José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCircum-navegação da Victória Nas Molucas os portugueses controlavam o comércio na ilha de Ternate e os espanhóis Tidore desde a sua chegada a 8 de Novembro de 1521, quando foram bem acolhidos por o sultão Almanzor. Como capitão da armada Gonzalo Gómez de Espinosa ia ao comando da nau Trinidad e a Victoria tinha como capitão Sebastián de Elcano, um dos revoltosos em San Julian, perdoado por Magalhães. Para haver sucesso e pelo menos um chegar a Espanha combinaram, a Victoria seguiria para Oeste e a Trinidad retornaria por águas espanholas, como inicialmente fora planeada a viagem. Mas a 18 de Dezembro, com as naus bem carregadas de especiarias à saída do porto de Tidore, a Trinidad começou a meter água e por isso foi adiada a partida. A sua reparação iria demorar meses e a Victória, após reforçar a calafetagem e aliviar 60 quintais de cravinho da carga, com acordo de Espinosa partia a 21 de Dezembro de 1521, aproveitando o vento favorável. A nau Victória, além do capitão Sebastián de Elcano e o piloto Francisco Albo, contava com uma tripulação de 47 tripulantes, oficiais e marinheiros, treze malaios e dois pilotos locais para os guiar por aqueles mares. Ao passar por o Arquipélago da Indonésia fundearam à frente de algumas ilhas para se abastecerem, chegando a 1 de Janeiro de 1522 à ilha de Amboíno e uma semana depois a Timor, onde procuraram adquirir sal, sem o conseguir. Já ao largo de Sumatra, apanhados por uma violenta tempestade voltaram para trás, refugiando-se na ilha Mallua (Ombay), onde estiveram duas semanas e a 25 de Janeiro, guiados por um idoso piloto local seguiram de novo para Timor. Aí, a tripulação amotinou-se ao conhecer o plano da viagem, que seria directa até Espanha sem paragens no percurso para abastecer nos portos dominados por os portugueses. Cansada de andar embarcada a vaguear sem rumo certo e com a perspectiva de no Índico vir a passar novamente os tormentos ocorridos na travessia do Pacífico, mais certa era a morte durante a viagem do que atingir Espanha, alguns aproveitaram para fugir. Na primeira metade de Fevereiro, com a nau abastecida partiam de Timor levando a precaução de escapar aos portugueses e por pouco não se cruzaram com os barcos de António de Brito, que ali próximo, na ilha de Banda esperavam por bom tempo para ir às Molucas, afim de construir uma fortaleza e capturar a armada de Magalhães, se ela aí chegasse. UM DIA A MENOS Pelo Mar de Timor entraram no Oceano Índico e fora da rota portuguesa, dirigindo-se para Sul singraram em latitudes abaixo dos 30º Sul atravessando-o em mar aberto. Com muito frio e fome, só tinham arroz e água, pois a carne, sem sal para a conservar, apodrecera. Optou-se seguir directamente para dobrar o Cabo da Boa Esperança mas, a cinco léguas Sul deste cabo vão ficar dois meses com as velas recolhidas devido aos ventos de Oeste e que terminará numa tempestade. Na altura, a nau Trinidad já reparada partia de Tidore a viajar para Leste. Passando o Cabo da Boa Esperança a 6, ou a 18 de Maio de 1522, subindo a costa Ocidental de África sem dela se aproximar e ainda sem escalas desde Timor, no início de Julho junto a Cabo Verde pelas provações encontravam-se num alto grau de exaustão. Por conselho decidiram aventurar-se e ir ao porto da ilha de Santiago pedir ajuda, pois toda a tripulação estava moribunda. A 9 de Julho, um esquife foi a terra apresentando-se como uma nau apanhada numa tempestade e que se perdera da armada espanhola regressada das Índias Ocidentais e os portugueses acreditaram. Alimentaram e deram-lhes água e produtos frescos para levar para a nau, que pagaram com três quintais de cravinho, segundo mais tarde Elcano relatou ao Rei. Em Santiago perceberam estar algo errado ao ver ser a missa celebrada num sábado e estranhando perguntaram em que dia estavam. Ao contrário do que pensavam, era Domingo 13 de Julho e na nau, cada um revendo os registos da viagem, verificaram faltar a todos um dia. Durante a viagem de circum-navegação tinham perdido um dia. Na manhã seguinte voltaram a terra a continuar o abastecimento, regressando ao meio-dia à nau e para fazer o último carregamento, de tarde foram de novo à ilha num esquife com doze homens a comprar escravos. Como passou a noite e não apareciam, a Victoria aproximou-se do porto, quando viram uma barcaça cheia de soldados portugueses e ainda de longe exigiam subir a bordo. Logo os 22 tripulantes da nau levantaram as âncoras e soltando as velas fugiram, navegando em grande dificuldade com um imenso trabalho para bombear a água que entrava por todos os lados. Avistaram os Açores a 4 de Agosto e um mês depois o Cabo São Vicente. A nau com 21 homens, entre eles três malaios, chegava a 6 de Setembro ao porto Sanlúcar de Barrameda, onde foram socorridos. Levada Rio Guadalquivir acima, a Victoria aportava em Sevilha a 8 de Setembro de 1522, três anos e um mês após daí ter partido. No dia seguinte, em procissão toda a tripulação descalça com uma vela acesa foi da beira-rio à Catedral para agradecer a Santa Maria da Vitória, a quem na partida se tinham encomendado. Um dos sobreviventes da viagem era o aventureiro António Pigafetta (1491-1534?), fidalgo italiano de Vicenza, que aproveitara a boleia para viajar e escreveu o Relazione: Il Primo Viaggio Intorno al Mondo. Chegara a Barcelona no séquito do representante papal na corte de Carlos V e ao ouvir falar da expedição, que estava prestes a sair, pediu ao Rei para nela ser integrado. LUCRATIVA VIAGEM Ao basco Juan Sebastián Elcano (1476-1526) coube a glória de terminar a viagem de circum-navegação, mas Fernão de Magalhães e o seu escravo Henrique já em Cebu a teriam realizado. Dos iniciais 265 homens, a Espanha voltaram 35 que deram a volta ao mundo e os 55 da San Antonio, sendo libertado então Álvaro da Mesquita. Em Sevilha, os oito milhões de maravedis investidos na armada de Magalhães consideravam-se já perdidos, pois ninguém acreditava na sobrevivência das três naus que a San Antonio deixara no Estreito de Magalhães. Assim ao aparecerem, “os 520 quintais de especiarias (cerca de 26 toneladas) que a Victória trouxe das Molucas dão, depois de pagar as despesas, um lucro de cerca de 500 ducados de oiro”, segundo Stefan Zweig. (1 ducado = 375 maravedis) A questão entre Portugal e Espanha sobre a posse das Molucas estava por resolver devido ao cálculo das longitudes ser então muito impreciso. Já quanto às ilhas de São Lázaro, as futuras Filipinas, encontravam-se no espaço do mar português, mas estes não as reivindicaram por não haver meios suficientes para tomar conta de todo esse espaço no Pacífico. Importante era para os portugueses o valioso monopólio das especiarias das Molucas e convencidos pertencerem estas a Espanha, deixaram cair o direito sobre as Filipinas. Também ficou provado ser o caminho espanhol pelo Ocidente até às Molucas muito longo, fora de mão e de extrema dificuldade para os navegantes, levando Carlos V a vender por 350 mil ducados de ouro o direito de posse dessas ilhas a D. João III.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasDas Molucas a Espanha Conduzidas por um junco chinês desde a ilha de Mindanao, as duas naus espanholas já nas Molucas ao passar por Mean e Zoar avistaram as montanhas vulcânicas nas ilhas de Ternate e Tidore. Chegaram a 8 de Novembro de 1521 a Tidore e no dia seguinte visitaram o sultão Almanzor a bordo do seu grande barangai, que muito bem os acolheu. Como resultado, encheu-lhes as naus de cravinho a troco de bugigangas e indígenas capturados por corso, entre os quais três mulheres a pedido do sultão. Os portugueses desde 1512 ligavam a Europa às Molucas pela rota oriental e agora, em 1521, eram as ilhas das Especiarias alcançadas desde Espanha pelo caminho ocidental, ficando assim o mundo englobado num todo. Gómez de Espinosa ia como capitão da armada e da nau Trinidad e a Victoria era comandada por Sebastián de Elcano. Em Ternate visitaram a viúva e os filhos de Francisco Serrão e aí souberam terem os portugueses enviado António de Brito para aprisionar as naus de Magalhães, se estas chegassem às Molucas. Assim, para haver sucesso na viagem e pelo menos um chegar a Espanha, os dois capitães combinaram a Victoria seguir para Oeste, pelo mar português a dobrar o Cabo da Boa Esperança e a Trinidad retornaria por águas espanholas, como fora planeada a inicial viagem. Com as naus bem carregadas de especiarias, a 18 de Dezembro de 1521 saiu do porto de Tidore primeiro a Victoria e como a Trinidad de repente estalou, começando logo a meter água, foi abortada a partida. A Victória aproveitou reforçar a calafetagem, mas a Trinidad teria de permanecer longo tempo a reparar e por isso, decidiu o capitão-mor Espinosa dar aval à partida de Elcano, o que ocorreu com vento favorável a 21 de Dezembro. Espinosa, ficando com os cerca de cinquenta tripulantes em terra acolhidos com agrado por o sultão Almanzor, aproveitou para estabelecer contactos com outras ilhas vizinhas, onde em Gilolo, a troco de ajuda militar para aí controlar uma revolta, rapidamente solucionada pela precisão dos tiros de artilharia feitos por Pedro de Bruxelas, o soberano tornou-se também súbdito do Imperador Carlos V. As especiarias eram trazidas em abundância e Almanzor disponibilizou-lhes homens para ajudar no reparo da Trinidad e na construção de um armazém para guardar a mercadoria. Concebendo-o para feitoria espanhola, Espinosa preparou-a, colocando-lhe torres de vigia e em frente, peças de artilharia provenientes da Concepción. A 14 de Fevereiro de 1522 em Tidore morria João Lopes de Carvalho. Naquele paraíso, com uma população afectuosa passaram sem preocupações deliciosos tempos a recuperar das tormentas da já realizada meia viagem e a prepararem-se animicamente para o restante percurso, vivendo aí sem o medo de uma emboscada por parte dos locais. Como referido: . Tentativa falhada Após cinco meses, deixando uma pequena guarnição a tomar conta da feitoria de Tidore e ajudar militarmente os súbditos sultões das Molucas, a 16 de Abril de 1522 partia enfim a Trinidad para Leste. Estava então a nau Victória já em frente ao Cabo da Boa Esperança. O capitão Espinosa, para a navegação da Trinidad tinha o mestre genovês Juan Bautista de Punzorol e o piloto León Pancaldo, que se tornou o cronista da viagem desta nau. Fizeram aguada durante uma semana em Halmahera, a maior ilha das Molucas também na dependência de Almanzor, e depois, rumando a Nordeste perceberam ter perdido o vento favorável para os levar ao continente americano, pois soprava agora para Oeste, sentido contrário ao que precisavam. Tal levou a mudar-se o rumo para Norte e sem o saber, estavam novamente na ilha dos Ladrões (Marianas). Avançaram ainda mais para Norte na procura de ventos favoráveis e a 43º Norte foram apanhados durante doze dias por um tufão, que destruiu todo o velame da nau. Em Julho ainda pouco tinham avançado para Leste do Pacífico e já a fome, o frio e os enfermos apelavam ao retorno a Tidore, pois teriam o vento de feição. “Entre Setembro e Outubro morriam 25 tripulantes e entre eles estava o médico Juan de Morales”, segundo Núñez de la Fuente, de onde provem a maior parte das informações deste artigo. Sete meses a lutar contra condições adversas e já sem metade da tripulação encontravam-se a trinta léguas de Tidore, onde souberam por um barco de Gilolo que uma expedição portuguesa vinda de Ternate prendera a guarnição espanhola da feitoria de Tidore e roubara todo o cravinho. Desesperado, sem meios para levar a nau para Tidore, Espinosa por carta pedia aos portugueses que os viessem salvar e por isso, António de Brito enviou primeiro uma embarcação a remos (caracoras) e depois a caravela São José para recolher a tripulação da Trinidad e aprisionar a sua preciosa carga, exigindo a rendição de Espinosa. Na nau a situação era de total calamidade, pois inanimada pela doença a tripulação moribunda não se conseguia levantar, metendo medo aos portugueses, quando ao pretender nela entrar se lhes deparou tal cenário, crendo-a empestada. Confiscaram tudo o que encontraram na capitã nau, toda a documentação e registos da viagem, tal como o diário de Fernão de Magalhães ficou na posse dos portugueses. Levada para Ternate, a nau desfez-se contra as rochas no dito porto e a tripulação, que já nela não vinha, presa foi usada para construir o forte dos portugueses em Ternate, juntando-se aos três espanhóis capturados na feitoria de Tidore, pois um quarto conseguira fugir. Em finais de Fevereiro de 1523 foram transferidos para uma ilha de Banda, daí para Sunda e por fim levados para Malaca, seguindo depois para Goa, onde ficaram presos por ordem do Vice-Rei Vasco da Gama. Chegavam cinco a Lisboa a 24 de Julho de 1526, entre os quais Espinosa, onde permaneceram sete meses no cárcere, sendo libertados a pedido do Imperador Carlos V ao Rei de Portugal D. João III; D. Manuel morrera em Lisboa a 13 de Dezembro de 1521. De Alguazil a Capitão O espanhol Gonzalo Gómez de Espinosa (1474-1540?) partira de Sevilha na armada de Fernão de Magalhães como responsável da justiça (alguazil) e a ele se deveu o volte face da revolta dos capitães castelhanos na baía de San Julián a 2 de Abril de 1520, quando foi à nau Victoria para que o capitão Luís de Mendonza se rendesse e por este ter reagido mal o matou. Tal ocorreu ainda a armada navegava no Atlântico e durante a travessia do Pacífico, até à morte de Magalhães, foi de todos os tripulantes quem mais apoiou o capitão-general, provando-lhe sempre a sua grande dedicação. A ele muito se deve a viagem ter alcançado o objectivo, apesar da sua participação directa e já como capitão da armada ter-se ficado pelas Molucas. Resgatado aos portugueses, Carlos V numa Audiência em 1528 fez-lhe muitas mercês. Solicitando à Casa de Contratación de las Indias o vencimento acordado no início da viagem em Sevilha de 800 maravedis por mês, os oficiais nas contas descontaram-lhe do salário os meses em que estivera preso dos portugueses.