João Romão VozesMega favelas [dropcap]E[/dropcap]m tempos históricos não muito distantes falava-se de “êxodo rural” para descrever os movimentos massivos da população que deixava a vida no campo e o trabalho agrícola para se deslocar para as cidades, onde se concentravam as indústrias e se esperava aceder às maravilhas da modernidade. Hoje já não é tanto assim: nem sempre a cidade parece ser suficiente para rasgar os horizontes aparentemente necessários e assiste-se cada vez mais a deslocações massivas das zonas urbanas de pequena e média dimensão em direção às grandes áreas metropolitanas – as “mega-cidades”, estatisticamente definidas quando concentram uma população residente superior a 10 milhões de pessoas (a população de Portugal inteiro, portanto). Em 1950 havia no mundo só uma destas metrópoles. Era Nova Iorque a grande cidade do planeta, símbolo global da modernidade urbana, portadora de uma promessa de futuro, transformada em poesia pela magia do cinema. Depois viria Tóquio, a cidade da utopia tecnológica que liderava o milagre do desenvolvimento económico do Japão após a II Guerra Mundial. Ainda hoje a capital japonesa é a maior área metropolitana do mundo, com cerca de 35 milhões de pessoas em intensa mobilidade quotidiana graças a um impressionante sistema de transportes públicos: das 50 estações ferroviárias mais movimentadas no mundo, 26 estão em Tóquio (e mais 18 no resto do Japão). Não é assim em todas as “mega-cidades”, evidentemente: muitas delas estão longe de ter as infraestruturas adequadas para tamanhas concentrações populacionais. O permanente congestionamento do tráfego – com a consequentes poluição e o inevitável desperdício sistemático de energia – é frequentemente um desses sinais da desproporção entre a atratividade do lugar, as multidões que por lá circulam e a sua capacidade para alojar em condições adequadas quem chega e fica. Na realidade, das 33 “mega-cidades” hoje existentes, 26 estão em países classificados como “em desenvolvimento”. As cidades de países ricos (Tokyo e Osaka no Japão, Seul na Coreia do Sul, Nova Iorque e Los Angeles nos Estados Unidos e as europeias Londres e Paris) são excepções numa geografia em que a Ásia é largamente maioritária: 6 “mega-cidades” na China (Pequim, Xangai, Shenzen, Guangzou, Tianjin e Wuhan), 4 na Índia (Mumbai, Deli, Bangalore e Calcutá) e ainda Manila (Filipinas), Jacarta (Indonésia), Dhaka (Bangladesh), Bangkok (Tailândia), Ho Chi Minh (Vietname), Carachi (Paquistão), Teerão (Irão) e também Istambul (na Turquia, graciosamente repartida entre os continentes asiático e europeu). Moscovo (Rússia) está na Europa que não tem estatuto de “desenvolvida”, enquanto Lagos (Nigéria) e Cairo (Egito) são as “mega-cidades” africanas, e Lima (Perú), Cidade do México, Buenos Aires (Argentina) e as brasileiras Rio de Janeiro e São Paulo representam a América Latina neste restrito grupo de super-metrópoles. Estas transformações nas sociedades contemporâneas são lentas e poucas mudanças se esperam nestas dinâmicas para os próximos anos, segundo as projecções de um estudo apresentado pela Euromonitor Internacional. O impressionante dinamismo económico e demográfico destas super-metrópoles – pelo menos em comparação com o resto do mundo – garante que vão manter a sua importância até 2030, pelo menos, apesar do envelhecimento populacional que se manifesta em várias cidades asiáticas (sobretudo nas do Japão, mas também em Seul, Pequim e Xangai). A confirmarem-se as previsões, Tóquio e Osaca serão as duas únicas “super-cidades” a perder população até 2030, altura em que Jacarta passará a ser a metrópole mais populosa do mundo. A manterem-se as tendências actuais, 6 novas “mega-cidades” ultrapassarão o limiar dos 10 milhões de habitantes até 2030, continuando o mundo mais desenvolvido a ser uma exceção nestas super-concentrações de população: Chicago (Estados Unidos) será a único caso de uma cidade rica, enquanto os países “em desenvolvimento” contribuirão com mais cinco – Bogotá (Colômbia), Chennai (Índia), Bagdad (Iraque) e duas novas representantes de África, o continente mais tardiamente urbanizado (Dar es Salaam, na Tanzânia, e Luanda, em Angola). Manifestamente, esta é uma escala pouco interessante para os países mais ricos do planeta. Na realidade, se há nestas “mega-cidades” um dinamismo económico que se traduz, em geral, num acelerado crescimento – e é sobretudo isso que atrai milhões de pessoas – dificilmente esse processo permite desenvolver rapidamente as infraestruturas para as acolher. Não é só o problema dos transportes, naturalmente. É também o da habitação, em zonas urbanas que o capitalismo contemporâneo transforma em produtos transacionáveis e onde os condomínios de luxo (frequentemente vedados e inacessíveis) das áreas centrais coexistem com vastas extensões de bairros precários e informais na periferia. Não é só na Cidade do México, em Bangkok ou no Cairo: a pobreza e a miséria também se estendem pelos subúrbios de Paris ou Nova Iorque. Além de uma população altamente urbanizada, a vida neste planeta no século XXI também se faz com muitos milhões de pessoas nas favelas suburbanas contemporâneas.