Uma Lei Sindical, um Governo, um referendo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo de Macau vai, afinal, encarregar uma instituição académica de realizar um estudo sobre a viabilidade de implementação de uma lei sindical. Segundo o que disse Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças, a ideia é analisar os desafios que outros países já enfrentaram na implementação da lei. Este panorama mantém-se apesar de diferentes deputados já terem apresentado projectos de lei sindical na Assembleia Legislativa (AL), oito vezes chumbados.

A decisão do Governo é uma novidade e um passo em frente, mas não espero um resultado além da habitual ideia de que “a lei não é adequada à actual situação da sociedade de Macau”, ou ainda ao facto de ser “necessário um consenso no seio da sociedade para a implementação da lei”. Aí o referido estudo não será mais do que um desperdício de dinheiros públicos, apesar do Governo já ter gasto tantos recursos financeiros desta forma.

Macau precisa da lei sindical. Esta pode simbolizar um anjo para os trabalhadores mas um diabo para quem emprega. Ao fim de oito chumbos, que não é um número pequeno, é fácil compreender as razões que estão por detrás disso, pois a maior parte dos deputados são patrões e não representam a defesa dos direitos dos trabalhadores. Existe algum patrão que concorde com o aumento dos salários ou o pagamento de regalias aos seus trabalhadores? Haverá algum gestor que aceite de bom grado uma greve ou algumas queixas feitas pelos seus empregados quanto às condições de trabalho?

Se fosse dona de uma empresa também não gostaria que os meus empregados fizessem coisas contra mim ou pusessem em causa as condições que estaria a oferecer. No actual estado do hemiciclo, em que todos os outros deputados representam o sector laboral e votam a favor de uma lei deste género, a verdade é que ainda ninguém conseguiu alterar o rumo que esta proposta tem tomado.

Nunca entendi porque é que o Governo nunca deu garantias de implementação da lei, quando há grupos dentro da AL que lutam por ela há muitos anos. Talvez seja essa a cultura do funcionalismo público; a de deixar a situação correr até chegar ao ponto de exaustão.

Uma possível solução seria realizar um referendo sobre o assunto, algo que deixaria verdadeiramente os residentes escolherem ou não a implementação da lei sindical. O mecanismo da consulta pública funciona para tudo, inclusivamente para escolher os nomes dos pandas. É uma escolha da população da qual ninguém suspeita da sua racionalidade. Crê-se que, com esse mecanismo, não existem acções governativas à porta fechada.

Já que se fez uma consulta pública para os traçados do metro ligeiro, também poderia realizar-se mais uma para saber se na península vai, afinal, haver uma linha de metro a sério ou se teremos apenas um monocarril junto à orla costeira. Dessa forma o Governo não terá como não estudar a ideia feita por três deputados nomeados, até porque o metro ligeiro está a ser construído para servir as suas populações e não os governantes, que conduzem luxuosos carros privados.

Este território que habitamos não é tão democrático como o Reino Unido, que realizou um referendo para decidir a saída ou permanência do país na União Europeia (UE). Os resultados fazem-nos aguardar com expectativa o que daí virá. O Governo gosta de fazer consultas públicas para depois tomar decisões em relação a determinadas políticas. Com este modelo ganha sempre mais críticas ou queixas da população que afirma não ser verdadeiramente ouvida, mas a acção do Governo não muda. Aguardo por um dia em que tenhamos um modelo mais democrático.

2 Dez 2016

Os custos por detrás da moda

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]enti vergonha quando ouvi falar do termo “terceiro mundo” apenas esta semana. Quanto o ouvi pela primeira vez, ainda pensei que se estaria a falar de um mundo fictício, oriundo de muitos filmes de ficção científica. Nunca aprendi sobre esses países de terceiro mundo ou sobre esse conceito na escola. Através de uma pesquisa rápida na internet fui percebendo como é composto o chamado terceiro mundo, com países que conhecem um menor desenvolvimento económico em vários continentes.

O interesse por este conceito surgiu-me através da visualização de um documentário lançado no ano passado, chamado “The True Cost” do realizador britânico Andrew Morgan. Este pretende chamar a atenção do público para o problema das más condições de trabalho de milhões de pessoas em todo o mundo, aquelas que estão nas fábricas de vestuário de grandes marcas. São habitantes da Índia, Sri Lanka ou Paquistão e produzem roupas com baixíssimos custos para as marcas, as quais são exportadas para os tais países de primeiro mundo, como os Estados Unidos, Canadá ou países europeus.

As más condições de trabalho destas pessoas podem ser exemplificadas com a tragédia de Bengala, em 2013, quando um edifício em risco de ruir acabou mesmo por colapsar. Lá dentro operavam várias fábricas têxteis ilegais, onde eram obrigados a trabalhar milhares de pessoas. Morreram mais de mil trabalhadores, os que ocupavam os lugares mais baixos nas cadeias de produção.

Este tipo de moda produzida em massa deveria servir para o usufruto de muitas pessoas que não são ricas e que não podem comprar alta costura. Deveria ser vantajosa para criar oportunidades de trabalho para os habitantes dos países menos desenvolvidos. Mas a realidade é que, para minimizar os custos de produção, os fabricantes ignoram os direitos humanos e pagam mal aos seus trabalhadores, não suportando as garantias a que têm direito, as horas de descanso, uma alimentação devida, um salário digno.

Sinto-me culpada porque as grandes marcas responsáveis por esse problema são aquelas que eu e a maioria das pessoas em Macau e no mundo procuram. Multinacionais como a Zara ou a H&M vendem roupas a preços bastante acessíveis mas à custa de actos cruéis. Os trabalhadores ganham, na maioria das vezes, menos de cem dólares americanos por mês (sensivelmente mil patacas). É o outro lado do mundo e o consumismo deste lado. Talvez sejamos cúmplices da dureza de vida dos trabalhadores dessas fábricas.

Macau e China são considerados ainda países ou regiões em desenvolvimento, apesar dos enormes avanços económicos. Muitos têm uma vida de luxo como nos países desenvolvidos, sobretudo a nova geração. Todos compram vestidos luxuosos, telemóveis de última geração e calças de ganga de 500 patacas ou mais. E ninguém se arrepende disso.

Quando compramos as roupas não vamos pensar “quem é que fez este casaco?”. Ou “será que este trabalhador foi mal tratado?”. Como poderemos saber se por detrás dos nossos tecidos estão sangue e lágrimas e, ainda assim, vesti-los diariamente? Isso surgiu com a última revolução da moda, um novo movimento global que pede uma maior transparência por parte da indústria de moda e de quem a faz.

Temos de pensar mais antes de comprarmos o nosso vestuário, temos de promover um trabalho mais sustentável nas fábricas. Agradecemos o facto de muitas marcas já prometeram melhorar as condições dos seus trabalhadores, mas só Deus saberá se isso é suficiente ou não para que estas pessoas tenham melhores vidas. Mais ninguém.

21 Nov 2016

Mal-entendidos destroem as equipas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a cultura chinesa, acredita-se muito numa coisa: o destino (緣份). Destino no sentido das relações que vamos tendo com outros. Acredita-se que conhecer uma pessoa é algo já destinado, marcado para as nossas vidas: porque é que conhecemos este mas não aquele? Porque é que nos tornamos amigo de uma pessoa que conhecemos há pouco tempo e não de um colega com quem estamos sempre? Todas as pessoas que conhecemos na vida têm os seu próprio destino.
Eu valorizo muito as relações com amigos, colegas e, claro, família. Mas, obviamente, nem sempre que consigo manter boas relações com todos. Eu também ignoro, eu também sou responsável por mal-entendidos. Eu também me zango, ralho, magoo outros, com ou sem razão. Apesar de tudo, tento não manter as partes negativas dos outros na minha mente.
Talvez estes meus pensamentos sejam formados através dos filmes ou telenovelas que via muito anteriormente. Mas há algo que ouvi e que me ficou sempre na memória: “Lembra-te sempre que detestar uma pessoa é muito cansativo e essa pessoa não fica cansada, apenas tu”.
É por causa disto que não costumo deixar que o ódio por alguém invada a minha mente mesmo que alguém me tenha feito mal. Não espero vinganças de ninguém por causa dos meus defeitos, desde que não continue a fazer mal.
Também não gosto de olhar de lado nem de detestar uma pessoa sem razão, de forma fácil. O que me interessa mais é saber porque é que uma pessoa faz determinadas coisas, qual é a intenção, o que pensa, ou sentia quando o fez. Se calhar esta forma de pensar pode ser considerada parva, mas sei que, apesar de nem sempre estar certa, também há mal-entendidos ou preconceitos formados.
Mas também acho que é perigoso não esclarecer o que é a verdade quando alguém entender que algo está mal, porque, mesmo que nos possamos importar com o que os outros pensam e falam, estas coisas podem a qualquer momento afectar emoções, relações e até a vida quotidiana. Passando um longo tempo, é possível que esses mal-entendidos façam com que as pessoas se tornam inimigas.
Os mal-entendidos, penso eu, são uma arma “fria”, que destrói e magoa silenciosamente. Sobretudo quando existem entre família, num grupo ou numa equipa. Podem derivar de suspeitas, enganos, raiva, ciúmes e até ódio, algo que não é nada necessário. Além do mais, quando os mal-entendidos se espalham de uns para outros, esse erro desnecessário fica cada vez maior e o resultado poderá ser irreversível.
“Se uma equipa tem uma boa comunicação, se não se poupa a cooperação entre uns e outros, o poder que se produz poderá ser tão forte que até Deus o teme.”
Li esta frase num livro chamado “Avança-se um pouco um dia depois do outro”, de um autor pouco conhecido de Taiwan. Como nenhum de nós vive numa ilha isolada, a única forma de conseguir sucesso é aceitar a ajuda e ajudar os outros. Quando não há comunicação entre as pessoas, nem se tenta conversar, sobretudo no caso de mal-entendidos, quem perde somos nós próprios.
Eu não peço a todos que se perdoem uns aos outros, aos que fazem mal a si próprios ou àqueles à sua volta, mas peço a todos que repensem se existem mal-entendidos e falem! É a única forma de talvez se poder evitar perdas de ambos os lados.

7 Out 2016