João Santos Filipe Manchete PolíticaSolidão | Ron Lam quer reforço do combate ao isolamento O deputado mostra-se preocupado com os idosos que vivem isolados em Macau e pede ao Governo que explique bem os contornos dos casos em que os mais velhos são encontrados mortos em casa. O objectivo, explica, é mobilizar a comunidade para combater o isolamento O deputado Ron Lam considera que as autoridades devem inverter a tendência de sonegar informação importante para perceber e contrariar o fenómeno do isolamento dos idosos que são encontrados mortos em casa. O assunto faz parte de uma interpelação escrita, em que o legislador aponta ser importante evitar o isolamento social, principalmente das pessoas mais velhas. As questões são levantadas após o caso em que os corpos de duas mulheres, mãe e filha, foram encontrados em avançado estado de decomposição num apartamento, onde se suspeita que estivessem mortas há pelo menos um ano. Quando anunciaram o caso, as autoridades apenas indicaram que os corpos estavam em decomposição há mais de um ano, e que não havia indícios de crime. No entanto, Ron Lam aponta que apesar de terem sido contactadas pelos órgãos de comunicação social, as autoridades não quiseram explicar publicamente os contornos da ocorrência, o que no seu entender impede a comunidade de tomar outras medidas, para evitar casos semelhantes. O deputado reconhece que a informação relacionada com a privacidade das pessoas deve ser resguardada, mas argumenta também que os contornos do caso deviam ter sido explicados, porque o fenómeno do isolamento tem de ser combatido e é necessário apresentar soluções. Lam questiona as autoridades se no futuro vão divulgar mais informações, quando ocorrerem casos semelhantes. O deputado indica também que no passado as autoridades revelavam mais informação do que aquela que anunciam actualmente. Recolha de dados No combate ao isolamento dos idosos, o membro da Assembleia Legislativa deixa também críticas ao Instituto de Acção Social. Segundo Ron Lam, desde 2018 que o IAS começou a recolher informação sobre os idosos que vivem sozinhos. De acordo com estes dados, em Novembro de 2022 apontava-se que existiam 6.200 idosos ou casais em risco de isolamento. Contudo, o deputado indica que os dados não são actualizados com a regularidade que se exige, de forma a poder-se tomar medidas face ao problema do isolamento. Rom Lam também quer saber que medidas estão a ser tomadas para garantir que estas pessoas, identificadas como de risco, têm o acompanhamento necessário. Como parte da interpelação escrita, o legislador questiona ainda o Executivo sobre quantas pessoas idosas foram encontradas mortas em casa ou nos postos de trabalho. O deputado alerta que com o envelhecimento da população previsto para os próximos anos este fenómeno se vai agravar.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesEm casa não há só conforto [dropcap]D[/dropcap]urante este período de isolamento todos nós lidamos com o estar em casa da melhor forma que podemos. A casa é um sítio seguro para muitos de nós, e para muitos não é. Venho aqui relembrar do que precisamos de ser relembrados – agora que nem podemos ver o mundo lá fora com os nossos próprios olhos. O isolamento é para quem tem as condições para fazê-lo. Claro que venho falar-vos do desconforto relacionado com o sexo, relacionamentos e família. Há várias formas como o desconforto do lar é o resultado de desigualdade sociais profundas e estruturais (como não existirem condições dignas de habitação). Mas dentro dos temas que interessam explorar aqui – de sexo e essas coisas – o caso mais alarmante de desconforto é o de violência doméstica. Ficar preso numa casa com um agressor é uma situação extremamente difícil de ser gerida. Há muitas instituições que estão sensíveis a este problema e têm desenvolvido formas de dar apoio, por telefone – e especialmente por mensagem. Quando uma situação de violência poderia ter momentos de pausa, e de privacidade, com a rotina que nos afastava do lugar dilemático que é uma casa, aqui está a pandemia para complicar estas estratégias. Quando nos dizem que para travar esta guerra basta ficar no sofá a ver séries, esquecem-se que esse sofá pode estar cheio de picos. Sentar-se relaxadamente pode não ser uma possibilidade. Depois claro que há outros problemas que podem surgir. Em Xi’an, assim que o confinamento imposto foi flexibilizado, houve um aumento considerável nos pedidos de divórcio. Depois de meses em confinamento os casais trouxeram as suas dificuldades e não conseguiram lidar com elas. Há quem diga que foram decisões apressadas e que muitos mudaram de ideias. Há quem diga que eram más relações à partida e que mais cedo ou mais tarde estes casais iriam divorciar-se. Não sabemos ao certo qual a resposta certa. De acordo com os depoimentos de casais em confinamento parece que a coisa pode dar para os dois lados: ou criar momentos de re-conexão, ou promover o afastamento, o desentendimento e a confusão. Desde discussões sobre as melhores formas de se protegerem ‘Não toques em maçanetas! Lava as mãos durante 20 segundos! Deixa a roupa suja fora de casa!’ em combinação com ‘Estás a ser paranoico’. Até à dificuldade de criar espaços de comunicação e conexão ao mesmo tempo que se mantêm espaços de privacidade (há quem se esconda no guarda-roupa). A vida ficou em suspenso independentemente das condições. Imaginem quem tinha acabado uma relação amorosa? Não há como mudar de casa, ou mudar de vida. Uma suspensão que até poderia ser boa se fosse noutra altura. Ficar preso em casa com o ex-companheiro soa-me a premissa tonta para uma daquelas comédias românticas que Hollywood já fez. As famílias, ainda assim, fazem malabarismos com a lida da casa, com os filhos, e com a produtividade que muitos ainda impõem, como se nada de especial estivesse a acontecer – é preciso manter a normalidade, é preciso manter a economia. Se, para alguns, este confinamento deu a oportunidade para respirar e repensar na vida, no sexo, nas relações, nos desejos e anseios, no mundo e no estado das coisas; para outros essa possibilidade não é assim tão óbvia. A casa e o isolamento podem não ser lugares de conforto, e estar ali suspenso, um pesadelo. Vale ficar de mau humor e espernear. Vale contar com a solidariedade dos outros para dar sentido ao desconforto. O isolamento é para quem pode, não consigo repetir vezes suficientes. Não consigo parar de pensar nos países onde a desigualdade é atroz e isto se mostra ainda com mais clareza. Esta pandemia traz o melhor e o pior de cada um de nós, ao mesmo tempo, sem dó nem piedade. Obriga-nos a uma adaptação a um contexto muito particular – finalmente percebendo que uma casa é tão complexa como tudo o resto.