Segurança do Estado | Autoridades têm em mãos pelo menos uma investigação

Está em curso uma investigação relacionada com crimes contra a segurança do Estado. Desconhece-se, contudo, quando foi iniciada, que tipo de acto envolve ou até se é a primeira do género

 

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s autoridades de Macau estão a investigar pelo menos um caso relacionado com crimes contra a segurança do Estado. A revelação foi feita ontem por Wong Sio Chak que escusou, no entanto, facultar mais pormenores, garantindo apenas que existem indícios que a sustentam.

Não sabe quando a investigação foi iniciada, em que fase está, se abarca mais do que um caso nem tão pouco a que crime diz respeito. Apesar da insistência durante a conferência de imprensa dedicada ao balanço da criminalidade do primeiro semestre, o secretário para a Segurança remeteu pormenores para mais tarde: “Não posso revelar [detalhes], peço desculpa. De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), só podemos revelar no momento oportuno”.

A Lei Relativa à Segurança do Estado, em vigor desde 2009, tipifica sete crimes contra a segurança do Estado elencados no artigo 23.º da Lei Básica, tais como traição à pátria, secessão, sedição ou subversão contra o Governo Popular Central e subtracção de segredos do Estado, cuja pena máxima chega aos 25 anos de prisão. Actualmente, estão a ser elaborados diplomas complementares à lei, que o Governo espera concluir até ao início do próximo ano. “Essa lei existiu sempre como quadro legal sem regulamentação de procedimentos, nem determinação da entidade executora, o que tem resultado, justamente, na ausência da aplicação das suas disposições”, afirmou, em meados de Abril, Wong Sio Chak, ao justificar a necessidade de mexidas.

Questionado ontem sobre a existência de ameaças à segurança do Estado em Macau, Wong Sio Chak respondeu: “Quando falamos de segurança do Estado falamos da China e acho que são óbvias as ameaças sentidas pela China ao longo dos anos”. “Vamos continuar a reforçar o combate – é uma das responsabilidades das autoridades da RAEM. (…) Não podemos restringir só a Macau. Precisamos de fazer o combate contra esses crimes de uma forma global”, insistiu.

As forças hostis

Quanto às “forças hostis” que andam “a aproveitar Macau como trampolim para conduzir actividades de infiltração e intervenção” contra a China – sinalizadas num artigo dedicado à segurança do Estado recentemente publicado no ‘site’ do seu gabinete – estão relacionadas com a criminalidade transfronteiriça, afirmou o secretário para a Segurança. “Com o avanço da tecnologia e a facilidade de mobilidade temos mais casos de crimes que vão de Macau para a China ou da China para Macau”, referiu, destacando a cooperação entre os dois lados da fronteira no âmbito do combate aos crimes transfronteiriços, em cuja esfera colocou tanto a usura como práticas que atentam contra a segurança do Estado.

Sobre o departamento que vai ser criado no seio da Polícia Judiciária (PJ) para executar a lei relativa à defesa da segurança do Estado, Wong Sio Chak indicou apenas que o processo está em andamento, sem concretizar quando poderá iniciar em funções.
Este departamento juntar-se-á a pelo menos outros dois novos (um dedicado à cibersegurança e outro ao terrorismo) também em preparação, os quais vão levar à reestruturação da PJ que Wong Sio Chak espera efectivada “o mais breve possível”.

29 Ago 2018

Segurança do Estado | Nova comissão questionada por juristas

A nova Comissão de Defesa de Segurança do Estado poderá ser uma “polícia política facilmente manobrável” por Wong Sio Chak. António Marques da Silva e António Katchi temem ainda que o Código do Processo Penal seja alterado e que se criem tribunais especiais para julgar processos

 

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo vai criar a Comissão de Defesa de Segurança do Estado, que tem como objectivo apoiar o Chefe do Executivo na tomada de decisões. Apesar de se tratar de matéria ligada à segurança do Estado chinês, Macau tem poderes, ao abrigo do artigo 23 da Lei Básica, para criar esta comissão, apontaram dois juristas ao HM. Contudo, os problemas práticos poderão ser outros, defendem.

Na visão de António Katchi, o Governo, ao criar esta nova comissão, tem como objectivo “claro” a instituição de uma “polícia política facilmente manobrável pelo secretário para a Segurança, em estreita articulação com o Governo Central, para perseguir indivíduos ou organizações considerados politicamente incómodos para a oligarquia local ou para a casta dirigente do Partido Comunista Chinês”.

Na prática, tal pode acontecer invocando “disposições penais contidas na Lei de Defesa da Segurança do Estado, mas efectuando, para tal, as manipulações e distorções que se revelem necessárias, quer em matéria de Direito, quer em matéria de facto”. Katchi, que é também professor universitário, estabelece mesmo um paralelismo com o período do Estado Novo, em Portugal.

“O secretário para a Segurança não deve ignorar, por exemplo, que em Portugal, durante a longa noite fascista, o principal instrumento orgânico-administrativo utilizado pelo Governo para perseguir, intimidar, prender e mesmo matar opositores políticos não foi a PSP, mas a PIDE.”

António Marques da Silva, também jurista, diz temer futuras mudanças ao abrigo desta nova comissão. “Estas comissões, em todo o mundo, são, normalmente, de má memória”, começou por defender.

“Não me preocupa que sejam criados serviços de inteligência para prevenir atentados contra a segurança do Estado. O que me preocupa é que atrás disto se altere a lei de Defesa da Segurança do Estado, o Código do Processo Penal (CPP) e se criem juízes e tribunais especiais para julgar este tipo de casos”, acrescentou. O jurista recorda ainda que “todos os países têm serviços de inteligência para prevenir crimes contra a segurança do Estado ou questões ligadas ao terrorismo”. António Marques da Silva destaca ainda o tom “intimidatório” que a criação desta nova comissão acarreta.

“O intuito desta comissão será mais do que consultivo, será preventivo, e de execução. Veja-se a composição desta comissão: é o Chefe do Executivo, o secretário para a Segurança, o director da Polícia Judiciária. Tudo indicia que tem um carácter operacional, preventivo mas também com um lado intimidatório, no meu entender.”

Para quê?

António Marques da Silva acompanhou o processo de implementação da lei de Defesa da Segurança do Estado e recorda que, em 2009, “entendeu-se que não era necessário criar nenhum órgão de investigação especial nem nenhuma norma processual especial”. “Decidiu-se que tudo seria tratado como qualquer outro tipo de crime e sujeito às regras do CPP e ao julgamento dos tribunais normais. Há agora uma nova realidade que, pessoalmente, não sei onde querem chegar”, frisou, questionando se há necessidade de criar esta comissão.

Nunca foi registado qualquer caso de atentado à segurança do Estado desde 1999, apesar de estar actualmente em curso apenas uma investigação (ver texto principal da página 5).

António Katchi teoriza quais as verdadeiras razões para a criação da comissão quando nunca houve crimes deste tipo. “Uma vez que os organismos públicos têm de mostrar serviço para justificarem a sua existência, é evidente que um organismo única ou principalmente destinado a detectar eventuais crimes contra a segurança do Estado estaria constantemente sob pressão para descobrir e para publicitar a descoberta de tais crimes – se não os houvesse, teriam de ser inventados, mas teriam de ser ‘descobertos’.”

Além disso, o académico destaca a necessária “cumplicidade do aparelho judicial”. “O Governo também já cuidou disso, com a sua proposta de revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária, que vem baralhar as regras de competência para julgamento de processos relacionados com crimes ‘contra a segurança do Estado’, aumentando o risco de interferência do Governo, favorecendo a classificação dos juízes segundo a sua orientação política e tornando-os mais vulneráveis a pressões políticas”, rematou.

Ontem o jornal Ou Mun publicou um artigo de uma página com depoimentos dos deputados Vong Hin Fai e Hon Ion Sang, entre outras vozes de associações tradicionais da matriz chinesa, que concordam com a criação desta comissão. Também a deputada Song Pek Kei emitiu um comunicado a defender esta medida, afirmando que a nova comissão “mostra que o Governo da RAEM cumpre a responsabilidade de defesa da segurança nacional prevista na Constituição chinesa”.

 

 

29 Ago 2018