Carlos Morais José Editorial VozesEditorial | A ponte mais verde do mundo [dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas resolveram não convidar uma parte significativa da comunicação social de Macau para a inauguração da ponte HZM. Nomeadamente, a que se exprime em português e inglês. Esta atitude, que pode ter sido tomada por um funcionário mais papista que o Papa ou mais desconhecedor da realidade da RAEM que o presidente Trump, proporciona, no entanto, pano para mangas e com certeza que traz água em aguçado bico. Em primeiro lugar, os cidadãos podem desconfiar. Será que se pretendeu ocultar algo, na medida em que temos a reputação de sermos “jornalistas” dos que gostam de escarafunchar nos problemas? Será que as autoridades chinesas temiam um desastre, uma catástrofe, um balão cheio de ar, na cerimónia de inauguração e assim preveniram, impedindo a presença de “jornalistas difíceis de controlar”? A verdade é que este projecto tem sido, ao longo do seu tempo de concepção e execução, ferido de suspeições, decisões estranhas e irregularidades. Cimento de bárbara qualidade, ilhas artificiais a desfazerem-se com uma chuvada, entre outras armadilhas, cuja dimensão só conhecemos, e provavelmente mal, por ter sido divulgada do lado de Hong Kong, e cujos resultados ainda estarão longe de dar todos os seus temíveis frutos. Terá sido esta uma atitude “profiláctica”, motivada pelo terror da exposição, das perguntas inconvenientes, enfim, da prática de um jornalismo indefectivelmente ao lado dos interesses do povo e não dos capitalistas, que muito terão embolsado com esta aventura? Não sabemos, mas as perguntas andam por aí. Em segundo lugar, podemos ter pena. Num momento em que o país se lança, como nunca desde o século XV, num imparável processo de internacionalização, não se compreende como persistem estes tiques xenófobos, herdados de momentos menos brilhantes da história. É este tipo de atitude que leva alguns a pensar a China como uma civilização impenitentemente xenófoba, com asco ao estrangeiro e profunda desconfiança das suas ideias e costumes, induzindo a uma rejeição da presença sínica que não seja motivada pela extrema necessidade e assente unicamente em relações comerciais. Não será com estas desatenções, dentro da sua casa, que os chineses conseguirão cativar a confiança dos que não se exprimem na língua de Confúcio nem representam o mundo e o pensamento através de representação ideográfica. Em terceiro lugar, podemos ficar ofendidos. Nós somos parte integrante, indissociável da RAEM, ou assim reza a lei e os discursos. E, ao fim e ao cabo, feitas bem feitas as continhas, quem tem defendido a imagem de Macau e o regime aqui vigente, em contexto internacional, como a comunicação social em línguas portuguesa e inglesa, da TDM ao Macau Times, passando pela Tribuna e pelo Ponto Final? Ninguém. Não nos conhecem? Façam o trabalho de casa. São 18 anos de RAEM, de interacção mútua, de criação de laços e confiança que deviam ter permitido às autoridades chinesas compreender que não somos “traidores”, nem colocamos acima de tudo os nossos desejos e interesses, à margem da região e da nação. A única coisa que nos podem apontar é o facto de praticarmos a nossa profissão e, nesse acto, amiúde confundido com missão, entendermos estar acima de tudo a defesa dos interesses da população de Macau e a procura da verdade. Ainda não perceberam que, sentados em diferentes lugares, estamos no mesmo barco e remamos na mesma direcção? Esta desconsideração não se coaduna com o tom amigo, conciliador e cúmplice que os discursos oficiais insistem em produzir e tal facto, indubitavelmente, questiona a integridade e a sinceridade dos oficiais que os emitem. Nós somos a RAEM, uma entidade multicultural e multilinguística, no seio da República Popular da China. Ou assim está escrito e assim foi prometido. Em quarto lugar, a ponte está verde. Como diria a raposa da fábula, quem quer estar presente numa cerimónia em que o presidente Xi solta uma frase, arruma os papéis e ala que se faz tarde? Quem quer passar uma ponte gigantesca, onde os ideólogos se “esqueceram” de colocar um comboio que, realmente, facilitaria a comunicação de pessoas e mercadorias e, pelo contrário, embarcaram por uma via “classista”, em que só alguns “aristoi” têm direito de pernada? E, aqui entre nós, quem quer ser o primeiro a arriscar uma travessia, depois das broncas com o betão e com as ilhas artificiais? Ná… A ponte está verde e nós ficamos muito bem aqui deste lado ou apanhamos o tradicional jet-foil. O melhor é esperar para ver onde é que quem se mete nesta obra vai parar. Se a Hong Kong e Zhuhai ou ao fundo da Grande Baía… A quem resolveu ignorar-nos, gostaríamos de dizer que, apesar da verdura da ponte, ainda assim, como o perigo faz parte da nossa profissão, enviaríamos um corajoso jornalista para uma mui arriscada travessia. Somos nós, caramba! E não será uma ponte mal amanhada que nos mete medo! Sejam mas é homenzinhos (man up!, em inglês para vos facilitar a tradução) e mandem daí um convite… Entretanto, enquanto o convite vai e volta, sem data certa de arribagem, já comprámos um bilhete de autocarro, passámos a dita ponte e contamos quase tudo nesta edição do Hoje Macau.