João Luz China / ÁsiaGuerra Comercial | Desvalorização do yuan agudiza relação com Washington As tensões económicas entre Washington e Pequim conheceram um novo capítulo com a desvalorização do yuan abaixo da barreira psicológica da paridade de 7 yuan para 1 dólar, pela primeira vez em dez anos. Enquanto Trump apelida a medida dura de Xi como mais um exemplo de manipulação cambial, as perspectivas de continuação da desvalorização cambial mantêm-se. Em Portugal, não se teme impacto nos Panda Bonds. Por cá, o presidente da Associação de Bancos de Macau prevê quebras no consumo dos turistas Com agências [dropcap]S[/dropcap]em vencedores à vista, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China continua a aprofundar-se. Depois do anúncio da desvalorização da moeda chinesa abaixo da barreira psicológica da paridade de sete yuans para um dólar, o Presidente norte-americano, Donald Trump, voltou ao Twitter para apelidar, novamente, a China de manipulador cambial. A resposta dura de Xi depois de Trump ter proclamado novas taxas alfandegárias sobre as importações chinesas a partir de 1 de Setembro tem provocado ondas de choque um pouco por todo o mundo. Além disso, a medida do Banco Popular da China promete não trazer novidades nas relações económicas entre as duas maiores potências económicas mundiais e, talvez, provocar ainda mais a ira da Casa Branca. A desvalorização da moeda tem como objectivo ajudar as fábricas chinesas a contornarem o aumento dos custos trazidos pela imposição de novas tarifas na venda de produtos para os Estados Unidos. Neste contexto, o Banco Popular da China definiu ontem o valor de abertura do yuan em 7,0039 para o dólar norte-americano – a primeira vez, desde 2008, que o nível de abertura se fixou de sete yuan para um dólar. Mas, a meio da tarde, o yuan estava a ser negociado a 7,0435, ligeiramente acima do valor de quarta-feira. O yuan não é inteiramente convertível, sendo que o seu valor face a um pacote de moedas internacionais pode variar até 2 por cento diariamente. Face às circunstâncias, é expectável que o banco central chinês volte a desvalorizar a moeda, talvez para 7,5 a 8 yuan para 1 dólar, de forma a neutralizar o impacto das tarifas impostas por Washington. A acção pode levar os bancos centrais da região do Pacífico Asiático a baixar as taxas de juro. Aliás, na quarta-feira, três bancos centrais, Tailândia, Nova Zelândia e Índia, já baixaram as taxas de juro, uma tomada de posição defensiva que tenta incentivar as economias locais face às ameaças que a guerra comercial representa para a economia mundial. Mano a mano Face às hostilidades económicas, não é surpresa que o comércio entre China e Estados Unidos tenha voltado a contrair em Julho, segundo dados oficiais ontem divulgados. Além da intensificação da guerra comercial entre Pequim e Washington, a possibilidade de acordo parece cada vez mais difícil, principalmente durante este ciclo político de Washington. Os dados das alfândegas chinesas revelam que as importações de bens oriundos dos EUA caíram 19 por cento, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Enquanto as exportações chinesas para os Estados Unidos caíram 6,5 por cento. No total, as trocas comerciais da China com o exterior registaram um crescimento homólogo de 5,7 por cento, em Julho, fixando-se em 2,74 mil milhões de yuans. As exportações subiram 10,3 por cento, enquanto as importações aumentaram 0,4 por cento. O excedente comercial fixou-se assim nos 310.260 milhões de yuans, um aumento de 75,3 por cento, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Entre Janeiro e Julho, o comércio externo da China atingiu os 17,4 mil milhões de yuan, com melhor desempenho das exportações – avançou 6,7 por cento – do que as importações, que subiram 1,3 por cento. O excedente comercial chinês, no conjunto dos primeiros sete meses de 2019, é de 1,5 mil milhões de yuan, mais 44,5 por cento do que no mesmo período de 2018. Panda tranquilo A desvalorização da moeda chinesa, que se tem verificado nos últimos dias, não terá impacto nas ‘Panda Bonds’ que Portugal emitiu em Maio deste ano, graças à cobertura de risco cambial, segundo o IGCP. Em resposta à Lusa, o Coordenador do Núcleo de Emissões e Mercados da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), Tiago Tavares, salientou que, “relativamente à desvalorização ou valorização da moeda chinesa, importa salientar que o IGCP efectuou a cobertura total do risco cambial associado à primeira emissão de ‘Panda Bonds’”. Em Maio, Portugal colocou dois mil milhões de yuans em ‘Panda Bonds’ a três anos com juros anuais de 4,09 por cento, anunciou em comunicado o Tesouro português. O ministro das Finanças, Mário Centeno, afirmou depois, em Junho, que a taxa da emissão de dívida em moeda chinesa foi de 0,62 por cento a três anos após aplicada a cobertura de risco. De acordo com Filipe Garcia, presidente da consultora IMF, as flutuações cambiais chinesas não alteram as condições, quer do reembolso dos cupões quer do montante final da operação, por estarem “acauteladas pela cobertura da taxa de câmbio”. O economista disse, em declarações à Lusa, que mesmo que não houvesse cobertura de câmbio “era bom [para Portugal] que a moeda caísse”. Novas emissões David Silva, analista da corretora Infinox, detalha esta questão à Lusa, referindo que “Portugal colocou dois mil milhões de yuan, o que equivalia a cerca de 260 milhões de euros ao câmbio no momento da emissão, pelo que, neste momento, o Estado necessitaria de um valor inferior a 260 milhões para ressarcir os seus credores”. Tiago Tavares, questionado sobre planos para novas emissões, disse ainda que “o programa aprovado pelas autoridades chinesas expira daqui a dois anos e o montante do programa ascende a cinco mil milhões de yuans, cuja primeira emissão foi de dois mil milhões, não estando prevista qualquer calendarização para uma nova emissão”, garantiu. Por sua vez, David Silva estima que, tendo em conta que “a China utilizou a desvalorização da sua moeda para fazer face ao novo ataque por parte dos Estados Unidos, o yuan poderá continuar a perder algum valor propositadamente por mais algum tempo”. Para o especialista, “o principal ponto passará por perceber quanto custará novamente esta operação, uma vez que o actual ‘rating’ de Portugal e a procura verificada na primeira emissão levam a crer que os investidores chineses iriam voltar a aderir em grande número a nova emissão”. Para Filipe Garcia, esta questão sempre esteve mais relacionada “com o interesse político do que financeiro. Porque já, na altura [da primeira operação] era mais barato Portugal emitir em euros”. Segundo um comunicado divulgado no ‘site’ do IGCP, em Maio, a procura dos investidores pelos títulos “foi forte”, 3,165 vezes o montante colocado, tendo permitido rever em baixa a taxa de juro para 4,09 por cento. Mário Centeno reconheceu em Junho que os 0,62 por cento (taxa da emissão) correspondem a “um esforço muito grande da República Portuguesa”, sublinhando que “o prémio que está a ser pago é exactamente” aquele, “para diversificar as suas fontes de financiamento”. Mário Centeno admitiu que “se calhar [a decisão] é hoje mais questionável do ponto de vista estritamente financeiro do que quando foi tomada”, porque se trata de “um processo muito longo” e actualmente as taxas dos títulos de dívida de Portugal estão muito mais baixas no mercado. Bolsas e petróleo A batalha na balança comercial entre Pequim e Washington fez também baixas nas bolsas mundiais, levando o preço do petróleo por arrasto. Ainda assim, nem só de crude e acções vive a economia. A desvalorização do yuan e a arma de arremesso económico preferida de Trump, o aumento de tarifas, não afectou os juros das dívidas, o valor do ouro e as chamadas moedas de refúgio, incluindo as virtuais. Porém, nos mercados accionistas, o sangue correu quente com quedas acentuadas um pouco por todo o mundo. As bolsas asiáticas caíram para mínimos de um mês e Wall Street registou perdas na ordem dos dois por cento. Na Europa, o panorama não foi melhor, com o Stoxx 600, o índice pan-europeu, a recuar para mínimos de dois meses para 2,2 por cento. O DAX germânico perdeu 1,7 ponto, o CAC francês perdeu 2,2 por cento, o FTSE MIB italiano recusou 1,3 por cento, o espanhol IBEX perdeu 1,4 por cento e o FTSE 100 britânico caiu 2,5 por cento. Seguindo a tendência, também o PSI-20 português perdeu 1,07 por cento. Além das obrigações soberanas, o ouro acentuou os ganhos que já registava há várias semanas, batendo recordes uma vez que desde Abril de 2013 não valia tanto. Nos refúgios cambiais, o franco suíço e o iene japonês acompanharam os ganhos, enquanto nas criptomoedas, a bitcoin disparou mais de 8 por cento para 11.770 dólares.