As eleições não conhecem o interior

Obviamente que vos estou a escrever antes das eleições autárquicas em Portugal. Foi uma semana triste, de perplexidade em alguns casos. A campanha eleitoral deixou os portugueses a gostar menos deste sistema político que tem sido oferecido aos eleitores. Uma campanha amorfa, sem vida, sem alternativas. Os candidatos passaram a semana a discutir. Foi só um lavar de roupa suja. A maioria dos presidentes de Câmara quer continuar com o “tacho” e todos nós sabemos as razões desse desejo tão estranho. Na direita política nem tudo foi entendimento. O PSD coligado com o CDS e outros partidos mais pequenos, como o Iniciativa Liberal não conseguiram convencer ninguém de modo a alterar o status quo, a não ser possivelmente em Coimbra, onde o PS pode perder o poder.

Tivemos o “banha-da-cobra”. Ventura que chegou a ter cinco pessoas à sua espera para um comício. Ele para a televisão bate em todos, mas o povinho já topou que Salazar chegou um. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, respectivamente líderes do PSD e do CDS chegaram mesmo a dar o ar aos potenciais eleitores que a seguir às eleições vão de patins. A grande esperança do Partido Comunista nestas eleições é reconquistar Almada e levou o armamento pesado para a campanha de Maria das Dores Meira que tinha realizado em Setúbal um bom trabalho.

Em Almada está a grande dúvida e quando lerem esta crónica já são capazes de saber os resultados. Alguns deles já vos posso dar: no Porto, Rui Moreira ganha a brincar e na capital do país, o portuense-lisboeta Fernando Medina ganha com uma vantagem considerável sobre Carlos Moedas.

E o que fica destas eleições? Duas coisas lamentáveis: mais abstenção e propaganda política do primeiro-ministro que não devia ter andado pelo país a anunciar e a prometer melhorias ao povo, quando ele sabia perfeitamente que essas promessas apenas serão cumpridas com o dinheiro que vai chegando da União Europeia, o qual titularam de “bazuca”. António Costa não tinha necessidade nenhuma de se ter armado em feirante baixando o nível da sua imagem de primeiro-ministro. As eleições autárquicas têm uma importância vital para que o poder local possa melhorar o nível de vida dos portugueses, especialmente do interior. Mas, no interior é que estão os pobres, os velhos e os acamados. Nada se ouviu na campanha eleitoral que se iria construir habitação social de imediato, que os centros de saúde deixavam de ter pessoas que vão para a porta de madrugada a fim de recolher uma senha, que os médicos iriam ter o seu salário muito aumentado se fossem laborar para o interior do país. Não, os reformados que recebem uma miséria continuarão esquecidos, os estudantes sem bolsa de estudo ou residência na cidade onde está instalada a universidade que escolheram. A tão anunciada revolução no sistema ferroviário anunciado pelo ministro das Infraestruturas, não teve uma palavra de qualquer candidato a autarca no sentido de pressionar o governante, cuja única preocupação é continuar a passear no seu Maserati e a enterrar a TAP.

As eleições autárquicas podiam servir para revolucionar as lacunas existentes. Eleger candidatos de quem o povo gostasse, mas nada disso acontece. Os partidos é que mandam e colocam lá as suas figuras de proa para que possam ser eleitos, a fim de continuarmos a assistir à corrupção e compadrio existentes. No entanto, houve autarcas que realizaram bom trabalho. Loures e Cascais é um exemplo de que autarcas de ideologia completamente diferente, como o caso de Bernardino Soares (PCP) e Carlos Carreiras (PSD), podem apresentar obra que beneficiou quem votou neles e o mais certo é que continuem a votar. O pior de tudo são as promessas. Ouve-se um candidato a discursar e promete mundos e fundos. No final do mandato, mais de metade dos projectos ficaram na gaveta. E no poder local sempre assistimos aos cambalachos da mais diversa ordem. Alguns autarcas têm sido alvo de investigação criminal e até sentenciados. Há projectos nas Câmaras Municipais que são autênticas ilegalidades dentro da legalidade. Como assim? Constrói-se um prédio destinado a habitação para estudantes ou para pobres com rendimento reduzido, para as chamadas rendas acessíveis. Assim que as obras têm início e os interessados se dirigem à edilidade para se inscreverem no sentido de obterem um apartamento, é-lhes comunicado que a lista já está esgotada. Como foi? É que os funcionários superiores da edilidade, incluindo os presidentes, já destinaram as fracções para os amigos, ou amigos dos amigos, recebendo em troca uma óbvia compensação. Com autarcas desta natureza é natural que se vá perdendo a vontade de votar. E como ainda está um solinho agradável, a malta prefere ir até à praia. Ao menos aí votam todos num mergulhinho…

*Texto escrito com a antiga grafia

27 Set 2021

Eleições | Governo português aposta em projecto piloto para voto electrónico

O Governo português quer implementar um projecto piloto para o voto electrónico nas próximas eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas. Num debate online promovido pela plataforma “Também Somos Portugueses”, Antero Luís, secretário de Estado adjunto, disse que o sistema é “complexo” e que é necessário garantir a segurança dos dados. Gilberto Camacho, conselheiro em Macau, concorda com o voto electrónico

Depois dos incidentes ocorridos nas últimas eleições para a Presidência da República em Portugal, em que devido à pandemia muitos cidadãos não conseguiram votar, o Governo português promete avançar com um projecto piloto que permita o voto electrónico. Antero Luís, secretário de Estado adjunto e da Administração Interna, revelou a iniciativa no debate online “Votar sem Fronteiras”, promovido esta terça-feira pela plataforma “Também Somos Portugueses”.

“A Assembleia da República (AR) recomendou ao Governo a apresentação de estudos necessários sobre o voto por correspondência e o voto electrónico não presencial com a validação da chave móvel digital. Estão feitos os primeiros estudos que permitem apresentar um plano de acção para o voto electrónico não presencial, sendo intenção do Governo fazer a experiência nas próximas eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP).”

Antero Luís deixou claro que o voto electrónico, a ser plenamente implementado, não irá anular outras formas de sufrágio, uma vez que muitos cidadãos não têm acesso ou conhecimento sobre meios electrónicos. Além disso, o projecto piloto será testado em apenas um país “do espaço europeu”, mas o secretário de Estado adjunto não quis revelar qual. Recorde-se que as eleições para o CCP decorrem em Novembro deste ano.

O Governo criou um grupo de trabalho para analisar estas matérias eleitorais, composto por membros de três ministérios e também da Presidência do Conselho de Ministros. O grupo tem trabalhado desde Março do ano passado.

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, defendeu a necessidade de alterar leis para que o voto electrónico seja uma realidade. “É preciso elaborar leis que permitam, antes de novas eleições, a revisão do mecanismo eleitoral. Sei que o debate é difícil, que há quem se oponha, que vale a pena discutir causas e soluções, mas temos de olhar de frente para um problema que tem de ser resolvido. Não há plenos direitos de cidadania se o seu exercício é tão complexo como se viu nas últimas eleições presidenciais.”

O Presidente assumiu que “uma das lições retiradas da pandemia prende-se com as condições em que os portugueses podem exercer o direito de voto”.

Macau não esteve representado no debate, mas, questionado pelo HM, Gilberto Camacho, conselheiro do CCP, disse ser a favor do voto electrónico, “desde que continue a ser secreto e autêntico”. “É uma medida que deve ser implementada gradualmente e sou da opinião de que o eleitor deve poder escolher entre a via tradicional e a via electrónica. A autenticidade do voto pode ser garantida através da tecnologia ‘blockchain’”, acrescentou.

Gilberto Camacho destaca ainda as vantagens ambientais com esta forma de votar, além de que os eleitores podem evitar deslocações. “O voto electrónico também vem reduzir drasticamente o trabalho da entidade que organiza as eleições. A contagem manual dos votos é muito mais lenta que a contagem via dispositivos electrónicos, além de estar sujeita à falha humana”, apontou.

Sobre o atraso nas eleições do CCP, que há seis anos não elege novos conselheiros, Gilberto Camacho disse estar relacionado com a pandemia, “que levou à suspensão de muitos serviços e que pôs outros tantos a trabalhar a meio gás”.

Sistema “complexo”

Berta Nunes, secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, destacou o facto de o recenseamento automático, introduzido em 2018, ter permitido um aumento do número de eleitores. No caso das últimas eleições presidenciais, foram registados 29.153 votos face aos 14.150 registados em 2016.

“Este aumento vem introduzir grandes desafios no processo de recenseamento eleitoral, na organização dos processos eleitorais e no modo de votação presencial ou por via postal. O Governo está a fazer melhorias em relação ao voto por via postal. Em relação ao voto electrónico, efectuou-se, aquando das eleições europeias de 2019, um projecto piloto de voto electrónico presencial”, recordou.

O Governo apresentou, entretanto, um relatório à AR que “analisa as vantagens, desafios, inconvenientes, custos e enquadramento jurídico desse projecto piloto”. Antero Luís falou de um sistema que não é tão fácil de implementar como se pensa.

“A questão do voto electrónico não é consensual. Não há muitos países a ter o voto electrónico, alguns fizeram a experiência e recuaram. Temos de ter duas realidades: a verdade do sufrágio e a liberdade do eleitor, e a segurança.”

Segundo o secretário de Estado adjunto, o voto electrónico não presencial “tem problemas ao nível da segurança”. “São questões complexas e difíceis e não é possível fazer de forma imediata. Temos o valor do nosso processo eleitoral que é a verdade, pois nunca ninguém questionou nos tempos de democracia a falsidade dos resultados eleitorais. É um processo verdadeiro e transparente e não podemos criar incertezas. É por isso que não há consenso na AR, mas também não existe do ponto de vista técnico. Falamos de ter redes seguras em todo o mundo a partir de Portugal e não é coisa fácil”, frisou.

Ainda assim, o governante defendeu que houve uma evolução positiva relativamente ao voto dos portugueses que residem no estrangeiro. “Deu-se um grande passo com o recenseamento obrigatório e estão a dar-se passos para criar a possibilidade de uma maior participação dos portugueses residentes no estrangeiro. Temos alguns problemas com o voto postal para a eleição do Presidente da República, e só com o alargamento dos prazos é que é possível uma situação desse género, porque se houver uma segunda volta diria que é quase impossível enviar e recolher os boletins de voto.”

Antero Luís disse mesmo que se chegou a um “momento de viragem”. “Há um caminho que está a ser construído, e há uma maior consciencialização do ponto de vista do debate parlamentar para se encontrarem soluções que permitam uma maior participação [eleitoral]”, afirmou.

O grupo de trabalho tem trabalhado em assuntos além do voto electrónico, como a “normalização das metodologias de voto antecipado no estrangeiro”.

As propostas, que serão em breve submetidas à AR, passam pela implementação da votação presencial para todos os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro, para todas as eleições, bem como a opção do voto postal para todos os cidadãos residentes no estrangeiro através da inscrição na plataforma electrónica ou nos consulados.

As propostas passam também pelo estabelecimento da votação antecipada em território nacional para cidadãos que residam no estrangeiro e que estejam temporariamente deslocados em Portugal. De frisar que, nas últimas presidenciais, registaram-se casos de cidadãos que, estando temporariamente em Portugal, não conseguiram votar por estarem recenseados no país ou região de residência no estrangeiro.

O grupo tem trabalhado também sobre as alterações ao sistema de votação por via postal e na mobilidade em função da implementação dos cadernos eleitorais. Algo que irá permitir que “o cidadão possa votar em qualquer mesa a constituir no estrangeiro no país onde se encontra recenseado”, concluiu Antero Luís.

10 Jun 2021

O político desejável

[dropcap]J[/dropcap]á foi muito mais complicado entrar para a política. Tempos houve em que os titulares dos cargos de topo faziam gala das suas habilitações, dos seus doutoramentos nas mais reputadas universidades mundiais, de terem escrito ou revisto códigos civis, penais ou a própria constituição. Outros ainda chegavam à política por de algum modo se terem distinguido socialmente: empresários de sucesso, desportistas notáveis, artistas que mudaram a nossa forma de ver, ouvir e sentir. A política era um microcosmo elitista com regras inconspícuas de admissão.

Hoje em dia é muito mais fácil dar vazão a necessidade de poder que pauta a existência de certos humanos. Criaram-se inclusivamente clubes – funcionando ao modo de escolas – para ensinar aos futuros governantes as múltiplas artes pelas quais se conquista e se mantém o poder. As juventudes partidárias são uma espécie de academias de formação em futebol à volta das quais gravitam uma série de olheiros prontos a identificar o próximo secretário de estado da energia. A competição é naturalmente renhida, mas não exige as competências excepcionais que outrora fechavam as portas a tantos candidatos infinitamente mais sequiosos de poder do que a maior parte daqueles que lá andavam. As habilidades apreciadas são muito distintas, até. Ao jovem promissor é exigida uma fidelidade canina ao partido e um respeito religioso pela hierarquia, coisa que a maioria dos candidatos cumpre com afinco, dado estas características os dispensarem de mostrar quaisquer outras competências. A calhandrice, não sendo um requisito eliminatório, é praticamente indispensável para progredir no sistema, cuja forma labiríntica e mal sinalizada exige do jovem promissor uma capacidade de leitura dos mais variados duplos sentidos, das mentiras sistemicamente disseminadas e da hipocrisia dos grupos que se fazem e desfazem ao sabor dos interesses e das circunstâncias. O candidato que almeje ser mais do que um mero agitador em vésperas de eleições tem de investir com pertinácia no jiu-jitsu da rasteira ao próximo, no terrorismo do carácter alheio e na disseminação de toda a sorte de boatos. Mas não chegará longe se não se rodear de quem possa oferecer o peito às balas por ele, i.e., de quem se dedique a assumir as responsabilidades pela ignorância ou pela canalhice dos seus actos. Os candidatos têm a força do grupo a que pertencem, pelo que escolher bem o grupo onde se quer progredir é fundamental. Dá igualmente jeito ter uma consciência tão mansa como um golden retrivier vegetariano. É esta que permitirá ao jovem promissor dormir uma noite descansada depois de ter cumprido o ritual de esfaquear o melhor amigo pelas costas. É também esta que lhe permitirá mentir descaradamente numa conversa ou num debater sem levantar qualquer alarme moral interior. A consciência é um peso e o candidato, se quer chegar longe, tem de se aliviar dela o mais depressa possível. Tudo o resto se joga no reino das aparências, no qual o candidato tem de gerir a sua imagem da melhor forma possível. E gerir, neste contexto, é um eufemismo generoso para a extrapolação hiperbólica de si próprio necessária para galgar a escadaria do sucesso. O prestígio vestigial tem de ser convertido numa notoriedade ampla e concreta, nem que para isso o candidato empole a importância da mais pequena banalidade académica, profissional ou pessoal. Quem estiver minimamente preocupado com a equivalência das aparências com a realidade não tem lugar no ecossistema das juventudes partidárias, nas quais a trivialidade envernizada é a moeda de troca mais comum entre egos concorrentes. Como nota final, realçar a importância do killer instinct, ou seja, da capacidade de perceber o momento ideal, dentro de um determinado contexto, para fazer tombar a criatura ocupando o galho para onde o candidato quer subir.

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24 Set 2020