IGCP | Mercado da dívida em renmimbis será o segundo maior ainda este ano

Cristina Casalinhos, presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, defende, em entrevista ao HM, que o mercado de dívida em renmimbis será o segundo maior no final deste ano, aproximando-se dos Estados Unidos. A responsável deslocou-se à China na semana passada para a concretização da operação “Obrigações Panda”

 

[dropcap]P[/dropcap]ortugal tornou-se recentemente no primeiro país da União Europeia (UE) a emitir dívida pública em renmimbis, com juros de quatro por cento, uma taxa superior à dívida emitida em euros. Cristina Casalinhos, presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, defendeu ao HM que a aposta na operação relacionada com as “Obrigações Panda”, também conhecidas como “Panda Bonds”, prende-se com objectivos específicos de Portugal. “O interesse na presente emissão consiste no alargamento da base de investidores em dívida portuguesa. Neste caso, é importante a entrada num mercado que, no final do ano, será o segundo maior mercado de dívida depois dos EUA”, adiantou a responsável, que garante que foi feita a total cobertura dos riscos cambiais com a operação.

Questionada sobre quando o yuan poderá vir a ser uma moeda tão forte como o dólar americano, Cristina Casalinhos apenas disse acreditar que “o papel internacional da moeda chinesa tem tendência para aumentar”.

A operação da emissão de “Obrigações Panda” foi concretizada recentemente, com a deslocação de Cristina Casalinhos à China, numa viagem que teve como único objectivo finalizar a operação.

Antes disso, a presidente da IGCP marcou presença na última edição do Fórum Internacional de Infra-estruturas.

Operação com dois anos

Apesar de Portugal só agora ter emitido dívida pública em renmimbis, a verdade é que a operação arrancou em 2017. “A autorização por parte do PBOC (Banco Central Chinês) aconteceu no Verão de 2018, apesar dos primeiros esforços para realização da emissão terem começado mais cedo.

No primeiro trimestre de 2017, foram nomeados os bancos organizadores da emissão. A preparação da documentação, a realização de roadshow, levam tempo. Por outro lado, o certificado do registo apenas foi emitido pela NAFMII a semana anterior à emissão (20 de Maio de 2018)”, adiantou Cristina Casalinhos.

Confrontada com a possibilidade de a operação poder abrir um novo precedente no que às relações estratégicas entre a China e União Europeia diz respeito, Cristina Casalinhos pouco adiantou. “Polónia e Hungria já emitiram Panda Bonds e Áustria e Itália sinalizaram o seu interesse neste mercado.”

A responsável não fez comentários sobre a compra de dívida pública portuguesa por parte da RAEM, uma operação que se realizou em 2011.

Vários analistas citados pela agência Lusa analisaram a operação de emissão das “Obrigações Panda”, que acontece numa altura em que se intensifica a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. Polónia, Hungria e Portugal endividaram-se na China através das ‘Panda Bonds’, em breve será Áustria e Itália, e os especialistas indicam que é uma forma de demonstrar os laços com Pequim em plena crise com os Estados Unidos.

No total, Portugal colocou dois mil milhões de renmimbis (o equivalente a 260 milhões de euros) em obrigações a três anos. Foi a primeira emissão em moeda chinesa de um país da zona euro e a terceira de um país europeu, depois da Polónia, em 2016, e da Hungria, em 2017.

O mercado das ‘Panda Bonds’ existe desde 2005, mas o verdadeiro ‘pontapé de saída’ deu-se há quatro anos quando o banco central da China decidiu facilitar o acesso a este tipo de financiamento, escreve a AFP. E tudo tendo como pano de fundo o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, no qual a China procura expandir a sua influência económica e tecnológica. “Pouco a pouco, a China está a tentar atrair investidores para o seu mercado e transformar a sua moeda numa moeda de referência”, afirmou Frédéric Rollin, assessor de estratégias de investimentos da Pictet AM, em declarações à AFP. “Existem poucos emissores estrangeiros que chegam ao mercado do yuan” porque “não é particularmente atractiva”, referiu Frédéric Gabizon, responsável para o mercado de obrigações do HSBC, um dos bancos que orientou a emissão portuguesa.

Os peritos frisam que o interesse puramente financeiro é limitado para um país europeu, que beneficia de melhores condições no seu mercado doméstico. De recordar que Portugal, numa emissão de dívida em euros, paga menos de um por cento a 10 anos.

No mercado das ‘Panda Bonds’, “67 por cento das emissões são feitas com maturidades entre zero e três anos e apenas cinco por cento têm maturidades acima de cinco anos”, o que é “sinal de um mercado bastante jovem”, comentou Pierre-Yves Bareau, responsável pela gestão de dívida emergente no J.P. Morgan AM.

No entanto, se a atractividade financeira permanece limitada, “existem importantes interesses políticos ou de reputação: emitir em ‘Panda Bonds’ pode ser visto como um gesto político positivo para desenvolver os laços com a China” num contexto de escalada das tensões comerciais entre a China e os Estados Unidos, afirmou Liang Si, responsável para a Ásia das emissões de dívida no BNP Paribas.

A Itália também anunciou a intenção de emitir ‘Panda Bonds’, assim como a Áustria, que comunicou no final de Abril que também se quer lançar naquele mercado.

“Desde 2009/2010 que a China começou uma política para encontrar ‘cavalos de Troia’ na Europa”, explicou Christopher Dembik, chefe do departamento de pesquisa económica no Saxo Bank. O mesmo especialista adiantou que Pequim tem como alvos “países que muitas vezes têm uma maior necessidade de investimentos e aceitam em troca um acordo implícito” de passar pelo mercado das ‘Panda Bonds’.

14 Jun 2019