Painéis de São Vicente vão ser restaurados

[dropcap]O[/dropcap]s Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves, tesouro nacional da pintura portuguesa, vão ser restaurados a partir da próxima Primavera, de forma faseada para que possam ser visitáveis.

Considerada uma das obras mais emblemáticas da arte portuguesa, os painéis serão alvo de restauro através de um protocolo mecenático trienal assinado na terça-feira passada, 12 de Novembro, com a duração de três anos, entre o Museu Nacional de Arte Antiga (MNNA), a Direcção-Geral do Património Cultural e a Fundação Millennium BCP, envolvendo um apoio financeiro de 225 mil euros, metade do que do que o novo director do MNAA, Joaquim Oliveira Caetano, acredita que será necessário para realizar o restauro e para o qual continuará à procura de parceiros.

O restauro da obra contará com pelo menos quatro conservadores, dois do museu e dois contratados externamente, e uma equipa de consultoria internacional, com a inclusão de responsáveis da Universidade de Ghent (Bélgica) e do Metropolitan Museum of Art (EUA), uma que virá a Portugal duas vezes por ano e outra acompanhará os trabalhos mais de perto, a cada dois meses.

O director do MNAA explicou na ocasião aos jornalistas que o restauro será sempre feito no museu e que estão ainda por definir os procedimentos, ou seja, se os trabalhos de restauro serão feitos ‘in loco’ onde os painéis estão expostos, o que permitiria aos visitantes acompanhar a evolução, ou se serão retirados em blocos para outro espaço, sendo, no seu lugar, colocadas réplicas. Entre as tarefas que serão levadas a cabo está o estudo de como deixar à vista toda a pintura que hoje fica até 8 centímetros tapada pela sua moldura dourada, resultantes dos estudos de Almada Negreiros para a Exposição do Mundo Português de 1940, momento a partir do qual os painéis passaram a ser dispostos em seis e não em dois grupos de três, como acontecia até essa altura.

Sobre a duração do restauro, e embora o apoio mecenático da Fundação Millennium BCP abranja três anos, o director do MNAA não se compromete com uma data final e avisa que o museu não deixará que seja feita qualquer intervenção apressada para cumprir calendários comerciais ou políticos. Acrescenta que dentro de três anos, o essencial estará feito e que é uma obra de tal importância e que levanta tantos problemas, técnicos, históricos, deontológicos, que sabem quando começa, mas será o próprio restauro a marcar esse ritmo e, que, portanto, não vão ser feitos restauros à pressa para cumprir o protocolo.

Os painéis, compostos por um conjunto composto por quatro peças mais pequenas e duas maiores (ao centro), representam a corte e a sociedade portuguesa da época no momento em que veneram o patrono da expansão militar no Médio Oriente, e foram descobertos em 1884, no Paço Patriarcal de São Vicente de Fora, em Lisboa, e, na altura, por não terem assinatura e datação visíveis e inequívocas, suscitaram um enorme mistério e fascínio por parte de várias gerações de estudiosos e académicos. Pintadas a óleo e têmpera sobre madeira de carvalho, acredita-se que originalmente as pinturas estavam integradas no retábulo de São Vicente da capela-mor da Sé de Lisboa. A autoria dos painéis foi descoberta por José de Figueiredo, primeiro director do MNAA, e foi atribuída a Nuno Gonçalves, pintor régio no tempo de D. Afonso V, através da interpretação de um monograma do pintor revelado durante o primeiro restauro da pintura, na bota da figura ajoelhada no Painel do Infante. Desde a sua descoberta, mantêm-se as dúvidas quanto à identidade das quase seis dezenas de personagens que fazem parte do “maior retrato colectivo da pintura ocidental”, segundo Joaquim Caetano, não sendo sequer consensual que o homem do chapeirão seja o Infante Dom Henrique, existindo teses de que pode tratar-se do seu irmão, D. Pedro. O restauro vai permitir ficar a conhecer mais sobre o pintor e como pintava, embora não vá certamente responder ao quem é quem na pintura.

O novo director do MNAA, que é especialista em pintura antiga e foi conservador da colecção de pintura da instituição até assumir o actual cargo em Junho passado, mais refere que quem olha para os Painéis de São Vicente, não diria que precisam de restauro. No entanto passam já mais de cem anos desde a última intervenção, a cargo de Luciano Freire (1854-1934). As 58 figuras ali retratadas em torno da dupla figuração de São Vicente mostram, numa análise mais próxima, os sinais da passagem do tempo e da degradação do restauro com óleo industrial que usou Luciano Freire, o pintor, professor de desenho e investigador na área da conservação e restauro em 1909/1910. Essas manchas são evidentes nas imagens que vão passando no ecrã táctil que se encontra na sala dos Painéis. A radiografia da obra revela que muitos espaços brancos foram “preenchidos” por Luciano Freire, e que o desenho primitivo incluía um soldado com armadura, um homem de turbante e outros detalhes que acrescentaram conhecimento aos Painéis.

O protocolo assinado na passada terça-feira prevê ainda uma intervenção de restauro na importante Colecção Della Robbia, de escultura de cerâmica vidrada policromada, do acervo do MNAA.

Na assinatura do protocolo entre o MNAA e a Fundação Millennium BCP, agora liderada pelo Embaixador António Monteiro, esteve a Ministra da Cultura, Graça Fonseca, que sublinhou o sentido virtuoso destas parcerias público-privadas, patente também na restaurada sala D. João IV, no Palácio da Ajuda, e cuja reabertura oficial ocorreu no Sábado, dia 9 de Novembro, também com o apoio mecenático da Fundação Millennium BCP, a mesma que já tinha participado na reabilitação da Capela de D. Maria, também no Palácio da Ajuda, encomendada na época ao arquitecto Manuel Ventura.

19 Nov 2019