Isabel Castro VozesCoisas à Macau [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ais um relatório, mais um puxão de orelhas, mais umas resmas de papel – do Comissariado contra a Corrupção e dos jornais – para deitar ao lixo um dia destes. A gente já se habituou a que este tipo de coisas dê em nada, porque Macau é assim e pronto. A malta resmunga, os apanhados em falta pedem desculpa, dão rapidamente a mão à palmatória e prometem fazer tudo direitinho. O assunto passa ao esquecimento. Até à próxima. Desta vez, os parques de estacionamento, assunto que já deu um processo em tribunal. Entre outros aspectos censurados, o Comissariado contra a Corrupção lamenta o facto de os Serviços para os Assuntos de Tráfego não terem fiscalizado de forma devida a cobrança das tarifas dos parques de estacionamento. Algumas empresas atrasaram-se na entrega das receitas provenientes das tarifas, mas os serviços nada fizeram. Assobiaram para o lado e ficaram à espera, que a terra é rica e, pelos vistos, não há pressa com acertos de contas. Somos todos amigos, irmãos e primos uns dos outros. Os parques de estacionamento. Se pudesse, não os frequentava com esta assiduidade diária que me desgasta a paciência e o orçamento. Sucede que faço parte do grupo de pessoas a quem é, por razões profissionais e pessoais, impossível prescindir de uma coisa com quatro rodas e cinco portas que transporte gente de várias idades lá dentro. Sucede assim e, enquanto aqui viver e enquanto Macau não tiver transportes públicos decentes, não há volta a dar. Precisamente porque Macau tem transportes públicos de duvidosa qualidade – com motoristas que fecham portas ainda os utentes não acabaram de sair, com motoristas que transportam gente saudável, gente doente, velhos e crianças como se fossem cimento em betoneiras –, quem tem poder para decidir deve deixar de encarar esta coisa dos parques públicos como um luxo para alguns, uma coisa que está entregue a umas empresas que fazem o que bem entendem, uma coisa que é para ir deixando estar. Auto-silos em autogestão. Os parques de estacionamento. São do mais miserável que há e a experiência, em muitos deles, é quase tão má quanto andar de autocarro às quatro e meia da tarde com um bebé ao colo e uma criança de três anos pela mão. A maioria não tem ventilação, não tem sistemas inteligentes que ajudem na tarefa de encontrar um lugar para estacionar. A maioria tem lugares tão apertadinhos que mesmo aqueles que optam por carros pequenos têm uma certa dificuldade em abrir as portas. A maioria cheira mal. A maioria tem acessos sujos, mal cuidados, assim como caixas sujas, mal cuidadas. Ir pagar o parque pode ser um sofrimento. Cada um faz o que quer, mi casa es mi casa, o silo é deles e eles é que sabem, o Governo ainda por cima não chateia, não há cá critérios, os clientes pagam e é se querem, se não quiserem que andem nos autocarros à pinha e aos solavancos, com motoristas que fazem rotundas como se corressem na Guia, mas só em duas rodas. Os parques de estacionamento. As irregularidades de que não sabíamos e aquelas que são públicas, mas ninguém quer saber. Os Serviços para os Assuntos de Tráfego, essa estranha direcção cujas tarefas ainda não consegui perceber exactamente quais são: Macau tem má sinalização nos dias normais, tem ainda pior sinalização quando há obras, tem rotundas mal feitas, enfeitadas com verduras e bonecos que não deixam ver quem lá vem, tem soluções de trânsito impensáveis, tem parques mal geridos. E tem – se o Comissariado contra a Corrupção lê os jornais, que se acuse, que ando há mais de uma década a falar disto e começo a ficar cansada – milhares de parquímetros que não dão recibo, em claríssima violação do Código Civil e do que dispõe sobre a quitação. Enfim, tudo pequenas coisas com que os Serviços de Tráfego se poderiam entreter, para que Macau tivesse alguma ordem. As coisas do trânsito chateiam, chateiam muito. Chateiam quem anda a pé, de carro e de autocarro. Chateiam porque o trânsito rouba-nos tempo e o tempo são horas de vida que nos tiram. O trânsito aumenta a poluição e a poluição tira-nos vida, em qualidade e em quantidade. As coisas do trânsito chateiam e há muito que se poderia já ter pensado numa direcção de serviços com os melhores dirigentes, os melhores consultores e as melhores soluções. É que os nossos problemas, vendo bem, são coisas de junta de freguesia, mais ou menos fáceis de resolver como são todas as coisas das juntas de freguesia.