Emissão de dívida portuguesa em moeda chinesa “foi um sucesso”, diz ex-presidente do IGCP

[dropcap]O[/dropcap] ex-presidente do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública João Moreira Rato sublinha que “Portugal foi precursor em termos de emissões soberanas em ‘panda bonds’” e considera que “a operação foi um sucesso”.

“É uma iniciativa positiva ir procurar novas bases de investidores da forma o mais segura possível e com os menores riscos possíveis”, afirmou João Moreira Rato, em declarações à agência Lusa.

“Acho que esta operação, principalmente, representa para Portugal uma opção de entrar num mercado que no futuro pode ser muito representativo, mas que nesta fase ainda está numa fase de desenvolvimento insipiente”, acrescenta o ex-presidente do IGCP.

Para João Moreira Rato, “o que se espera é que, tendo sido um dos primeiros a entrar e acumulando alguma experiência neste mercado, Portugal fique bem colocado no futuro para ter acesso a uma outra base de investidores, que é uma base de investidores com um potencial enorme”.

Embora apontando a componente “política” da operação, que deve ser inserida no “contexto das relações bilaterais entre Portugal e a China”, João Moreira Rato considera que esta aposta numa “base de investidores novas pode ser importante no futuro” e constituiu uma “justificação técnica” para a opção pelas ‘Panda Bonds’.

Quanto ao risco associado à operação, o ex-presidente do IGCP admite que “a cobertura pode ser difícil”, mas não a considera “arriscada demais”: “Penso que o IGCP há de ter acautelado os riscos e esse, provavelmente, foi um dos factores que levou a que a operação fosse mais pequena”, referiu.

“[A operação] pode fazer sentido do ponto de vista financeiro, em termos de explorar novas bases de clientes. Agora o que se pode é questionar se não haveria outras bases de clientes que também deveriam ser pensadas e que poderiam ser mais baratas, mas isso são escolhas que depois têm de se fazer”, disse à Lusa.

“Tenho a certeza que a escolha está bem fundamentada tecnicamente pelo IGCP, a partir daí é uma escolha mais política do Ministério das Finanças entre a opção A, B ou C”, acrescentou.

Portugal colocou ontem dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros) em ‘Panda Bonds’ a três anos com juros anuais de 4,09%, anunciou em comunicado o tesouro português.

Segundo um comunicado divulgado na página da Internet do IGCP, a procura dos investidores pelos títulos “foi forte”, 3,165 vezes o montante colocado, tendo permitido rever em baixa a taxa de juro para 4,09%.

Em 27 de maio, o IGCP tinha anunciado que iria colocar dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros) em ‘Panda Bonds’ a três anos com a taxa de juro a variar entre 3,90% e 4,5%.

Esta operação de ‘Panda Bonds’ foi a primeira emissão em moeda chinesa de um país da zona euro e a terceira de um país europeu. Com esta operação Portugal acedeu ao terceiro maior mercado de obrigações do mundo, refere ainda o IGCP.

A emissão realizada pelo IGCP só avançou depois de Portugal ter tido ‘luz verde’ das autoridades chinesas para emitir títulos de dívida em moeda chinesa – as chamadas ‘Panda Bonds’.

“Um sinal económico”

A emissão de dívida feita por Portugal em moeda chinesa é um sinal “mais económico do que político”, disse à agência Lusa Carla Fernandes, do Instituto Português de Relações Internacionais da Nova.

A investigadora do IPRI-Nova disse que a aproximação entre Portugal e China é algo que já está a acontecer “há muito tempo” e tem-se estreitado depois da visita do presidente chinês, Xi Jinping, a Portugal, no ano passado.

Carla Fernandes recordou que, durante esta visita, foram assinados vários protocolos, incluindo um para a emissão das ‘Panda Bonds’, que hoje foi concretizada.

Mais recentemente, foi o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que visitou a China, recordou a investigadora, salientando que as boas relações entre os dois países tiveram a sua prova principal na transferência “muito pacífica” da soberania de Macau para a China.

Carla Fernandes deu ainda conta de que entre os países europeus “Portugal está no grupo” dos que contam com melhores relações com a China, tendo também a conta as ligações históricas entre os dois países ao longo de vários séculos.

31 Mai 2019

Moody’s | Dívida pública chinesa atinge 149 por cento do PIB em 2020

[dropcap]A[/dropcap]agência de ‘rating’ Moody’s alertou ontem para o crescente endividamento do sector público na China, que deve atingir 149 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em 2020, devido a um modelo de crescimento económico assente no investimento.

O relatório da Moody’s assegura que a China está a abrandar as medidas que visam travar o ‘boom’ do endividamento, face ao abrandamento da actividade doméstica e os riscos gerados pelas disputas comerciais com os Estados Unidos.

“Apesar de os objectivos a longo prazo de redução do endividamento e dos riscos se manterem, é possível que, face às actuais circunstâncias, as autoridades recorram mais aos gastos do sector público para apoiar o crescimento”, aponta o analista George Xu, no relatório.

O vice-presidente e director de crédito da Moody’s, Martin Petch, afirma esperar que a “alavancagem financeira em todos os sectores da economia aumente ainda mais, face às crescentes pressões negativas sobre o crescimento”.

“Acreditamos que a dívida no sector público, que inclui o Governo e as empresas estatais, aumentará para 149 por cento do PIB, no final desta década, mais 15 por cento do que em 2017”, disse.

O documento afirma que, apesar de “as autoridades terem redobrado esforços para melhorar a supervisão das empresas estatais fortemente endividadas” e “controlar as suas fontes de financiamento”, o “sector público continua a acarretar riscos”.

Dependências estatais

No mês passado, o Banco do Povo Chinês (banco central) cortou o coeficiente de reservas obrigatórias dos bancos em 1 por cento, libertando quase 110.000 milhões de dólares norte-americanos em crédito, para impulsionar o desenvolvimento económico.

O aumento dos gastos públicos ocorrerá sobretudo através das autoridades locais, considera a Moody’s, que num outro relatório aponta os desafios da China no controlo das fontes de financiamento opacos a que recorrem os governos locais e regionais.

“A grande e contínua diferença entre as necessidades reais dos governos locais e regionais na China e as suas limitadas fontes de rendimento implicam que continuem dependentes de empresas estatais locais para financiarem as suas necessidades de infraestrutura”, aponta o relatório.

O documento lembra que as “empresas públicas locais detêm a maior proporção de dívida oculta” do país.
Num relatório recente sobre a dívida oculta local, o banco central chinês calcula que, só numa província do país, os cálculos apontam para um nível real de endividamento 80 por cento superior aos dados oficiais.

Motor global

Nos últimos dez anos, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos e dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

“Desde a crise financeira global [2008], a China criou 63 por cento do novo dinheiro no mundo” ou “mais do que os Estados Unidos, Europa e Japão combinados”, descreve Dinny McMahon, autor do livro “China Great Wall of Debt” (“A Grande Muralha de Dívida da China”).

Manter altas taxas de crescimento económico e a criação de postos de trabalho são considerados pelas autoridades chinesas como essenciais para assegurar a estabilidade social, uma preocupação constante do Partido Comunista Chinês. Há várias décadas que o crescimento económico é uma das principais fontes de legitimidade do partido único no país.

16 Nov 2018