majestade, e de lá voltou acompanhando o Vapor Monarch, que para este Reino transportou o referido Príncipe [D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha, que em 1835 casou com a Rainha D. Maria II]. Como imediato ao Comandante da Fragata Duquesa de Bragança seguiu nela viagem para o Mediterrâneo, tocando nos diversos portos da Espanha até à Costa da Itália onde cruzou por algum tempo com o fim especial de vigiar e prevenir quaisquer intentos hostis, que contra Portugal houvesse por parte de D. Miguel, e tendo estado em Spezia e Liorne, novamente regressou ao Reino. Por este tempo o Governo o encarregou de várias comissões, sendo uma delas a de visitar e examinar os diferentes Arsenais de Inglaterra. Comandando a Corveta D. Isabel Maria, de Lisboa saiu a 9 de Dezembro de 1836, dirigindo-se às Ilhas de Cabo Verde”, segundo o que refere sobre a vida de Pedro Alexandrino da Cunha o Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851.

5 Mai 2017

O liberal Pedro Alexandrino da Cunha e a sua época

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha sucedeu como Governador de Macau ao Conselheiro e Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral, após este seu amigo ter sido assassinado a 22 de Agosto de 1849, por sete chineses junto à povoação de Mong Há. Um Conselho do Governo, composto pelo Bispo Jerónimo da Mata, o Juiz Joaquim de Morais Carneiro, Ludgero de Faria Neves, Miguel Pereira Simões, José Bernardo Goularte e o Procurador Manuel Pereira, tomou conta da Administração da Colónia até que, por decreto de 22 de Outubro de 1849, o Capitão Feliciano António Marques Pereira foi nomeado para o Governo interino de Macau. Seria exonerado a 5 de Novembro de 1849, quando por decreto foi nomeado o novo Governador, Pedro Alexandrino da Cunha, que na altura andava pelo Brasil numa missão comercial. Tomou ele posse em Macau a 30 de Maio de 1850, mas logo veio a falecer por doença trinta e sete dias depois. No dia seguinte, 7 de Julho de 1850 foi nomeado um Conselho de Governo, constituído pelo Bispo D. Jerónimo José da Mata (presidente), o novo juiz de Direito Sequeira Pinto, o Presidente do Senado José Bernardo Goularte, o Procurador Lourenço Marques, o Comandante da corveta D. João I Isidoro de Guimarães, o Tenente-coronel António Tavares de Almeida e como Secretário António José de Miranda. Este Conselho esteve à frente da Administração da cidade até 26 de Janeiro de 1851, quando desembarcou em Macau o novo Governador, o Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra, Francisco António Gonçalves Cardoso, nomeado, por decreto de 17 de Outubro de 1850. Veio de Hong Kong a bordo da corveta D. João I, a mesma que anteriormente transportara Pedro Alexandrino da Cunha e apesar de esta ter fundeado na Rada na sexta-feira, dia 24, só dois dias depois este desembarcou em Macau no cais do Governador. Francisco Gonçalves Cardoso também apenas exerceu as suas funções por um curto espaço de tempo, entre Fevereiro e Novembro de 1851, a que se lhe seguiu em 19 de Novembro desse mesmo ano Isidoro Francisco Guimarães, Governador de Macau até 1863.

Brilhante estudante

Pedro Alexandrino da Cunha, nascido a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa, era “filho único de D. Rita Tiburcia da Costa e do Primeiro Tenente da Armada, Jacinto Peres da Cunha, que em 1801 falecera em Argel das feridas mortais que recebera dos mouros, na ocasião em que por eles foi tomada a Fragata Cisne, onde se achava embarcado. Em Outubro do referido ano”, poucos meses depois da morte de seu pai, nasceu Pedro Alexandrino. Com 14 anos entrou no Colégio da Luz (Colégio Militar), onde foi um distinto aluno, “sobrepujando a todos os seus condiscípulos e camaradas, pelo transcendente talento de que a natureza o dotara para tal ordem de matérias”, como ficou referido no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, nessa altura redigido por Carlos José Caldeira e de onde retiramos muitas das informações aqui transcritas sobre a vida de Pedro Alexandrino da Cunha. Após completar o curso de estudos em 1819, logo iniciou a carreira militar e assentou praça na antiga Brigada Real da Marinha, onde por Portaria de 22 de Março de 1821 passou a Alferes integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército, ficando a trabalhar no Arquivo Militar.

Em 1820 ocorrera em Portugal a Revolução Liberal e o Rei D. João VI encontrava-se no Brasil, para onde fugira em Novembro de 1807, na altura ainda como regente de D. Maria I, quando as tropas napoleónicas e espanholas comandadas por Junot se encontravam às portas de Lisboa. Durante treze anos ficou no Brasil, refugiado com a família real e toda a corte portuguesa, fazendo do Rio de Janeiro a capital de Portugal e de onde tratava os assuntos do império. Contra os invasores exércitos de Napoleão Bonaparte, em Agosto de 1808 a Inglaterra enviara um corpo expedicionário em auxílio a Portugal, a quem também fez um grande empréstimo de dinheiro e por Carta Régia foi o comércio nos portos brasileiros aberto aos países amigos.

“Napoleão obrigara à mudança da corte portuguesa para o Brasil, transferindo-se, assim, a sede da monarquia portuguesa em 1808 e transformando-se nos anos subsequentes a antiga colónia em metrópole. Tal atitude veio a ser referendada com a sua elevação a reino em 1815 (o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), medida curiosamente sugerida a D. João (VI) por um dos seus avisados conselheiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, em parecer de Abril de 1814, e também sugerida a Palmela por Talleyrand em Viena.

O antigo pacto colonial entre Portugal e Brasil fora também alterado com a abertura dos portos brasileiros e com os tratados celebrados com a Inglaterra em 1810, o que permitiu um crescimento económico diferente para o Brasil, ao contrário de Portugal. Era um mal-estar económico-social que invertia os termos da balança do Poder. Por outro lado, a partir de 1808 amplia-se uma situação de miséria económica em Portugal, com as fábricas em declínio, a agricultura em decadência, o que provocava nos anos entre 1808 e 1820 um colapso nas rendas públicas, que arrastava consigo a miséria, o desemprego e os atrasos nos pagamentos ao funcionalismo e aos militares. A esta situação acrescia o imobilismo governativo de uma regência deixada em Lisboa: os governadores do reino procuravam gerir uma nação empobrecida, desmoralizada e em situação de domínio militar sob a tutela britânica, depois de ter estado sob a tutela proteccionista francesa”, segundo Isabel Nobre Vargues, que refere “O pronunciamento militar de 24 de Agosto de 1820 deu origem a um dinâmico movimento de mudança na sociedade portuguesa, que pôs em causa as estruturas de um Estado de Antigo Regime e que é consagradamente conhecido sob o nome de Revolução ou Regeneração de 1820”. (…) “Com a instalação do primeiro parlamento liberal em Portugal – as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa -, a 26 de Janeiro de 1821, estava firmado o primeiro objectivo do movimento revolucionário de 1820”.

D. João VI, ainda no Brasil em Fevereiro de 1821, foi obrigado a jurar a sua adesão ao movimento liberal e como em Portugal Continental, o governo vintista chamava “a atenção para a influência que exerceria na nação portuguesa a presença de uma personagem real”, então o Rei por fim decidiu regressar, entrando em Lisboa a 4 de Julho de 1821. Três dias antes da sua partida, em 22 de Abril de 1821 nomeou como regente para governar o Brasil o filho D. Pedro. Com o regresso do Rei e de toda a Corte, perdeu o Rio de Janeiro toda a animação e o estatuto de capital do Reino, assim como voltava de novo o Brasil a ser apenas numa simples colónia. Segundo o que previa Silvestre Pinheiro Ferreira, <a partida do rei implicava a separação do Brasil>. Então, D. Pedro, filho sucessor do Rei e o único da família real que aí ficara, abraçando a causa liberal proclamou a Independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822 e a 12 de Outubro desse ano foi aclamado D. Pedro I, Imperador do Brasil. No entanto, Portugal apenas reconheceu a independência do Brasil a 15 de Novembro de 1825, só para que fosse possível aos mercadores portugueses de novo aí permanecerem.

21 Abr 2017