Património | Novo Macau teme que Nam Van seja um novo NAPE

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação Novo Macau entregou um novo relatório à UNESCO onde alerta para a necessidade de maior protecção entre a zona B dos Novos Aterros e as zonas C e D junto ao lago Nam Van, para que não haja construção em altura como houve no NAPE.

A UNESCO voltou a receber das mãos da Associação Novo Macau (ANM) um novo relatório em que a entidade revela preocupação sobre a falta de preservação na zona envolvente da Igreja da Penha.

Sulu Sou, deputado suspenso temporariamente do hemiciclo e vice-presidente da ANM, defendeu ontem que o Governo deve estabelecer um corredor visual protegido, com regras claras sobre a altura dos edifícios, entre a zona B dos Novos Aterros e as zonas C e D situadas próximas do lago Nam Van. Caso contrário, esta zona “irá tornar-se no próximo NAPE (Novos Aterros do Porto Exterior)”, apontaram ontem os pró-democratas.

“O público está preocupado com o facto de, se o Governo insistir nesta posição ou se simplesmente adoptar gestos superficiais, a zona entre a Igreja da Penha e a zona B dos Novos Aterros vai estar completamente obstruída. Vai também ser o contrário daquilo que o comité da UNESCO publicou em 2017”, aponta o comunicado da ANM.

Outro dos riscos apontados pela associação prende-se com os novos edifícios construídos em Zhuhai e Ilha de Hengqin, cujo excesso de iluminação pode vir a prejudicar a paisagem nesta zona da península de Macau. Para isso, foi pedida uma maior cooperação com as autoridades do continente.

“A ANM tem vindo a observar o rápido desenvolvimento em Zhuhai e também na Ilha de Hengqin, e têm surgido muitos projectos de edifícios cheios de luz. Estamos preocupados que esses projectos possa danificar a paisagem do centro histórico de Macau. Exigimos que o Instituto Cultural possa participar na criação de um mecanismo de coordenação com o Governo de Zhuhai”, adiantou Sulu Sou, que se fez acompanhar do ex-deputado e candidato às legislativas Paul Chan Wai Chi.

Sulu Sou disse mesmo que a Novo Macau tem vindo a receber queixas sobre este assunto. “A poluição visual tem um efeito negativo e vários cidadãos fizeramnos queixas sobre esse impacto. Por isso pedimos ao Governo que faça uma maior coordenação com as autoridades de Zhuhai.”

Rever o despacho

A ANM lembrou que, em 2006, o Governo revogou as restrições de altura para as construções na zona do NAPE, localizada próxima da Colina da Guia. “Como resultado, a actual zona do NAPE tem vindo a desaparecer no meio de edifícios altos. Há riscos para a paisagem tendo em conta a abundância de edifícios situados ao longo da avenida Dr. Rodrigo Rodrigues, mesmo que as associações se tenham queixado junto da comunidade internacional, e mesmo depois do Governo ter sido alertado pela UNESCO.”

Na visão dos pró-democratas, “é inegável que o corredor visual entre a Igreja da Penha e a zona B é tão importante como aquele que se situa entre a Igreja da Penha e o lago Sai Van, e que é proposto pelo Governo”.

“O Governo deveria incluir a área entre a Igreja da Penha e a Zona B dos Novos Aterros (e a ponte Governador Nobre de Carvalho) como um corredor visual sujeito a uma protecção especial. Neste momento não existem quaisquer restrições para os edifícios que serão construídos na Zona B”, acrescentam os responsáveis da Novo Macau.

Um dos projectos que irá nascer na zona é o novo edifício do Fórum Macau, cuja construção já está em curso. Há também projectos privados que aguardam aprovação das Obras Públicas.

A associação defendeu também a necessidade de rever o despacho assinado pelo Chefe do Executivo em 2008, para que sejam determinados limites de altura dos edifícios construídos próximos da Colina da Guia. A Novo Macau acredita que não há regras claras, tendo em conta os projectos na Doca dos Pescadores e na Calçada do Gaio.

 

16 Mar 2018

Centro histórico | As lacunas do documento de consulta

Linguagem pouco clara, a falta de ligação entre o património e o ambiente envolvente e a ausência de obrigatoriedade de análise de impacto patrimonial em obras ou edifícios. Três arquitectos falam das falhas do documento de consulta relativo ao Plano de Salvaguarda e Gestão do Património

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Plano de Salvaguarda e Gestão do Património está em consulta pública até ao próximo dia 20 de Março, mas três arquitectos contactados pelo HM consideram que existem lacunas que deveriam estar contempladas.

Na visão de Mário Duque, o documento de consulta está escrito numa linguagem pouco clara e quando muito acessível apenas a técnicos. Por outro lado, considera o arquitecto, é um planeamento que deveria ser parte do plano director do território, que ainda não foi elaborado. “Numa consulta pública tem de se saber o que é que está em causa e que assuntos são do domínio das pessoas no âmbito da sua sensibilidade. Não são questões técnicas, não são questões de princípio, não são questões formais nem sequer questões legais”, começa por dizer ao HM.

Num documento com mais de 150 páginas faltam dados concretos, que as pessoas conheçam e que saibam o que é para se poderem pronunciar. “Caso existam estruturas com certas características ou com valor histórico associado ao sítio classificado, as mesmas deverão ser preservadas” é uma das frases que se podem ler repetidamente no documento em consulta relativamente, por exemplo, às restrições de construção.

Para Mário Duque, “no caso deste tipo de informação estar escrita, deve existir, pelo menos, uma nota a dizer o que são essas características”. Não existindo, “tratando-se de um documento escrito dessa forma é um documento técnico que pressupõe uma consulta para perceber quais são os valores culturais a que se deve dar prioridade e as pessoa dizem do seu sentimento”.

Está em causa uma verdadeira legitimidade do processo de consulta pública, mas mais, o envolvimento da comunidade. “É fundamental que as pessoas saibam responder ao documento porque o que a população diz confronta a própria comunidade com o seu sentido ético, de pertença, os seus ensejos e as coisas a que dão valor”, afirma.

Falta impacto patrimonial

A arquitecta Maria José de Freitas aponta que há muitas áreas importantes na gestão do património que não foram contempladas no documento. “Esta é uma proposta que praticamente se restringe ao centro histórico que está classificado pela UNESCO e a zona de protecção. A sensação que tenho é que se faz com que haja uma inclusão deste espaço como se fosse uma paragem no tempo. Coloca-se uma redoma de vidro sob este património, que é classificado, para que não seja tocado. Por outro lado não se aborda a ligação deste património com o meio envolvente, os turistas e os seus habitantes.”

Apesar de notar que esta proposta revela trabalho desenvolvido pelo IC, a arquitecta alerta para o facto de não se exigir a “obrigatoriedade de um impacto patrimonial de todas as obras ou edifícios em zonas classificadas”, algo que “acontece em todos os países”.

Já André Ritchie referiu ser normal um documento de consulta não contemplar todas as medidas que serão implementadas. “Trabalhei em muitas consultas públicas e vai ser sempre assim, com pessoas a dizer que os documentos estão incompletos. Uma consulta pública é uma ferramenta democrática que procura recolher a opinião dos cidadãos. Mas o facto de não existir ainda um plano director… uma coisa não impede a outra.”

O ex-coordenador do Gabinete de Infra-estruturas de Transportes aponta que nunca é tarde a adopção de medidas como o limite máximo de 20 metros para os edifícios do centro histórico. “Tenho ouvido umas vozes um pouco sarcásticas sobre o facto de se estar a fazer isto nesta altura do campeonato. Mas não partilho dessa opinião, pois acho que as coisas têm de começar de alguma forma. Se Macau nunca teve [estas directrizes], acho saudável que se discuta este assunto agora e que se procure uma medida destas.”

Legitimidade formal

De acordo com Mário Duque, a questão da consulta pública é absolutamente ilusória, e que este é um processo que deveria ser feito para ser legítimo. Além disso, para o arquitecto, falta a implementação do plano director para se concretizar um justo processo de gestão do património. “Não se pode fazer um plano de salvaguarda à margem de um plano de ordenamento territorial, porque é dentro de ordenamento territorial e dentro do território que existem depois  subscrições onde as questões do património ou dos valores culturais são alvo de particular cuidado”, diz.

O pano de salvaguarda e gestão do centro histórico de Macau deveria ter sido concluído em 2015 ao abrigo do plano de salvaguarda do património. No entanto, os trabalhos atrasaram-se.

23 Jan 2018