Genitália

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s monólogos da vagina tornaram-se numa peça de extrema importância nos anos 90 porque a divulgação da condição vaginal (feminina) era necessária. Necessária na altura, e necessária ainda hoje. Cada vez mais as vulvas e as vaginas são expostas teórica e praticamente para melhor entender o lado lunar, ou o lado feminino.  Dos genitais do sexo feminino podemos falar sem parar há uma série de crónicas que falam daquilo que todos nós já deveríamos saber, mas tínhamos demasiado medo de perguntar. Homens, mulheres e todo o espectro por igual.

Como é toda uma zona por vezes escondida por um arbusto negro, mas até mesmo quando totalmente descoberta, o mistério reina a sua caracterização. Qual é o aspecto normal de uma vulva? Qual é o seu cheiro? Porque saem umas coisas esquisitas da vagina? Se formos explorar as profundidades inconscientes que a vagina suscita, facilmente deparamo-nos com uma imagem suja. Daí que haja uma perspectiva hiper-higienizante do órgão sexual feminino. Por isso temos que limpá-lo continuamente com a gama de produtos detergentes existentes. Os duches vaginais que nos tentam ser incutidos são mais problemáticos do que saudáveis. Aliás, os anúncios a pensos higiénicos mostram que são desenhados para manter esta limpeza incolor e livre de cheiros.  Isso só mostra um grande desconhecimento em relação ao que se passa ali em baixo. A vagina tem um sofisticado sistema de auto-limpeza e sabe cuidar-se de si própria, mas tem as suas particularidades. Se não soubermos que são normais, nunca seremos capazes de aceitá-las.

O mesmo se passa com o aspecto físico da vulva. É tão desconhecida ao ponto de todos saberem desenhar um pénis e ninguém saber desenhar uma vulva. Nunca se viu uma vulva escrevinhada na porta de uma casa de banho pública, por exemplo. Sendo desconhecida, ninguém sabem muito bem o que é normal e acreditam que certas especificidades vulvares podem ser atípicas. E assim as labioplastias crescem em popularidade como nunca. As mulheres agora recorrem a cirurgia plástica para aperfeiçoar as suas vulvas ao reduzir o tamanho dos lábios menores e maiores ainda que ninguém saiba o que é que a normalidade aparenta. Mas se soubéssemos que as diferenças anatómicas são desproblemáticas, talvez esta necessidade exacerbada de controlo corpóreo fosse menos acentuada. Como se fosse extremamente simples de lidar com a questão coisa que nunca é! Se há mulheres a reduzir o tamanho dos seus lábios genitais, há outras a aumentá-lo. Manualmente! Puxam-se os lábios vulvares porque acreditam que é visualmente estimulante e que aumenta o prazer sexual. Uma prática em países da África subsariana.

Como não é muito fácil olhar para os genitais femininos de uma perspectiva pessoal sem ajuda de um espelho, o auto-conhecimento é dificultado no processo, em combinação com todo o nosso bem conhecido tabu do sexo. Vivemos numa sociedade tão dependente de imagens e da sua estética que não será de admirar que a vulva também seja alvo de alguma expectativa de beleza, mesmo que seja totalmente desconhecida. Não que o pénis não seja alvo de alguma expectativa também, especialmente de tamanho. Mas é que no caso das mulheres, tratam-se de expectativas de uma zona do corpo que já temos dificuldades de aceitar de qualquer forma. Acrescentar-lhe uma exigência que tende a retirar muito das suas características (como a labioplastia), reflecte o quão problemática é a relação entre a vulva e o mundo. Sejamos honestos, os órgãos genitais não são espectacularmente bonitos mas podem sê-lo se houver algum cuidado e dedicação em aceitá-los, exactamente como são.

É claro que não quero ignorar condições patológicas que atrapalham o nosso bem-estar e a nossa vida sexual. Há cenários onde o tamanho dos lábios menores da vulva pode ser causa de desconforto e se for esse o caso, um aconselhamento médico é recomendado. Mas acho que a nossa obsessão estética deve ter limites, se já vivemos como escravos de expectativas de beleza inatingíveis é muito ingrato que uma vulva sofra de tal pressão. Há muitos projectos que tentam divulgar a diversidade vulvar para percebermos que a normalidade não é um conceito estanque. Muito menos quando vemos tendências para lábios mais reduzidos e outras tendências para lábios aumentados. Interessam-nos vulvas felizes, despreocupadas e positivas. Fica aqui a dica:  labialibrary.org.au

29 Nov 2016