Hoje Macau BrevesComediante francês detido à chegada a Hong Kong [dropcap=’circle’]O[/dropcap] controverso comediante francês Dieudonné M’bala M’bala, que tem sido condenado em França por comentários anti-semitas, foi ontem detido à chegada ao aeroporto de Hong Kong, cidade onde tinha espectáculos agendados. O seu advogado, Sanjay Mirabeau, disse que Dieudonné ficou sete horas no aeroporto, depois de ter sido interceptado por agentes da imigração. A sua produtora, a Plume Productions, disse que ele poderia ser deportado. Até à tarde de ontem não eram conhecidos os motivos pelos quais Dieudonné foi detido ou as razões pelas quais poderia vir a ser deportado. O jornal South China Morning Post informou que o comediante foi detido na sequência de queixas apresentadas pelos consulados francês e israelita em antecipação aos seus espectáculos. Os serviços de imigração de Hong Kong disseram que não faziam comentários sobre casos individuais. No entanto, num comunicado em resposta a questões sobre o caso, o mesmo departamento disse que estava “comprometido em manter um controlo efectivo da imigração, negando a entrada de indesejáveis”. Sanjay Mirabeau disse que não havia razões para o comediante ser detido. “O seu novo espectáculo, ‘In Peace’, não tem nada contra a lei. Ele fala de plantas, de ecologia”, afirmou o advogado. A sua produtora afirmou que Dieudonné M’bala M’bala disse que ele estava detido com os filhos no aeroporto. “Ele deverá ser deportado nas próximas horas”, indicou a Plume Productions, em comunicado. Em nome da ordem O consulado francês confirmou que Dieudonné, de 49 anos, tinha sido detido por agentes da imigração à chegada ao aeroporto de Hong Kong. “É uma questão de implementar as leis de imigração relevantes para as autoridades de Hong Kong”, disse um porta-voz do consulado à AFP. O consulado acrescentou que não tinha pedido ao Governo de Hong Kong para evitar a entrada de Dieudonné na cidade. Mas de acordo com fontes da polícia citadas pelo South China Morning Post, o consulado escreveu uma carta a manifestar preocupação sobre a visita do comediante, alertando que a mesma poderia desencadear “perturbações na ordem pública”. A cidade de Hong Kong tem uma numerosa comunidade francesa, com mais de 120.000 franceses residentes registados no consulado. Dieudonné é conhecido pela sua ‘quenelle’, o gesto que é visto como uma saudação nazi invertida, mas que ele insiste que é meramente anti-sistema. O humorista tem tido alguns problemas com a justiça na Europa. Um tribunal belga condenou-o a dois meses de prisão em Novembro por incitamento ao ódio por causa de alegados comentários racistas e anti-semitas que ele terá feito durante um espectáculo na Bélgica. Mau currículo No início do mês, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferiu uma sentença conta Dieudonné relativamente a outro caso, ao decidir que a liberdade de expressão não protege “actuações racistas e anti-semitas”. Dieudonné estava a protestar contra uma multa aplicada por um tribunal francês em 2009 por convidar para o palco um indivíduo que nega a existência do Holocausto. Foi condenado a pagar 10.000 euros pelo que foi considerado pelo tribunal como “insultos racistas”. Em Março, um tribunal francês também sentenciou Dieudonné a dois meses de pena suspensa e multou-o por apologia ao terrorismo, por alegadamente ter manifestado simpatia em relação aos ataques contra o jornal satírico Charlie Hebdo e um supermercado judaico em Paris. O comediante devia dar dois espectáculos ontem e hoje no Hong Kong’s Cyberport.
Rui Flores VozesA gendarmerie de África [dropcap]E[/dropcap]nquanto os Estados Unidos da América (EUA) têm desempenhado, nalguns casos com particular desvelo, o papel de polícia do mundo, a França, por seu lado, tem-se mostrado muito confortável no fato de gendarme do continente africano. Os casos de intervenção das forças armadas francesas sucederam-se durante o século XX. Este novo milénio tem mostrado a mesma tendência. Embora com o Presidente Jacques Chirac, na sequência do papel desastroso desempenhado pela França no Ruanda, tenha parecido que os franceses se estavam a afastar de África, as recentes intervenções autorizadas por Hollande, na República Centro-Africana e no Mali, reforçaram esse papel de polícia do continente africano. Ao contrário de Portugal, que fez a descolonização pela batuta do processo revolucionário em curso, com um resultado final que pode ser resumido pela ideia de uma debandada institucional generalizada – afinal, Portugal combatia os movimentos de libertação nacional em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique e estava à beira de uma guerra civil –, as circunstâncias da continuidade da ligação militar de Paris com as suas antigas colónias são diferentes. Acima de tudo – e esta é a principal diferença – a França procurou continuar a ligação orgânica com as colónias e tratou de garantir que os novos regimes africanos a aceitavam como o mais relevante parceiro – senão o único – no sector estratégico da cooperação e assistência técnica militares. Em troca, Paris requeria apoio nas votações nas Nações Unidas. Simples, bonito e eficaz Na verdade, essa proximidade não foi muito difícil de estabelecer. Como no caso das antigas colónias portuguesas, a maioria dos líderes políticos que saíram dos processos de independência tinham grandes proximidades com o antigo poder colonial – ou haviam estudado na “metrópole” ou tinham até tido papéis de destaque no aparelho colonial. Criaram-se pois redes de contactos mais ou menos informais que tiveram em Jacques Foccart, assessor do Presidente Charles de Gaulle e responsável pela célula africana dos serviços secretos, o principal impulsionador desta relação privilegiada. Esta relação de proximidade adquiriu um nome próprio: “Françafrique”, que chegou aos dias de hoje e que expressa uma certa intimidade entre as elites africanas e o poder em França traduzida, na prática, pela manutenção de generosos orçamentos da Europa para o continente africano. Quem o inventou foi o primeiro presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouet-Boigny, logo em 1973. Passados mais de 40 anos, a relação de proximidade com a África sub-sahariana mantém-se. Num recente artigo para a Political Science Quarterly, a revista académica publicada pela Academia de Ciência Política de Nova Iorque, o investigador francês Victor-Manuel Vallin faz o balanço desta relação especial. A França mantém acordos de cooperação militar com oito países africanos, alguns da sua esfera de influência tradicional (como são os casos do Senegal, Costa do Marfim, Benim, Camarões, Gabão, Republica Centro-Africana, Comoros) e outros mais recentes, mas com uma importância geo-estratégica capital (como é o caso do Djibuti, país onde a França instalou uma das suas maiores bases militares em África e onde, além dos EUA, está presente o Japão que, em 2011, estabeleceu ali a sua primeira base militar no estrangeiro desde o final da II Guerra Mundial). Estes acordos de defesa implicam nalguns casos a manutenção de uma presença militar no país. A França tem bases no Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Costa do Marfim, Níger, Chade, Gabão, Republica Centro-Africana e Djibuti. Estas têm como principal objectivo contribuir para a manutenção da ordem pública – leia-se o status quo, que a alteração de regime pode sempre pôr em risco os interesses nacionais. Mas Paris mantém também nestes países um número considerável de assessores (e não apenas nos Ministérios da Defesa), que aconselham as autoridades na definição das diferentes políticas. Durante a minha estada na República Centro-Africana, por exemplo, conheci vários destes assessores que tinham acesso privilegiado ao ouvido dos respectivos ministros. Estes assessores constituem uma fonte considerável de informação sobre a situação do país, o que dá à França a upper hand em termos de conhecimento rigoroso do que se passa de um ponto de vista politico e militar, que faz dela um caso único, por exemplo na África Central. Esta proximidade levou ao estabelecimento de academias militares, em 17(!) países, com as quais a França gasta 10 milhões de euros por ano e nas quais os militares franceses dão formação à futura elite castrense. Este é um papel decisivo para a afirmação internacional da França. É no continente africano, por exemplo, que a língua francesa tem capacidade de crescimento. Não é em França, na Bélgica ou na Suíça, ou mesmo no Canadá, que o francês pode sonhar de novo em desempenhar um papel de destaque na política internacional, como tinha no início do Século XX, em que era, ainda, a língua da diplomacia internacional, um papel que desempenhou em regime de monopólio praticamente desde o Século XVII. São agora longínquos os tempos em que os diplomatas britânicos e americanos usavam o francês para vincular a posição dos seus Estados. Mas França já não está só neste papel de polícia voluntário do continente africano. Há outros actores no continente a ganhar destaque. Desde logo, os EUA. No âmbito da luta contra o terrorismo, Washington aumentou consideravelmente a presença em África, onde criou, em 2007, o Africom, um comando militar dedicado para o continente. Essa vontade de contribuir para a solução dos problemas africanos foi visível, por exemplo, recentemente, quando Obama enviou contingentes militares para a África Ocidental, para ajudar na contenção do vírus do ébola e, anteriormente, havia despachado assessores militares para darem formação, no âmbito da luta contra Joseph Kony e o seu Exército da Libertação do Senhor. Embora os EUA – e a China, que entretanto também reforçou o seu envolvimento com o continente, tendo já assinado acordos de cooperação militar com 15 Estados africanos – sejam os “new comers”, a França mantém-se, hoje em dia, como um parceiro quase único do chamado “mundo ocidental” contra as consequências do extremismo em África. Os números actuais da presença francesa em África não são conhecidos. Mas quando o primeiro-ministro Lionel Jospin, em 2002, deixou o poder após cinco anos de contínua diminuição da presença militar no estrangeiro, continuavam pela África sub-sahariana 5300 operacionais franceses. Este número cresceu, indesmentivelmente, nos últimos anos após as operações na República Centro-Africana e no Mali. E assim se deverá manter nos próximos anos. Como também a tentação de, por vezes, interferir directamente no desenrolar dos acontecimentos nos países onde os interesses e a presença francesa são muito grandes.