Rota Marítima da Seda | Maria José de Freitas fala do potencial da candidatura

Maria José de Freitas defende que Macau não se deve envergonhar do seu passado como entreposto comercial entre a China e o Ocidente nem dos laços com a rota comercial criada pelos portugueses que lhe deu o estatuto de cidade portuária. A arquitecta apela à divulgação, por parte do Governo, dos relatórios sobre a análise do impacto no património, que, diz, deveriam ser públicos

 

Maria José de Freitas entende que Macau não se deve envergonhar do seu passado como cidade portuária e um importante elo de ligação na relação comercial marítima que uniu a China e Portugal a partir do século XVI. Em declarações ao HM, a propósito da proposta de candidatura da Rota Marítima da Seda a património mundial da UNESCO, a arquitecta e estudiosa do património de Macau entende que há um lado da moeda afastado do discurso oficial.

“Macau não tem de ter vergonha do seu passado ou da sua origem, porque é diferente enquanto cidade que integra a Grande Baía precisamente pela sua história, que tem também um valor universal reconhecido pela UNESCO.”

Os critérios de classificação da UNESCO prendem-se, precisamente, com o facto de Macau ser “uma cidade portuária” e que apontam para a “miscigenação” do território.

Maria José de Freitas entende que há uma ocultação desse passado e que este “não é valorizado como deveria”. “Muitas vezes, até na informação divulgada pelo Instituto Cultural (IC), fala-se do encontro cultural que existe na cidade, mas não se mencionam esses critérios, muito vinculados ao facto de Macau ter sido uma cidade portuária. Isso não surgiu do nada, mas sim da relação com o Ocidente.”

Não se integra, portanto, “na divulgação do património de Macau todos os valores e situações, como é o caso dos portugueses e do comércio marítimo até chegar a Macau, no contexto de rede comercial vinda de África, Índia, Colombo e até chegar ao Japão, ou relacionado com as próprias missões ligadas à religião católica.”

“É como se só ouvíssemos um lado, mas o outro lado existe e tem vestígios. Temos, por exemplo, as Chapas Sínicas, que são reveladoras de um contexto que deve ser valorizado e integrado nesta Rota”, acrescentou.

Todo o sentido

Maria José de Freitas foi uma das oradoras do Fórum Cultural Internacional sobre a Rota Marítima da Seda que terminou ontem, com o painel “A Rota Marítima da Seda – O papel de Macau nas rotas passadas e futuras”. Durante dois dias, este fórum abordou a candidatura da Rota Marítima da Seda a património mundial da UNESCO, um projecto preparado por 28 países. Na visão da arquitecta, “faz todo o sentido que nesta candidatura Macau esteja incluído. Há perspectivas que se abrem para o futuro no âmbito da Grande Baía e também do projecto ‘uma faixa, uma rota’”.

Isto porque “os portugueses, antes de chegarem a Macau, estiveram noutras ilhas da Ásia e estabeleceram uma rede comercial e de troca de produtos, pelo que a localização de Macau era, assim, muito favorável”. “No retorno à China o facto de Macau se tornar parte desta Grande Baía é também um retorno às origens”, adiantou Maria José de Freitas.
Falamos de um período próspero, que vai do século XVI ao século XVII, quando Macau tem uma grande importância como cidade portuária, sendo um elo de ligação fundamental no comércio entre a China, Portugal e o resto do mundo.

“Macau era um parceiro fiável para a China naquela época e podia assegurar um percurso fluvial até Cantão, a fim de escoar os produtos chineses. No percurso para o Japão traziam as especiarias que vinham da Índia. Havia benefícios que os chineses aproveitaram e Macau estabeleceu-se então como um entreposto comercial muito forte que durou até ao século XVII. Só perde importância a partir do momento em que surgem as grandes companhias, holandesa, francesa e espanhola. O reflexo no urbanismo e na arquitectura é evidente, ainda hoje”, disse a arquitecta.

Onde estão os relatórios?

Questionada sobre a criação do Centro de Monitorização do Património Mundial de Macau, Maria José de Freitas entende ser um passo importante. “Quando trabalho com a UNESCO é habitual fazer-se o relatório periódico da avaliação dos bens, porque estão sujeitos a inúmeras pressões, de toda a espécie. No caso de Macau relacionam-se com a envolvente e que pode afectar os valores universais. Há ainda que garantir as condições de estabilidade e segurança dos próprios edifícios, perceber se são antigos, se podem ter problemas estruturais. Há também outras situações que podem ocorrer devido às alterações climáticas extremas, como os tufões e a poluição.”

Outro dos factores que pode afectar os monumentos, é o elevado número de turistas, actualmente em quebra devido à pandemia. “Podem aparecer de novo as multidões de turistas e já sentíamos em Macau que essa situação deveria ser monitorizada, portanto, há uma série de parâmetros que essa monitorização deve assegurar. Faz sentido que exista um organismo que faça tudo isso. O património só tem a ganhar.”

A arquitecta deixa ainda um alerta para que o IC divulgue os relatórios do “Heritage Impact Assessment” [Avaliação do Impacto no Património], que servem para “aferir qual a situação dos bens patrimoniais”.

“No caso de Macau não tenho visto isso feito, apesar de ser uma recomendação da UNESCO. Não há notícias públicas sobre esses relatórios. Em vários casos fazem todo o sentido, como o Farol da Guia ou a zona da Igreja da Penha. Os relatórios devem ser públicos e bilingues. O IC diz que essa análise foi realizada, mas ninguém conhece os conteúdos. O IC deverá ter esses documentos, mas a população, as associações de defesa do património e os académicos não têm. Estas coisas têm de ser transparentes e conhecidas”, rematou.

18 Nov 2022

Maria José de Freitas, arquitecta: “Património começa a ser visto como um activo”

A arquitecta portuguesa falou esta quarta-feira, no ciclo de conferências do CCCM, sobre a relação entre o património imóvel de Macau e as alterações climáticas. Maria José de Freitas alerta para a ausência de respostas para o velho problema das marés na zona do Porto Interior e pede um calendário para a implementação dos planos de pormenor a nível urbanístico

 

Quais as problemáticas que apresentou nesta ligação do património local com as alterações climáticas?

Parti da questão da Grande Baía onde existem nove cidades que, com maior ou menor impacto, são afectadas pelas alterações climáticas, e que têm a ver com a subida do nível das águas e com o facto de nestas cidades haver muitas zonas de aterro. Em Macau e em Hong Kong isso também acontece. Nestas cidades da Grande Baía existe património e em Macau e Hong Kong existe um património mais miscigenado. Macau será a única cidade com património classificado pela UNESCO e, portanto, há que preservá-lo e prevenir situações decorrentes da subida do nível das águas. A situação deve ser monitorizada a nível local, regional e internacional. No caso de Macau, com a construção de tantos aterros e com os constrangimentos causados pelo estrangulamento da bacia hidrográfica do Delta do Rio das Pérolas, o assoreamento do rio e a poluição ambiental, uma vez que no sudeste da China era a fábrica do mundo, surgiram condições que afectam bastante o nosso património.

Que exemplos concretos que pode dar?

Na conferência falei de três casos concretos, alguns deles passaram directamente pelas minhas mãos, como é o caso das Ruínas de São Paulo, que foi o primeiro caso de património com o qual trabalhei em Macau, em 1991, quando cheguei. Fui absorvida pelo Laboratório de Engenharia Civil de Macau (LECM) que achou que, para esta área, era melhor ter um núcleo de arquitectura, que eu coordenei. Nesse trabalho fez-se uma prospecção para ver o estado das fundações da fachada da antiga igreja. O que é hoje visível é uma fachada praticamente auto-sustentada em fundações, mas não se sabia, à data, a sua profundidade e em que condições estavam. Não há tremores de terra, mas há ventos derivados dos tufões, cuja periodicidade e intensidade se prevê que seja cada vez maior. Nessa altura, a fachada estava afectada por uma série de manchas que afectavam o granito. Foi então feita esta análise e a descoberta dos achados arqueológicos obrigou, de alguma forma, à alteração do projecto. Houve um envolvimento da população à época, o que é importante, tal como a presença da tecnologia, e na altura o LECM apetrechou-se para dar resposta, e foi tratada a pedra de granito das Ruínas para evitar a sua degradação. Mas a população deve protagonizar este alerta constante em relação à protecção do património.

Que mais casos apresentou?

Falei da farmácia Cheong San, onde o dr. Sun Yat-sen exercia medicina. O edifício foi adquirido pelo Governo em 2011 e depois foi recuperado, e quando foi feito esse processo descobriram-se achados arqueológicos do antigo cais de acostagem, porque aquela zona foi um aterro também. Além disso, apresentei a situação dos estaleiros de Lai Chi Vun, que passaram a ser foco de maior atenção depois do tufão de 2018 [o Hato]. Na altura, conseguiu-se um consenso para que eles fossem classificados e protegidos. Há um projecto em curso que vai contribuir para uma mais valia científica e cultural não só das pessoas que habitam naquela povoação como dos visitantes. O património imóvel e as alterações climáticas têm uma sinergia muito grande entre si e isso pode contribuir para posicionar o património como um activo. O património cultural não é nada que pertence ao passado e que está imóvel, mas começa a ser considerado um activo cultural para o futuro.

No caso de Lai Chi Vun há essa classificação, mas o plano concreto de requalificação parece demorar a ser concretizado. As autoridades vão conseguir dar resposta face às alterações do clima cada vez mais rápidas?

[É preciso tempo], estando vários organismos envolvidos [nesse processo], como é o caso do Instituto Cultural (IC) ou da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes. Os estaleiros em si são estruturas vulneráveis e estão muito degradadas e pode de facto acontecer isso. Há dois casos de estaleiros que já não existem e que serão conservados como zonas verdes. O resto precisa do seu tempo para acontecer. Penso que até ao final do ano uma parte destes estaleiros vai poder ser visitado e é possível assistir a essa recuperação. Ao longo do tempo [esse plano será concretizado], só espero que não ocorram mais incidentes como o Hato. Acredito que o IC está atento a essa situação e que a nova presidente, que tem uma formação na área da arquitectura e que esteve à frente deste departamento do património, está também atenta a essas questões. A população está sintonizada também com estas matérias.

Em relação aos novos aterros e à subida do nível das águas, acredita que os projectos habitacionais em curso já têm em conta essas alterações climáticas?

A cota que se vê mais quando se analisa as plantas cartográficas de Macau, das zonas planas e de aterro eram cotas de três a quatro metros acima do nível médio das águas. Sei que actualmente a cota dos novos aterros é de cinco metros, daí que tenha havido estudos nesse sentido e que evidenciam essa necessidade de olhar para uma subida do nível das águas e que dá uma maior margem de segurança. Tudo o que acontece na zona do Delta [do Rio das Pérolas] deve ser avaliado em conjunto em universidades e laboratórios de engenharia. O que me causa maior apreensão é a ocorrência de marés na zona do Porto Interior.

Estão a ser desenvolvidas algumas obras, mas acha que essas soluções são as ideais?

Já se falava da ocorrência de marés no século XVIII, XIX, já foram feitos muitos planos e nunca se chega a um consenso sobre a forma de organizar os diques para proteger o património. Se toda a baixa da cidade sofrer inundações sucessivas, qualquer dia não temos a possibilidade de manter a Macau que conhecemos. Estes novos aterros devem ser analisados em conjunto para que se tomem medidas a tempo. Sei que é uma preocupação referida no plano director de uma forma teórica, e tem de ser sinalizado na prática.

Sobre o plano director, está satisfeita com as respostas dadas quanto às alterações climáticas?

Este plano é uma cartilha de boas intenções e remete para a fase dos planos de pormenor para as 18 zonas. Seria demasiado cedo para avançar com propostas, mas em Macau é sempre demasiado cedo para se fazer qualquer coisa e quando se faz, muitas vezes já é tarde demais. O plano poderia ter incluído mais especificações em determinadas zonas e áreas. A proposta apresentada para discussão, e refiro-me mais ao relatório técnico, e que justifica algumas das opções tomadas, aparece agora no plano de uma forma mais aligeirada. Remete-se para os planos de pormenor e ficamos na expectativa sobre quando é que eles serão finalizados. Não há um planeamento nesse sentido e essa deveria ser uma adenda a fazer ao plano director, para que fosse especificado um calendário para esses planos de pormenor, e quais são prioritários para o desenvolvimento, nunca perdendo uma visão de conjunto com os transportes, serviços e educação da população.

 

Debate no CCCM 

A palestra que Maria José de Freitas deu esta quarta-feira intitula-se “Alterações Climáticas e o Património Imóvel em Macau: Mitigação dos Impactos” e integrou um ciclo de conferências da primavera que o Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, está a organizar num formato híbrido. Até este sábado será possível assistir a palestras inteiramente dedicadas a Macau e a várias áreas de estudo. O programa completo e link Zoom poderá ser consultado no website https://www.cccm.gov.pt/conferencias-da-primavera/

11 Mar 2022

International Property Awards | Atelier de Maria José de Freitas distinguido

[dropcap]D[/dropcap]ois trabalhos desenvolvidos pelo atelier AETEC, da arquitecta Maria José de Freitas, foram distinguidos nos International Property Awards no Reino Unido. Um dos projectos é um edifício residencial situado junto ao Mercado Vermelho, de nome Chon Kit Gardens, enquanto que o outro é o balcão da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) localizado no edifício dos serviços transfronteiriços da ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai.

Ao HM, Maria José de Freitas declarou que a equipa está satisfeita com a distinção obtida. “Queremos continuar com qualidade e o facto de essa qualidade ser reconhecida a nível internacional é, para nós, muito gratificante.” No que diz respeito aos projectos em questão, “são de áreas diferentes”, tendo implicado “um grande esforço e muito consenso”.

“Procurámos introduzir mais valias e outras visualizações para Macau”, adiantou a arquitecta que, no caso do projecto do edifício residencial, foi buscar inspiração às cores do Mercado Vermelho. Quanto ao balcão da DST, “houve maior liberdade de concepção” dada a maior disponibilidade de espaço para trabalhar.

7 Abr 2020

Bienal de Shenzhen |Projecto da equipa de Maria José de Freitas obtém segundo lugar 

Estão escolhidos os nomes que vão representar Macau na 8.ª Bienal Bi-Citadina de Urbanismo/Arquitectura de Shenzhen e Hong Kong. O “Escritório de Arquitectos Planwish Lda” obteve o Prémio de Ouro e irá projectar o pavilhão de Macau nesta bienal, que abre ao público dia 21 de Dezembro. Em segundo lugar ficou o atelier da arquitecta Maria José de Freitas, com o tema “Macau Links Through the Future”

 

[dropcap]N[/dropcap]uma altura em que o Delta do Rio das Pérolas é sinónimo de interconexão permanente, está prestes a chegar a oitava edição da Bienal Bi-Citadina de Urbanismo / Arquitectura de Shenzhen e Hong Kong, onde Macau estará representada e que acontece a 21 de Dezembro. A fim de escolher os autores do pavilhão de Macau, o Instituto Cultural (IC), em parceria com a Associação dos Arquitectos de Macau (AAM) e o Instituto de Planeamento Urbano de Macau, abriram concurso para a recepção de várias propostas.

O Prémio de Ouro foi atribuído ao “Escritório dos Arquitectos Planwish Lda.”, que apresentou a proposta “Gates of the City”. Em segundo lugar ficou o projecto da equipa da arquitecta portuguesa Maria José de Freitas, com o nome “Macau Links Through the Future”, enquanto “ligações que vêm do passado e que vão para o futuro”, disse ao HM a arquitecta Maria José de Freitas. A ser erguido, este pavilhão iria não só mostrar a ligação de Macau com o exterior como ia também mostrar pedaços da cultura e do património particular do território. Além de Maria José de Freitas, participaram na equipa concorrente Ana Carina Costa, também na parte de arquitectura, Takon Chiu e Chin chio Wu, ao nível do design de interiores, Henrique Silva na parte multimédia e Chan Hin Io na fotografia.

“Pegámos nessa temática e, de alguma forma, fizemos a inter-relação porque Macau é uma cidade que, desde a sua formação e reconhecimento, tem tido essa característica de ser um território ligado a civilizações orientais e ocidentais, que tem estado muito na linha dessa interconectividade e relação. Pensamos que seria fácil transportar esse passado para o futuro.”

Dessa forma, o pavilhão, que não teria mais de 32 metros quadrados, teria “superfícies semi-transparentes, também elas em malha de alumínio, com uma estrutura mental de suporte”. Essa malha “simboliza e tem a ver com essa rede de intercomunicações”, sendo que iria permitir a existência de um pavilhão “semi-transparente, onde fosse possível ver de dentro para fora e de fora para dentro, permitindo uma leitura e interacção permanente e constante”.

O pavilhão projectado pela equipa de Maria José de Freitas iria também abordar a relação de Macau não apenas com o Delta do Rio das Pérolas, mas também com os países de língua portuguesa, tendo sido desenhado um mapa da península de Macau onde foram ligadas as várias pontes de forma interactiva.

No interior desse pavilhão, “iriam existir quatro áreas ao longo de um corredor, onde iríamos recorrer a ecrãs suspensos em tela a fim de projectar imagens de Macau”. “Haveria quatro situações temáticas no interior. Uma relacionada com o património tangível e intangível, outra com o urbanismo e arquitectura, outra com Macau e a Grande Baía, e outra com Macau e os países de língua portuguesa”. Dessa forma, seria dado destaque “à relação de Macau com esta região e com o mundo”, frisou Maria José de Freitas.

O Prémio de Bronze foi atribuído à empresa “Urban Practice – Architecture, Urban Planning and Design Ltd.”, com o nome “Macau Catalyst – Towards a Synergetic Greater Bay”. O IC aponta, em comunicado, que “as propostas recebidas foram todas de grande qualidade, originais, informativas e criativas”. O júri de selecção das propostas foi composto por cinco especialistas de Shenzen e Macau.

Na estação

Este ano esta bienal de arquitectura e urbanismo tem como tema “Interacções Urbanas” e terá lugar na Estação Ferroviária de Futian e várias áreas circundantes de Shenzhen. De acordo com um comunicado do IC, o evento inspira-se “na crescente interconexão global e integração regional, tendo como pano de fundo a análise sobre o fenómeno de interacção e aproximação de laços comuns entre as cidades, entre as cidades e as pessoas, bem como entre as pessoas entre si, nomeadamente no contexto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.

Desta forma, procura-se “também aprofundar as novas relações culturais que poderão eventualmente surgir entre o significado patrimonial do ‘Centro Histórico de Macau’, classificado como património mundial, e outras cidades da Região da Grande Baía”.

A primeira edição da Bienal de Urbanismo e Arquitectura aconteceu em Shenzhen em 2005. Hong Kong, território vizinho desta cidade chinesa, participa desde 2007, tendo-se tornado depois uma Bienal Bi-Citadina, cuja realização se alterna entre estas duas cidades.

Até à data foram realizadas sete edições da “Bienal Bi-citadina”, alternando-se a sua realização entre Shenzhen e Hong Kong. Macau foi convidada para participar em quatro edições consecutivas, nomeadamente 2013, 2015, 2017 e 2019, “obtendo resultados muito positivos e uma experiência significativa”, aponta o mesmo comunicado.

25 Nov 2019

Rui Leão, Carlotta Bruni e Maria José de Freitas distinguidos com prémios de arquitectura

[dropcap]O[/dropcap] projecto de habitação social do Fai Chi Kei e o projecto de reconstrução da Estação de Correios da Taipa foram dois dos trabalhos premiados este ano com a distinção de excelência atribuída pela Associação dos Arquitectos de Macau (AAM), nas categorias de habitação e de conservação, respectivamente.

O galardão, entregue bianualmente pela AAM, representa um “reconhecimento por parte dos pares”, disse ao HM Carlotta Bruni, co-autora, juntamente com Rui Leão, do projecto para o Fai Chi Kei.

O trabalho vencedor incluiu cerca de 750 apartamentos com características muito particulares. “Estamos a falar de habitação concebida nos seus limites mínimos de espaço”, explicou.

Por outro lado, há que ter em conta a importância dos espaços comunitários associados às estruturas de habitação social e que a dupla de arquitectos fez questão de implementar. “São espaços que albergam muita gente e é necessário que estas pessoas tenham locais para se encontrarem”, disse.

Antigo vs Contemporâneo

Já o projecto de reconstrução dos correios da Taipa, da autoria da arquitecta Maria José de Freitas, ganhou o prémio de excelência na categoria de conservação. Para a arquitecta, “receber um prémio destes é sempre saudável e é o reconhecimento de uma actividade que tem vindo a ser exercida em Macau durante muitos anos”, contou ao HM.

Como em qualquer obra de reconstrução, um dos maiores desafios acontece logo ao princípio, quando o arquitecto se depara com a realidade do estádio de conservação do imóvel.

Para Maria José de Freitas, “o próprio edifício já tinha um desenho apelativo: era uma construção estilo português suave com anexo posterior mais modernista”, começou por explicar. O projecto galardoado respeitou estas linguagens e acrescentou “elementos numa linguagem mais minimal e muito contemporânea”, referiu a arquitecta.

22 Out 2018

Rota das Letras | Exposição retrata relação entre cidade e o rio

[dropcap style=’circle’] M [/dropcap] aria José de Freitas é a curadora de uma exposição que conta pedaços da história de Macau e do o rio que rodeia o território. “Rivercities crossing borders: history and strategies” está patente no edifício do Antigo Tribunal até domingo, mas poderá deslocar-se a outros países

A exposição “Rivercities crossing borders: history and strategies”, com curadoria da arquitecta Maria José de Freitas, desaguou no edifício do Antigo Tribunal. Inserida no programa deste ano do festival literário Rota das Letras, a mostra apresenta em imagens parte da relação do território com o delta do Rio das Pérolas, e está relacionada com uma palestra que decorreu a semana passada, também no âmbito do festival.

Ao HM, Maria José de Freitas explicou a ideia por detrás de uma exposição que mostra a visão de fotógrafos como Carmo Correia, Gonçalo Lobo Pinheiro, António Mil-Homens e João Miguel Barros. Estão também incluídos desenhos de Guilherme Ung Vai Meng sobre os estaleiros de Lai Chi Vun, sem esquecer os esboços do plano da Baía da Praia Grande, da autoria dos arquitectos Manuel Vicente e Adalberto Tenreiro.

“Estamos cá há cinco séculos e pensei que Macau poderia ser um bom ponto de partida para esta reflexão conjunta, daí ter convidado diversos artistas locais e fotógrafos para nos fazerem uma apresentação do seu trabalho. Os fotógrafos que contactei são residentes de Macau, que têm esta perspectiva muito contemporânea da relação cidade-rio e que procuram recantos onde ela ainda ocorre.”

A exposição, que pode ser visitada até ao próximo Domingo, estende-se até à sala onde decorrem as palestras, revelando imagens que mostram uma panorâmica de Macau e a sua relação com a China, incluindo os novos aterros em construção.

Na visão de Maria José de Freitas, tratam-se de imagens exemplares “do ponto de vista da ligação entre margens, porque tudo isto é território chinês, embora esteja sujeito a uma administração diferente”. “É interessante perceber até que ponto esta ligação entre margens se pode fazer e manter alguma diferenciação relativamente a Macau, no que diz respeito ao seu passado histórico. Como forma de intervenção, pareceu-nos interessante mostrar o trabalho que permitiu uma nova frente de desenvolvimento para a cidade”, acrescentou a arquitecta.

Maria José de Freitas lamenta que um território que se foi desenvolvendo a partir da sua relação com o rio esteja hoje em dia distante dele, graças aos inúmeros tapumes espalhados pela cidade. “Há zonas em que há um divórcio, ou porque são zonas de novos aterros, ou porque estão ainda em vias de desenvolvimento, cobertas com tapumes, em que o rio é uma fronteira que nos separa da outra margem. Eu, os artistas que participam na exposição e os oradores da conferência, procuramos esbater essas fronteiras, como se esse rio pudesse transbordar e ser mais comunicativo e culturalmente mais válido e interessante.”

 

Imagens mais além

“Rivercities crossing borders: history and strategies” pode vir a cruzar fronteiras, embora a sua curadora ainda não tenha planos concretos para tal. Contudo, há um desejo de mostrar estes desenhos e imagens em países de língua portuguesa, por exemplo.

“Seria interessante levar a exposição a outros locais, mas ainda estou a averiguar”, contou. “Quando lancei o tema para a mesa procurei que se realizasse a conferência e a exposição, porque elas são complementares entre si. É um primeiro passo numa situação que gostaria de desenvolver no futuro. Depois da realização da conferência, e na sequência da inauguração da exposição, tenho encontrado artistas, pessoas associadas às artes plásticas que trabalham com elementos ligados à água, e que mostraram interesse em participar em futuras conferências e exposições que se venham a realizar. Da parte dos arquitectos e urbanistas de Macau a resposta também foi positiva”, rematou Maria José de Freitas.

A conferência que está ligada a esta exposição decorreu na passada Sexta-feira e teve como objectivo “analisar o papel dos rios como rotas, espaços de comunicação e diálogo, tendo como ponto de partida a cidade de Macau e outras cidades asiáticas”, explicou Maria José de Freitas à agência Lusa.

Os oradores, todos provenientes de cidades costeiras, analisaram os desafios e oportunidades históricas e a projecção futura, tendo em vista o projecto do Pan-delta do rio das Pérolas, entre nove províncias da região (Fujian, Jiangxi, Hunan, Guangdong, Guangxi, Hainan, Sichuan, Guizhou, Yunnan) e as duas regiões administrativas especiais chinesas, criado em 2004.

“É importante situar Macau neste contexto, que não é apenas económico, mas também cultural, e perspectivar o futuro”, disse a organizadora, destacando a intervenção de Wallace Chang Ping Hung, professor associado da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Hong Kong, sobre aquele projecto.

Maria José de Freitas destacou ainda a intervenção de Xu Ying sobre a experiência da cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei (centro), focada na protecção do património e da sua reutilização em termos contemporâneos.

“Wuhan está no delta de quatro rios e está a recuperar o património e herança de influência francesa, o que nos pode levar a reflectir sobre as zonas do porto interior e exterior de Macau”

21 Mar 2018

Entrevista | Maria José de Freitas, arquitecta

Doutoranda em património de influência portuguesa, Maria José de Freitas tem tido um papel activo na preservação da herança local. Macau é um lugar com características particulares que reflectem o intercâmbio cultural de séculos. Para a arquitecta, os jovens locais estão atentos e interessados em manter a história

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]steve recentemente em Lisboa com uma comunicação acerca do património de Macau. O que é que o distingue?
Falou-se neste congresso da herança transcultural. A herança que foi vivida e executada por diversos povos em diversas épocas e que, hoje em dia, é também vivida por estas culturas. É um pouco o que se passa em Macau. O território é um ponto de chegada dos portugueses no séc. XVI. Quando cá chegaram já traziam múltiplas influências, já tinham passado por África e pela Índia, por exemplo, e Macau acabou por apanhar todas estas influências que se transmitiram na sua arquitectura. Temos exemplares híbridos com as influências de Goa e da Indonésia. Quando se fala em Macau e se percebe a herança miscigenada do território, nessa simbiose cultural entre o Oriente e o Ocidente, é porque, de facto, isso é visível e quem cá chega percebe essa situação. Está presente no vocabulário e, claro, na arquitectura que é escrita na pedra. Hoje em dia, se se quer continuar a manter alguma diferenciação de Macau relativamente a algumas cidades da região, é importante preservar estes traços de cultura miscigenada.

Está a falar de um cartão de visita da cidade?
Sim. Já tem vindo a ser utilizado este aspecto como tal. Macau, além de ser conhecida como a cidade do jogo, é também uma cidade cultural, nomeadamente no que respeita a esta mistura. Ao longo da minha carreira, tenho trabalhado com a paisagem urbana e construída. Sendo arquitecta em Macau, o facto de ter tido alguma intervenção nalguns edifícios que estão incluídos na lista da UNESCO é extremamente gratificante, sendo que destaco o Teatro D. Pedro V e as Ruínas de São Paulo. Neste momento, estou a fazer um trabalho acerca de identidade e centros históricos. O meu estudo de caso é o Leal Senado porque foi um sítio muito importante do séc. XVI até à vinda dos governadores. Tem sido também o sítio emblemático onde as pessoas quando têm qualquer coisa a dizer se reúnem. É o local onde há manifestações culturais e políticas. Tem vários edifícios e igrejas, está no caminho das Ruínas de São Paulo. É um sítio de convergência e é o nosso centro histórico. Actualmente está a ser descaracterizado. Há alguns fenómenos de gentrificação, mas também é interessante saber até que ponto é que a população de Macau reage a isso.

Como é que está a acontecer esta reacção?
Os jovens e os arquitectos estão a reagir. Se reparamos, estão a ocorrer algumas alterações interessantes, por exemplo, na Rua dos Ervanários e na Rua dos Mercadores, ligadas às indústrias criativas. Há também associações de moradores interligadas com a dinâmica destes lugares porque querem manter aquilo que herdaram, escapar a estes circuitos turísticos e também manter um sentido de identidade e de pertença.

Mas não estamos num paradoxo se falarmos da promoção de Macau enquanto destino cultural por um lado e, por outro, receamos os fenómenos de gentrificação que cada vez mais se registam no centro histórico?
É difícil escapar à gentrificação, mas também acho que a situação é controlável. Têm de existir medidas fortes por parte do Governo, neste caso através do Instituto Cultural, e especificamente com a criação do Plano de Gestão do Centro Histórico, o tal plano que está prometido desde que a lei do património saiu, em 2013, e que já devia estar cá fora. Outro aspecto importante é que este plano deveria surgir em articulação com o plano director, que também não temos. Aliás, as duas leis foram publicadas na mesma altura porque estão intrinsecamente ligadas. Já trabalhei na elaboração de um plano de gestão em Sintra, e foi possível ser feito em dois anos. Aqui também há toda uma recolha de dados que tem de ser feita e em que podemos utilizar a georeferenciação. Já há muito património classificado, desde o Centro Histórico ao Porto Interior. Há uma classificação feita durante a administração portuguesa, o mapa de 1992, que ainda está em vigor. Graças a estas classificações, parte do património local está protegido e isso é uma grande vantagem para a cidade de Macau e para quem está a trabalhar neste plano de gestão: terem existido uma série de situações em que as diversas leis ao longo do tempo permitiram que certos locais fossem preservados. Tudo isso dá confiança ao trabalho. Foi também feito o Plano da Almeida Ribeiro pelo arquitecto Távora, que é valiosíssimo. Tudo isto em conjunto poderia permitir que, rapidamente, fosse feito o tal plano de gestão. Mas, como disse, tem de ser articulado com o plano director e penso que é aqui que reside a situação mais difícil, mas que tem de se concretizar.

Na sua opinião, quais os edifícios que falta classificar em Macau?
Há muitos edifícios, por exemplo, no Porto Interior, que deveriam ser classificados e não estão. Aliás, acho antes que deveriam ser definidas zonas de tampão mais alargadas e que, nestas zonas, devia seguir-se alguma restrição em termos urbanísticos. Estas restrições não deveriam ser tão exaustivas como para os edifícios classificados. Não falo em edifícios. Gosto mais de falar em zonas, em ruas e becos porque é de tudo isto que se faz a cidade. Não é o edifício em si, é também o espaço que está à volta e que permite que o edifício seja vivido, seja visto, seja usufruído pela população. São estes conjuntos que fazem um todo. Acho que toda a península de Macau deveria ser uma zona tampão e deveria ser preservado o seu interior da melhor forma possível passando, inclusive, pelo controlo do tráfico viário. Tem de haver um plano pensado em conjunto. Tem de ser um plano global e que passe pelas necessidades em termos culturais, sociais, espaços verdes e em articulação viária. E tem de dar oportunidade aos comerciantes locais, aos jovens e às indústrias criativas.

Como é que sente que a população local se está a relacionar com o seu património?
Tive a sorte de ter sido convidada pela Universidade de São José para dar aulas no curso de Arquitectura. Fiz um trabalho em que usámos como caso de estudo o Hotel Central e o objectivo foi perceber até que ponto qualquer alteração naquele edifício poderia ter impacto na envolvente. Teve muita receptividade por parte destes alunos.

Passa por aí a preservação e divulgação do património local?
Sim, penso que é por aqui, por estes jovens que se empenham nesta situação e que têm de protagonizar aquilo que vai ser o futuro. Os estudantes de Arquitectura têm muito interesse. Também tenho de dizer que, em algumas conferências em que tenho participado, nomeadamente em Lisboa, curiosamente aparecem grupos de pessoas de Macau de etnia chinesa que se manifestam interessados. No ano passado, no “Heritage 2016”, apareceu um grupo de quase dez pessoas que apresentaram trabalhos muito fundamentados acerca do património local. Continuo a colaborar com este grupo. Há ainda a Associação Embaixadores do Património que também se foca nesta matéria e promove várias actividades ligadas ao turismo cultural com base nesta herança do território. Divulgam ainda este conhecimento junto das camadas mais novas. Recordo uma conferência que fiz aqui em Macau acerca da reutilização dos espaços que são classificados ou com características ligadas ao património, e que vão tendo alterações de forma a que possam ser utilizados hoje em dia. Há que ter também em conta o papel social e cultural que os espaços podem ter nestas circunstâncias. Mas estou a dizer isto essencialmente porque a sala estava completamente cheia. Eram todos muito novinhos.

Qual a reacção das pessoas ao terem mais conhecimento acerca de Macau e do seu património, quando o divulga através das suas comunicações?
As pessoas ficam maravilhadas, e querem saber e conhecer mais. Já me perguntaram inclusivamente porque é que não se organiza um fórum internacional dedicado ao património aqui, ligado a esta herança. No entanto, ainda nesta minha última participação em Lisboa, de Macau estava só eu e, enquanto os outros conferencistas aparecem ligados a instituições do seu país, eu apareço com o património de cá. Sou portuguesa e não estou  representar nenhuma entidade de Portugal nem de Macau. Sou uma “independente”.

 Não seria pertinente fazer-se acompanhar por uma instituição oficial do território dado ser um dos aspectos muito falados por cá?
Sim. Em 2006 houve uma primeira conferência promovida em Coimbra acerca do património classificado de origem portuguesa. Na altura representei Macau. Este ano, conheci também um grupo de chineses bastante forte de Wuhan. Este lugar fica no meio da China e está numa zona de convergência de rotas comerciais. É um grupo bastante forte, tem uma universidade e está a fazer um trabalho interessante no que respeita ao património transcultural. Wuhan tem edifícios com influências culturais de diversos povos e de diversas épocas, e estão interessados em manter a sua preservação. Sendo chineses e estando eu em Macau, faz sentido existir uma colaboração e, eventualmente, promover um encontro cá ou em Portugal para que eles também possam expor o seu trabalho, de modo a que todos possamos encontrar uma linguagem transversal com diversas influências culturais.

25 Jul 2017

Palestra | Turismo deve dar a conhecer a história do território

 

O património de Macau classificado pela UNESCO deve ser dado a conhecer para além da fotografia turística, considera a arquitecta Maria José de Freitas, que dá uma palestra amanhã sobre os desafios de uma das principais indústrias do território. A intenção é perceber como ligar as informações dada pelos guias à história local

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história de Macau, o património e a sua herança cultural representam, actualmente, um desafio para os guias turísticos da região. A ideia é defendida pela arquitecta Maria José de Freitas ao HM, que considera que há que investir activamente na formação dos profissionais do sector. “O desafio para os guias turísticos diz respeito à informação a ser passada às pessoas e aos visitantes capaz de conter mais dados acerca da história do património local por onde passam”, ilustra.

De modo a explicar a actual situação, Maria José de Freitas sublinha que “os principais desafios que neste momento se apresentam nesta comunicação entre património e agentes turísticos estão associados ao próprio contexto do território”. Para a arquitecta, circunstâncias como o desenvolvimento do sector do jogo e a abertura de toda uma série de novos casinos, e a consequente entrada de mais pessoas no território provenientes, na maioria, da China Continental, criam a possibilidade de dar a conhecer “um pouco mais acerca de Macau”.

No entanto, o facto de os casinos proporcionarem passeios pela cidade não significa que promovam o conhecimento pelos locais por onde passam. “As pessoas são levadas a passear, mas não são informadas”, aponta Maria José de Freitas. “Andam pelas ruas, tiram umas fotografias, passam pelas Ruínas de São Paulo ou pelo Senado e pouco mais acontece, quanto muito ainda comem uns pastéis de nata, o que é muito curto e muito pouco.”

No entendimento da arquitecta, urge a criação de circuitos de passeio curtos e com menos gente, mas munidos de guias devidamente informados para que possam elucidar sobre o que foi a história de Macau e sobre os espaços que se estão a percorrer.

No programa das visitas deveria constar por exemplo a deslocação, acompanhada da devida informação, ao museu que se situa nas Ruínas, que faz alusão aos jesuítas e ao papel da própria Igreja, além de ter sido o Colégio de São Paulo que representa a primeira universidade ocidental na Ásia. A ideia é que estas são informações “que podem abrir os horizontes a quem nos visita e até proporcionar uma outra imagem de Macau”.

Da foto ao conhecimento

O desafio é avançar de uma situação de registo fotográfico “como se o património não passasse de um cenário de fundo para um registo informado e mais participado”, explica a arquitecta. Maria José de Freitas dá como exemplo a possibilidade de os visitantes, num trajecto de um dia, poderem conhecer os locais principais da cidade, sendo que seria positivo, para quem queira mais detalhe, um outro tipo de resposta. “É nesta parte que residem as dificuldades e que deve ser alvo de intervenção mais cuidada, tendo em vista o património de Macau que é reconhecido pela UNESCO.”

A ideia encaixa no que as políticas para a diversificação do turismo têm vindo a proclamar e que tem de ser efectivamente posto em prática. Para o efeito, há que ter guias com formação universitária e na posse de informação fundamentada e detalhada. “Macau tem de escolher entre um turismo em que tem 40 ou 50 pessoas enfiadas num autocarro e que param em determinados lugares para a tal fotografia, ou assume que tem um património para mostrar e uma cidade que, nas suas ruas, arquitectura e planeamento manifestam uma história que precisa de ser contada, sendo que é necessário que haja alguém capaz de o fazer.” Neste sentido, a arquitecta considera ainda que cabe ao Governo e mesmo aos casinos a promoção da vertente cultural do património de Macau.

Um património único

“Macau tem um património único, nomeadamente no que respeita à mistura cultural. E é nesta miscigenação, que não é inteiramente ocidental ou oriental, que está a originalidade do território”, afirma. Outra característica do património local reside no facto de “não ser demasiado erudito”, no sentido em que muitas das construções não foram feitas por arquitectos ou engenheiros, mas sim por militares, por exemplo, que por cá viveram e deixaram o seu legado cultural inscrito no actual património. “Os nossos edifícios mostram uma história escrita na pedra e que é de cinco séculos, e que continua a ser construída”, remata Maria José de Freitas.

Se por um lado as entidades competentes não têm tido o papel que lhes cumpre na associação da informação turística à história local, a palestra que irá proferir a convite da Associação de Estudos da Herança e Património de Macau revela, surpreendentemente, a vontade de assumir este tipo de desafios por parte de entidades privadas e formadas por “gente interessada e com formação”.

“O encontro com este núcleo aconteceu, inesperadamente, em Portugal, numa conferência internacional acerca de património em que faziam uma apresentação sobre Macau e as suas particularidades”, recorda. No entanto, “esta é uma situação, a da relação entre o património e a informação turística, que passa muito ao lado das entidades oficiais, quer ligadas a Portugal, que ao Instituto Cultural, e são estas pessoas, ao nível individual, que mostram ter uma actividade cuidadosa, informada e rigorosa acerca de um assunto que é, de facto, de relevo”, defende.

A palestra “De cenários amorfos a espaços culturais com significado – Desafios para o turismo na cidade de Macau” tem lugar amanhã, pelas 14h, na sede da Associação de Estudos da Herança e Património de Macau, situada na Rua dos Artilheiros.

11 Nov 2016