Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasUma obra-prima extraordinária [dropcap]F[/dropcap]ez no dia 3 de Fevereiro 210 anos que nasceu o compositor, pianista e maestro alemão Felix Mendelssohn Bartholdy. Membro de uma família judia notável, mais tarde convertida ao cristianismo, Mendelssohn nasceu Jakob Ludwig Felix Mendelssohn Bartholdy em 1809 em Hamburgo, filho do banqueiro Abraham Mendelssohn e de Lea Salomon, e neto do filósofo judaico-alemão Moses Mendelssohn, crescendo num ambiente de intensa efervescência intelectual. As maiores mentes da Alemanha da época foram visitas frequentes da casa da sua família em Berlim, incluindo o filósofo, linguista e diplomata prussiano Wilhelm von Humboldt, fundador da Universidade Humboldt de Berlim, e o famoso geógrafo e explorador Alexander von Humboldt. A sua irmã Rebecca casou com o grande matemático belga Lejeune Dirichlet. O seu pai renunciou à religião judaica e a família mudou-se para Berlim em 1811, tentando dar a Felix, ao seu irmão Paul, e às suas irmãs Fanny e Rebeca, a melhor educação possível. Fanny tornou-se uma pianista e compositora conhecida. Felix era considerado uma criança prodígio. Começou a ter lições de piano com a sua mãe aos seis anos, sendo depois orientado por Marie Bigot, em Paris. Mais tarde, em Berlim, todos as quatro crianças estudaram piano com Ludwig Berger, que tinha sido aluno do pianista e compositor Muzio Clementi. A partir de 1817, estudou composição com Carl Friedrich Zelter em Berlim e começou a compor aos nove anos. Escreveu e publicou o seu primeiro trabalho, um quarteto com piano, aos treze anos. Mais tarde teve lições de piano com o compositor e virtuoso Ignaz Moscheles, confessando no seu diário que este tinha muito a ensinar-lhe. Moscheles foi um grande colega e amigo seu ao longo da vida. Embora não se tivesse tornado o próximo Mozart, Mendelssohn possuía um comando da sintaxe musical apenas rivalizado pelo seu eminente predecessor e, na verdade, algumas das obras da sua juventude ultrapassam as do prodígio austríaco numa idade comparável. Infelizmente, naqueles primeiros anos, Mendelssohn sofreu o escárnio de críticos e académicos pedantes que confundiram a sua graça sem esforço com mera extravagância e recusaram levar a sério as suas obras. Mesmo no séc. XX, pensava-se seriamente que faltava substância à música de Mendelssohn porque este tinha sido uma criança privilegiada. No entanto, da sua juventude emergiram duas obras-primas extraordinárias: o Concerto para Violino, Piano e Orquestra de Cordas em Ré menor, MWV 04 e o Concerto para Dois Pianos e Orquestra em Mi Maior, MWV 05, ambos produtos do génio de um adolescente de apenas 14 anos, e atingindo ambos níveis de genialidade a que a maior parte dos compositores não chegam em toda a sua vida. Além destas obras, aos 14 anos, tinha também já composto o Largo e Allegro em Ré menor para Piano e Cordas, MWV O1, o Concerto para Piano em Lá menor, MWV O2, e o Concerto para Violino em Ré menor, MWV O3. O Concerto para Dois Pianos e Orquestra em Mi Maior, MWV 05 exibe um equilíbrio inquietante entre os instrumentos de forma a que estes parecem combinar-se na perfeição mas não sem ser imediatamente óbvio que um instrumento apenas não poderia executar a obra sozinho. Elaborada como uma prenda de aniversário para a sua igualmente musicalmente precoce irmã, Fanny, a peça foi estreada pelos dois no seu aniversário, no dia 14 de Novembro de 1824. Dada a sua envergadura e dificuldade, é evidente que ambos eram executantes virtuosos para além das suas vocações criativas. Convencionalmente arranjado em três andamentos, o concerto abre com uma veia clássica e pura expressa numa introdução alargada, que Mozart podia ter escrito. Os pianos entram, um de cada vez, e segue-se um diálogo espirituoso. Mas depressa se torna evidente que Mendelssohn atravessa a linha para o Romantismo. Temas arrebatadores e surpresas cromáticas surgem e cadências surpresa e mudanças de atmosfera abundam. Em todo o andamento, os dois pianos são parceiros iguais – prova do respeito de Felix pela capacidade da sua irmã. O andamento termina com uma robusta coda que poderia ser o finale de uma obra menor. O segundo andamento é um adagio insuperavelmente elegante e Mendelssohn mais uma vez dá à orquestra o privilégio de abrir com um prelúdio extenso antes dos pianos entrarem, mais uma vez, um de cada vez, apresentando um tema hesitante, mas encantador. O andamento termina com uma longa passagem de maravilhosas tercinas de ambos os pianos de encontro a uma melodia suave e simples nas cordas. É um contraponto perfeito mas de longe demasiado inspirado para ser um mero exercício. No finale, os pianos anunciam-se eles próprios com um diálogo palpitante e o andamento rebenta num grande furacão sinfónico com ambos os pianos a serpentearem sem esforço através dele. Mendelssohn cria tensão e drama com êxito através de um motivo ascendente em ambos os solistas e na orquestra e a obra finalmente guina para uma espantosa coda plena de arrepiante pirotecnia pianística e uma conclusão abrupta. O concerto é maduro, grandioso, e convincente e em todos as acepções um verdadeiro concerto para piano Romântico. O facto de se tratar da obra de um adolescente torna-o assombroso. O Concerto, obviamente inspirado no Duplo Concerto, K. 365 de Mozart, e provavelmente inspirado pelo novo amigo de Mendelssohn, Ignaz Moscheles, mostra também como Mendessohn tinha absorvido Weber, Hummel e Field. Considerada imatura pelo próprio Mendelssohn, a obra foi posta de lado e não foi publicada, permanecendo na forma de manuscrito até 1961, quando a Leipziger Ausgabe der Werke Felix Mendelssohn Bartholdy publicou uma versão substancialmente revista por Mendelssohn e editada por Karl-Heinz Köhler. Nesta partitura, Mendelssohn lida com questões como o papel do virtuosismo, o design harmónico e as relações temáticas entre os instrumentos tutti e os solistas. A edição presente oferece um olhar sobre um ponto crucial na evolução do género concerto por um dos compositores mais importantes que escreveu para o género no início do séc. XIX. *Sugestão de audição da obra: Katia e Marielle Labèque, piano Philharmonia Orchestra, Semyon Bychkov – Philips, 1990</strong<